TRADUÇÃO | Antonio Thadeu Wojciechowski 15/05/2024 - 12:04

BEIJO DE LÍNGUA: subversão para que a língua viva

Nada mais tolo do que achar que se pode navegar de um idioma para outro capitaneando o barco ao pé da letra. E quando se fala em poesia então, não dá pé de jeito nenhum. Daí surgem termos, palavras, expressões que tentam definir essa incrível tarefa: livre-adaptação, traição, tradução, recriação, etc. Nenhuma chega tão perto quanto a SUBVERSÃO.

Antonio Thadeu Wojciechowski

 

 

Charles Baudelaire (As Flores do Mal, 1857)

 

O albatroz

Muita vez, por não ter o que fazer, marujos

Pegam um albatroz, nômade ave marinha,

Que traz um pouco de alegria aos ditos cujos

e ao navio que, sobre abismos, quebra a rotina.
 

Nem bem o põem no chão, sobre as tábuas molhadas,

O rei do azul do céu, sem graça e desengonçado,

Deixa cair suas asas que, imobilizadas,

São arrastadas tal muletas ao seu lado.

 

Que figura! Como um palhaço interagindo,

A ave divina fica muito cômica... Ei-la!

Um a aborrece pondo em seu bico um cachimbo;

Outro, por imitar um manco que coxeia!

 

Sou poeta, sou como esse príncipe do ar,

Que enfrenta a tempestade e ri da flecha a voar,

Mas com os pés no chão, em meio à plebe rude,

Também quis abrir asas e voar, mas não pude!

L’albatros

Souvent, pour s’amuser, les hommes d’équipage

Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,

Qui suivent, indolents compagnons de voyage,

Le navire glissant sur les gouffres amers.

 

A peine les ont-ils déposés sur les planches,

Que ces rois de l’azur, maladroits et honteux,

Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches

Comme des avirons traîner à côté d’eux.
 

Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!

Lui, naguère si beau, qu’il est comique et laid!

L’un agace son bec avec un brûle-gueule,

L’autre mime, en boitant, l’infirme qui volait!

 

Le Poète est semblable au prince des nuées

Qui hante la tempête et se rit de l’archer;

Exilé sur le sol au milieu des huées,

Ses ailes de géant l’empêchent de marcher.

 

**** 

 

Wislawa Szymborska

 

Alegria de escrever

Aonde vai com tanta pressa o cervo-palavra

na floresta que escrevi?

Beber da água escrita,

com as letras de seu focinho?

Por que a cabeça se ergue? Escutou algo?

Firme nas quatro patas da verossimilhança,

ele é todo ouvidos em suas orelhas sob meus dedos.

 

Silêncio – essa palavra ecoa na textura do papel,

fazendo brotar galhos-letras da palavra floresta.

Sobre a folha em branco há outras à espreita

que podem ir pelo mau caminho

formando ameaças com sílabas em riste

às quais nada escapa.

 

Em cada letra há um estoque considerável

de caçadores com o dedo no cão,

basta um pouco de ação

para cercar o cervo e armar o olho na mira.
 

Nunca esqueçam que aqui não há vida de verdade.

O preto no branco tem outras leis.

Num piscar de olhos tenho o tempo que eu quiser

e posso dividi-lo em imedíveis eternidades,

cada qual com seu chumbo grosso em pleno voo.

 

Aqui nada acontece sem meu aval.

Contra minha vontade, nem uma folha cai

e grama alguma se curva sob o casco do cervo.

 

Mas então existe um mundo

onde eu posso impor o destino?

Um tempo que obedece uma corrente de sinais?

Vidas, sob minhas ordens, sem finais?

 

Oh! Alegria de escrever!

Ó poder imortal do criador:

vingança de meus dedos por serem mortais.

Radość Pisania

Dokąd biegnie ta napisana sarna przez napisany las? Czy z napisanej wody pić, która jej pyszczek odbije jak kalka? Dlaczego łeb podnosi, czy coś słyszy? Na pożyczonych z prawdy czterech nóżkach wsparta spod moich palców uchem strzyże. Cisza – ten wyraz też szeleści po papierze i rozgarnia spowodowane słowem „ las ” gałęzie.

