TRADUÇÃO | Jericho Brown 28/02/2023 - 14:16

A tradição


Aster. Nasturtium. Delphinium. Com os dedos na terra

Pensávamos que a terra era nossa, aprendendo

Nomes no calor, nos elementos que os filósofos

Clássicos diziam que poderiam nos transformar. Lírio.

Dedaleira. O verão parecia florescer contra a vontade

Do sol, que segundo novos relatórios flameja mais quente

Sobre este planeta do que quando nossos falecidos pais

Secavam o suor do pescoço. Cosmos. Véu-de-noiva.

Homens como eu e meus irmãos filmávamos o que

Plantamos como prova de que existimos, antes

Que fosse tarde demais, acelerávamos o vídeo para ver os botões

Se abrirem em segundos, com cores que você espera ver em poemas

Em que o mundo acaba, tudo derrubado.

John Crawford. Eric Garner. Mike Brown.

 

The Tradition
 

Aster. Nasturtium. Delphinium. We thought

Fingers in dirt meant it was our dirt, learning

Names in heat, in elements classical

Philosophers said could change us. Star Gazer.

Foxglove. Summer seemed to bloom against the will

Of the sun, which news reports claimed flamed hotter

On this planet than when our dead fathers

Wiped sweat from their necks. Cosmos. Baby’s Breath.

Men like me and my brothers filmed what we

Planted for proof we existed before

Too late, sped the video to see blossoms

Brought in seconds, colors you expect in poems

Where the world ends, everything cut down.

John Crawford. Eric Garner. Mike Brown.

 

***

 

Escuro
 

Estou cansado da sua tristeza,

Jericho Brown, da sua negritude,

Dos seus livros. De saco cheio de você

Me levar para a cama

Para eu esquecer o quanto estou

Cheio. Estou cansado da sua beleza,

Dos seus debates, sua preocupação, sua

Determinação em manter a bunda

Dura, da pouca grana que ganha.

Cansado de você dizendo não quando sim é fácil

Como um jovem, de saco cheio de você

Dizendo sim a todos os pedidos

Embora esteja tão cansado quanto qualquer um porém

Consumido por um único

Diagnóstico de saúde. Estou cansado

Da sua mágoa. Vejo que

Você está triste. Você pode ser feio,

mas isso não é novo.

Todo mundo que você conhece

Também é bem louco. Todo mundo que você ama é

Bem triste, ou, no mínimo, bem preto.

Dark
 

I am sick of your sadness,

Jericho Brown, your blackness,

Your books. Sick of you

Laying me down

So I forget how sick

I am. I’m sick of your good looks,

Your debates, your concern, your

Determination to keep your butt

Plump, the little money you earn.

I’m sick of you saying no when yes is as easy

As a young man, bored with you

Saying yes to every request

Though you’re as tired as anyone else yet

Consumed with a single

Diagnosis of health. I’m sick

Of your hurting. I see that

You’re blue. You may be ugly,

But that ain’t new.

Everyone you know is

Just as cracked. Everyone you love is

As dark, or at least as black.

 

***

 

Cakewalk
 

Meu homem jura que o HIV dele é melhor que o meu, pois carrega um pouco

De ouro, algo que ele pode gastar se vier a envelhecer, ele diz que o meu

É cheio de chumbo, te deixa mais lento, ele me diz, olhando por cima do ombro. Mas

Continuo olhando as costas dele e digo que meu HIV é banal. Prático. Como

Moedas de um centavo. Como cobre. Ele pode conduzir eletricidade. Conservar o calor

Ou te dar um choque. Ele trabalha duro, ganha tanto quanto o meu sorriso.

 

Cakewalk
 

My man swears his HIV is better than mine, that his has in it a little

gold, something he can spend if he ever gets old, claims mine is full

of lead: slows you down, he tells me, looking over his shoulder. But

I keep my eyes on his behind, say my HIV is just fine. Practical. Like

pennies. Like copper. It can conduct electricity. Keep the heat on or

shock you. It works hard, earns as much as my smile.

 

 

 

Jericho Brown nasceu em Louisiana (EUA), em 1976. É considerado um dos maiores poetas norte-americanos da atualidade. Com o seu livro de estreia, Please (2008), ganhou o American Book Award. Seu segundo trabalho, The New Testament (2014), foi nomeado um dos melhores títulos do ano pela crítica especializada. Em 2020, venceu o Pulitzer com A Tradição. Sua obra gira, principalmente, em torno de temas como ancestralidade, raça e sexualidade. Os poemas selecionados pelo Cândido foram traduzidos por Stephanie Borges e fazem parte de A Tradição, que será lançado no Brasil em maio na coleção Círculo de Poemas (fruto da parceria entre as editoras Fósforo e Luna Parque).

 

Stephanie Borges é jornalista, poeta e tradutora. Seu livro de estreia, Talvez Precisemos de um Nome Para Isso (2019), recebeu o Prêmio Cepe Nacional de Literatura. Traduziu prosa e poesia de autoras como Audre Lorde, bell hooks, Claudia Rankine e Margaret Atwood.