CRÔNICAS VERTIGENS | Robocop 30 09/12/2025 - 16:47
O jornal Cândido começa a publicar, a partir desta edição, textos do multiartista Fausto Fawcett, que estreia a coluna bimestral Crônicas Vertigens.
Fausto Fawcett transita entre literatura, música e cinema. Publicou mais de oito livros, entre eles, Santa Clara Poltergeist (1990), Básico Instinto (1992), Copacabana lua cheia (2000), Favelost (2002), Pororoca rave (2015) e Pesadelo Ambicioso (2022). Nome expoente do rap rock e da literatura cyberpunk no Brasil.
Agora, os leitores(as) do Cândido vão poder percorrer os “labirintos faustianos”, onde cada palavra é elevada em potência máxima, criando fagulhas mentais até então impossíveis, com toda a intensidade que sua escrita emite.
A vertigem climática provocando fenômenos de desequilíbrio extremo na assim chamada atmosfera com efeitos bizarros e letais na vida em geral é o fator de risco mais espetacular ocupando as mentes (sérias e negacionistas do problema sério) e as mídias envolvendo todos numa, como direi, vibe apocalíptica, milenarista. Suspiros de Juízo Final nas esquinas. A sombra do filme Mad Max paira gigantesca sobre o planeta. Roteiros de pós-apocalipse são vendidos em farmácias e bocadas de engenharia clandestina, aquela que constrói bunkers e túneis em presídios e desertos e cavernas inesperadas. Sombra de Mad Max. A impossível consciência geral de sobrevivência passando por cima das diferenças, interesses e pretensões de progresso e desenvolvimento econômico dos países visando um propósito lindo de reverter o processo de aquecimento planetário, de mostrar serviço no que diz respeito a nossa capacidade de modificação dos materiais, de recriação da tal Natureza, de escancarar nosso poder artificialista de invenção de ambientes, de gadgets, de máquinas e artefatos que geram catástrofe e conforto mas que estão pendendo demais prum lado só, do desconforto encurralando perspectivas sociais, econômicas, tecnológicas. Bem essa consciência geral não rola porque tudo é interesse fragmentário e o show de retidão ecológica que começou na Rio 92 (evento que reuniu a nata do poder político mundial e que tinha como uma das bases trocar informações, métodos e soluções para as assim chamadas megacidades com mais de cinco milhões de habitantes principalmente no terceiro mundo e nada aconteceu de forma generalizada), passou por Kyoto em 1997 e por Paris em 2016, tem agora nova edição no Pará esvaziada pela ausência de Estados Unidos, China e Índia – três cartas fundamentais nesse poker ambiental.
A real é que ninguém decide nada por razões de competição tecnológica, política de tecnologias, melhor dizendo, visando hegemonias, domínios e transformação de certos territórios em focos de experimentação sustentável gerando moeda de troca, ou melhor, chantagem – você me dá isso e eu te forneço alguma solução tecnológica pro seu problema ambiental já que você está morrendo muito rápido. Mais do que nunca o mundo será um quintal de próteses superpostas, as ditas sustentáveis e as fósseis e mais algumas que estão na barriga dos grandes laboratórios de empresas fomentadoras da vida/morte no mundo. A China é o grande exemplo. Verdadeira disneylândia da sustentabilidade, da poluição, do consumo e da vigilância. O país frankenstein com seu regime de liberdade de consumo e empreendimento e tara por inovações tecnotrônicas invadindo as vidas, imergindo os chineses numa montanha russa (opa), numa vertigem de surpresas robóticas, virtuais, surpresas de simbiose suculenta com as maquininhas. Meio gente meio interface. Ainda não tem a liderança absoluta (Estados Unidos não acabam nunca), mas deve obtê-la em pouco tempo segundo estimativas por aí. Vertigem climática emoldurando outras vertigens sociais, geológicas, marítimas, psíquicas, genéticas…
Milenarismo, natureza privatizada como commodity do apocalipse, vai acabar, então deixa comigo, diz algum lobby de empresas, e tome propaganda visando não uma solução mundial, mas particular, o famoso “vender dificuldades para obter facilidades". A rapina da sustentabilidade, como em qualquer negócio, vai começar a surgir logo logo. Máfias da sobrevivência, terroristas biológicos de comandos plasmados com política oficial contaminando com substâncias neurológicas biscoitos, comida vegana, comida em geral, conseguindo criar marionetes mentais por pelo menos algumas horas obedecendo num vodu temporário ordenações criminosas. Cenários de filme B. Brumadinho walking dead? Mariana zumbilândia? Monstros do pântano Braskem em Maceió? Criaturas extravagantes surgirão numa reação genética imprevisível e inédita a toda essa situação aquecida? Dos incêndios surgirão escorpiões, baratas, insetos fênix bombados por uma fuligem extraordinária? Dos degelos rapaziada mamute, neandertal, dentes de sabre, vírus e bactérias cujas potências não sabemos vão boiar numa boa? Fora vulcões e terremotos e tsunamis redesenhando a geografia. Etna, Vesúvio, Pinatubo, Krakatoa rugindo de novo? Som, fúria e fumaça cobrindo o planeta? Operadoras da sobrevivência vão surgir. Qual o seu plano? Dá direito a que tipo de sobrevivência? De certa maneira já é assim, mas vai ser incrementado com força. O de sempre.
