Sertão repaginado 21/05/2013 - 11:40

Próximo convidado do projeto “Um Escritor na Biblioteca”, Ronaldo Correia de Brito fala sobre suas maiores influências: o sertão e o cinema

Foto: JR Duran
Quando Ronaldo Correia de Brito lançou Galileia, seu romance mais aclamado, a obra foi saudada como um livro que revisitava o regionalismo de grandes obras, como Vidas secas, de Graciliano Ramos, que mas que transformava as tradições literárias do nordeste com um pano de fundo contemporâneo. “Coloco meus personagens em Berkeley, Nova Iorque, Toulouse ou na mellah de Fes, mas sei que a minha perspectiva é sempre a da paisagem desértica do sertão dos Inhamuns, onde nasci, ou do Crato e Juazeiro do Norte, onde vivi até os dezesseis anos, ou do Recife, onde moro há mais de quarenta anos”, diz o escritor sobre a influência das cidades em que viveu na sua literatura.

Terceiro convidado do projeto “Um Escritor na Biblioteca”, Brito revela nesta breve entrevista como o cinema sugere imagens que são apropriadas pela sua ficção. Admirado como contista, o escritor teve sua obra amplamente divulgada depois da publicação de Galileia, romance que recebeu o Prêmio São Paulo de Literatura em 2009.

Autor de peças como Baile do menino Deus e da elogiada coletânea de contos Faca, Brito fala um pouco de sua produção nesta conversa prévia, que antecede sua vinda a Curitiba, no dia 05 de junho.

O senhor era conhecido como contista, mas seu livro de maior sucesso foi o romance Galileia. O que houve no espaço de tempo entre seu último livro de contos até a publicação do romance? Por que a guinada?
Eu não tenho certeza se meu livro de maior sucesso é mesmo Galileia. Faca acaba de ser publicado na França e teve uma repercussão bem melhor do que Galileia. Meu editor na Cosac, Rodrigo Lacerda, brincava dizendo que gostaria de me ver escrever um longa metragem, ou seja, um romance. Quando Faca saiu publicado em fevereiro de 2003, já fazia três anos que eu trabalhava em Galileia. Mas eu já escrevia contos desde 1970 e os engavetava. Nesses trinta e três anos publiquei apenas dois livrinhos, no Recife, e me ocupava com o meu teatro, que sempre fez bastante sucesso. Não sei se houve propriamente uma guinada. Acho que reconheceram algum valor no que escrevo e se interessaram em ler os meus textos. Sou parecido com o café de sombra, tenho uma maturação lenta e talvez por isso um sabor encorpado.

estivelafora
O senhor é um cearense que vive em Pernambuco. Em seus livros o nordeste é bastante presente. Sua literatura está indissociavelmente ligada ao lugar em que vive?
Sim. Os escritores que aprecio possuem uma geografia: Babel não seria possível sem Odessa, Bruno Schulz sem Drohobyez, García Márquez sem Aracataca, Maupassant sem a Normandia... e dezenas de exemplos que não vou citar. Coloco meus personagens em Berkeley, Nova Iorque, Toulouse ou na mellah de Fes, mas sei que a minha perspectiva é sempre a da paisagem desértica do sertão dos Inhamuns, onde nasci, ou do Crato e Juazeiro do Norte, onde vivi até os dezesseis anos, ou do Recife, onde moro há mais de quarenta anos. Considero-me com direito a acessar os conhecimentos da grande biblioteca legada aos homens, mas quando leio esses livros, o faço sentado numa cadeira de couro, fabricada por um marceneiro cearense.

Murilo Rubião, contista mineiro, levava décadas para acabar um
a história. O senhor publicou alguns contos muito tempo depois de ter começado a escrevê-los. Mas, nos últimos anos, o senhor tem publicado com bastante regularidade. Por que seu ritmo de trabalho se intensificou?
Em Livro dos homens, de 2005, saiu o conto “Eufrásia Meneses”, que comecei a escrever em 1973. Perdi o número das vezes que reescrevi essa narrativa de voz feminina, na primeira pessoa. Houve quem me criticasse porque juntei contos antigos e mais recentes no livro Retratos imorais. Mas os escritores são pessoas arbitrárias, fazem o que pensam que é melhor e não se importam em desagradar gostos estabelecidos. Sempre me ocupei da escrita, desde a adolescência, apenas não publicava. Agora me ocupo bem mais tempo e publico mais. Se somar as horas que passei com meu último romance, Estive lá fora, vou descobrir que gastei um tempo maior do que nos oito anos em que fiquei ocupado com Galileia. São livros diferentes, porém com a mesma voltagem.

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O senhor também tem forte ligação com o cinema. De que forma o cinema reverbera em seus livros? Escritores-cineastas lhe fazem a cabeça também?
Na minha cidade havia mais cinemas do que bibliotecas e livrarias. Por isso eu vi muito cinema e sofri a influência da narrativa cinematográfica, sobretudo na escrita visual e nos cortes bruscos. Minha escrita possui mais ação do que descrição. Quando descrevo, é sempre com o fim de montar o cenário para a ação. Nas primeiras sessenta páginas de Estive lá fora, o leitor fica meio perdido com as várias ações que só terão sentido adiante, quando o romance adquire um andamento feérico. Esse gosto pela ação pode ser influência de Kafka, ou simplesmente do cinema. Às vezes cineastas como Bergman, Fellini ou Tarkovsky fazem a minha cabeça bem mais do que escritores.

Em 2013 há uma efeméride relacionada a Graciliano Ramos, um dos mais célebres escritores nordestinos: 60 anos da morte do autor. Qual o seu livro preferido do escritor?

Sem dúvida, Vidas secas. Em 2008, escrevi um pequeno ensaio para O Estado de São Paulo, comemorativo aos 70 anos de publicação do romance. Percebi o quanto gosto desse livro.

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