 

Nad białą kartką czają się do skoku litery, które mogą ułożyć się źle, zdania osaczające, przed którymi nie będzie ratunku.

 

Jest w kropli atramentu spory zapas myśliwych z przymrużonym okiem, gotowych zbiec po stromym piórze w dół, otoczyć sarnę, złożyć się do strzału.

 

Zapominają, że tu nie jest życie. Inne, czarno na białym, panują tu prawa. Okamgnienie trwać będzie tak długo, jak zechcę, pozwoli się podzielić na małe wieczności pełne wstrzymanych w locie kul. Na zawsze, jeśli każę, nic się tu nie stanie. Bez mojej woli nawet liść nie spadnie ani źdźbło się nie ugnie pod kropką kopytka.

 

Jest więc taki świat, nad którym los sprawuję niezależny? Czas, który wiążę łańcuchami znaków? Istnienie na mój rozkaz nieustanne?

Radość pisania. Możność utrwalania. Zemsta ręki śmiertelnej.

 

**** 

 

William Blake

 

O anjo

Sonhei um sonho! o que significa?
Eu era uma virgem rainha digna
E um doce anjo guardava minha vida:
Desgraça sem nexo jamais traída!

E eu chorei noite e dia
E ele enxugou meu pranto de emoção
E eu chorei dia e noite
Escondi dele o encanto do meu coração!

Então ele abriu suas asas e voou
E a manhã vermelho-rosa corou.
Sequei lágrimas e armei temores:
Dez mil escudos, lanças e tambores.

Logo meu anjo veio de novo, então,
Eu estava armada, ele voltara em vão:
Minha juventude já havia voado;
E o cabelo grisalho, em mim, pousado.

The Angel
I dreamt a dream! What can it mean?
And that I was a maiden Queen
Guarded by an Angel mild:
Witless woe was ne’er beguiled!

And I wept both night and day,
And he wiped my tears away;
And I wept both day and night,
And hid from him my heart’s delight.

So he took his wings, and fled;
Then the morn blushed rosy red.
I dried my tears, and armed my fears
With ten thousand shields and spears.

Soon my Angel came again;
I was armed, he came in vain;
For the time of youth was fled,
And grey hairs were on my head.

 

**** 

William Shakespeare

 

Soneto XVIII

Vou comparar-te a um dia de verão?
Muito mais primavera há em teu rosto.
Os ventos frios desfolham até agosto
E a beleza anuncia-se em botão!

Muita vez vem do sol um calorão,
Mas o que brilha sempre perde o posto
E vai embelezar o lado oposto,
Para cumprir a lei da Terra então.

Teu verão não termina e nem acaba,
Menos ainda a luz de teu encanto.
Mas se o chapéu da morte inclina a aba,

Meu poema imortal sirva de manto!
E se os vivos temem a despedida,
Que ouçam o meu verso a dar-te vida!

Sonnet 18

Shall I compare thee to a summer’s day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer’s lease hath all too short a date:
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimmed,
And every fair from fair sometime declines,
By chance, or nature’s changing course untrimmed:
But thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou ow’st,
Nor shall death brag thou wand’rest in his shade,
When in eternal lines to time thou grow’st,
So long as men can breathe or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee.

 

 

Antonio Thadeu Wojciechowski nasceu em Curitiba (PR),1950. Poeta, compositor, professor de literatura e especialista no ensino de artes. Publicou diversos livros, entre eles: Um Grito na Cidade Cinzenta (1977), Sangra:Cio (1980), O Corvo (1985), Perolas aos Poukos (1988), Os Catalépticos (1990), Os Bêbados Amam Demais (2011), Presença de Espíritos (2012), O Dia Que Eu Matei o Wilson Martins (2018), Poemas de Amor Ainda (2019), Os 12 Trabalhos de Hércules (2022), entre outros. Vencedor do Prêmio Itaú Cultural (2001) e Patrono da Cadeira 70 da ALIPE (Academia Literária Internacional do Rio de Janeiro).