Avanço, progresso tecnológico, não tem a ver com progresso moral como nossa herança positivista ainda grita. Conforto, velocidade e portabilidade, simbiose com interfaces é o que rola. Temperamentos, instintos, devidamente condicionados e descondicionados e condicionados de novo, impulsos gregários e anti sociais, esses não mudam, apenas sofrem mutações nas épocas. Não existe ser evoluído porque evolução não é progresso e sim mutação. Você pode inclusive evoluir para o óbito. No máximo uma razoável combinação ética com focinheiras civilizatórias, domesticações, pactos comunitários, leis reguladoras e motivadoras, mas o caudaloso rio das fúrias e pulsações não humanas continua correndo debaixo de toda tentativa de refinamento civilizado. Toda hora os diques sociais internalizados são rompidos e o grito escancara o mito do desamparo, da raiva, da tristeza e do medo, sentimentos primordiais do primata demiurgo que somos. Por isso desentendimentos, interesses, visões distorcidas ou muito diferentes, mesquinharias, senso de guerra e principalmente a volúpia dos negócios, das ambiguidades, contradições e paradoxos que mandam no mundo dos humanos impedem a tal consciência linda, fofa, originária, hiper comunitária e holística: porque não é do nosso feitio desde há muito. A Amazônia, o mundo em geral, a paisagem territorial, atmosférica, geológica, oceanográfica tem que ser encarada como uma aparelhagem passível de monetização. Natureza (seja lá o que for isso) tem que dar dinheiro, sustentável, mas dinheiro. Aparelhagem científica me lembrando da frase do poeta inglês William Blake, um dos provérbios no livro Casamento do Céu e do Inferno: “Onde o ser humano não está, a natureza não vinga“. A Natureza (seja lá o que for isso) se torna um hiperacontecimento via engenharia humana. Frase alucinante, mas que toca nos nossos corações e fígados e cérebros prometeicos, positivistas que se acham portadores da luz tecnológica rumo a um destino maravilhoso, perturbador, mas maravilhoso.
Outro detalhe é o nome do evento em Belém - COP, que quer dizer Conferência das Partes da Convenção. O nome já prenuncia falta de consenso. Partes. Cop em inglês é policial de rua, e não tem com não lembrar de Robocop, o filme clássico de Paul Verhoeven da década de oitenta que teve algumas reedições, inclusive com uma versão do brasileiro Zé Padilha, diretor de Tropa de Elite, e que tem uma sequência sensacional do policial híbrido de máquina e consciência humana enfrentando bandidos ao som da música Hocus Pocus do grupo de rock progressivo Focus. Mas o que interessa é que o planeta está ficando como o policial detonado que precisa ser tecnologicamente, cientificamente, empresarialmente reaproveitado (o corpo foi embora, mas a mente ficou) sendo transformado definitivamente numa mistura de Natureza (seja lá o que for isso) e Grande Prótese humana. A conferência deveria se chamar Robocop 30.






