TRADUÇÃO | Ida Vitale 30/11/2023 - 15:55
Uma mulher e outros poemas
tradução de Ana Carolina Freitag
Una Mujer
DURÓ largas horas convulsas
el trabajo de parto,
entre inútiles gestos ajenos
y gemidos y ruegos.
Una niña, la primera, nació.
Bordó, bordó, bordó la tela blanca,
con diminutos puntos de colores,
llenos de la alegría que ella sólo imagina.
La dolorida espalda se deforma,
los ojos ya no ven el horizonte,
sólo el obsesivo dibujo.
Al fin, concluye el quechquemitil.
Planta y arranca y desgrana,muele,
pica y revuelve,
se le arrebata el rostro,
cubren las manos cicatrices claras.
Su pelo se entresija, ya sin color
ni brillo, y sus carnes se vencen.
A veces sueña (¿qué?)
a veces piensa (¿acaso?),
casi nunca recuerda.
Es una región pronta
para acoger la muerta,
el día exacto,
como a oveja que se perdió en la noche.
(Reducción del Infinito, 2002)
Uma mulher
Durou várias horas convulsas
o trabalho de parto,
entre inúteis gestos alheios
e gemidos e preces.
Uma menina, a primeira, nasceu.
Bordou, bordou, bordou o tecido branco,
com diminutos pontos coloridos,
cheios da alegria que ela apenas imaginava.
As costas doloridas se deformam,
os olhos já não veem o horizonte,
apenas o desenho obsessivo.
Finalmente, conclui o quechquemitil.
Planta e arranca e debulha, mói,
pica e mexe,
arranca-lhe o rosto,
cobrem-lhe as mãos cicatrizes claras.
Seu cabelo se enfraquece, já sem cor
nem brilho, e suas carnes são vencidas
Às vezes sonha (o quê?)
Às vezes pensa (acaso?)
quase nunca recorda.
É uma região pronta
para acolher a morta,
o dia exato,
como a ovelha que se perdeu na noite.
Armas
para Joyce,
las permitidas eran
silencio, exilio, astucia.
Asumir lo negado
tejer con hilos residuales,
la doblez, silenciarla:
puentes sobre la zanja
de la triste cautela.
Siempre apartarse,
cavar callada madriguera,
aunque algún pie, al tropezar en ella,
deshaga las defensas.
Magia sobre las ruinas
como anillo secreto.
El silencio, el exilio:
astucias negativas.
Pero que el silencio
sólo se adscriba a la palabra.
¿Cómo pensar su filo
aplicado a la música?
(Mella y Criba, 2010)
Armas
para Joyce,
Eram permitidos
silêncio, exílio, astúcia.
Assumir o negado
tecer com fios residuais,
a duplicidade, silenciá-la:
sobre o córrego pontes
da triste cautela.
Se afastar sempre,
Cavar calada sepultura
mesmo que algum pé, ao tropeçar nela,
desfaça as defesas.
Magia sobre as ruínas
como anel secreto.
O silêncio, o exílio:
astúcias negativas.
Mas que o silêncio
apenas se atribua à palavra.
Como pensar no corte
aplicado à música?
Amar a un conejo
Te dieron un conejo.
Te dejaron amarlo
sin haberte explicado
que es inútil amar
lo que te ignora
(Mella y Criba, 2010)
Amar um coelho
Te deram um coelho
Te deixaram amá-lo
sem ter te explicado
que é inútil amar
o que te ignora
Cegar la luz
Desagradezco días degradados.
Amanecimos mal, el día y yo.
Pueden llover desgracias,
aunque no sepa cuáles.
Con un cierto pavor,
ruego por menos luz,
que sábanas me cubran
y alejen la ciénaga que traga.
La aceptaré otro día
pero no hoy, hoy no.
(Mínimas de Aguanieve, 2015)
Cegar a luz
Desprezo dias degradados.
Despertamos mal, o dia e eu.
Podem chover desgraças,
mesmo que eu não saiba quais.
Com certo temor,
rogo por menos luz,
que lençóis me cubram
e afastem o lodo que devora.
Outro dia o aceitarei
mas não hoje, hoje não.
EN el árbol, el pájaro
canta a solas su miedo
de estar solo.
(Antepenúltimos, 2017)
Na árvore, o pássaro
canta sozinho seu medo
de estar só.
Ana Carolina Freitag (1996) é tradutora, professora e pesquisadora em Estudos Literários no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPR.
Ida Vitale é uma poeta, tradutora, ensaísta, professora e crítica literária uruguaia membro do movimento artístico denominado "Geração do 45" e representante da poesia "esencialista".