Poemas: Louise Glück 27/10/2020 - 10:20

Camila Assad apresenta a obra e traduz quatro poemas da norte-americana Louise Glück, vencedora do Nobel de Literatura 2020

 

Após o anúncio do Prêmio Nobel de Literatura, o ato de traduzir o trabalho de Louise Glück se torna um certo fardo, ciente da minha responsabilidade em apresentá-la da melhor forma possível aos leitores brasileiros. Para esses, a leitura torna-se muitas vezes julgamento, acima da própria fruição.

Nascida em 1943, em Nova York, Glück se tornou a 16ª mulher a vencer o prêmio literário mais prestigiado do mundo. A escritora é a terceira norte-americana a receber a honraria e a primeira poeta dos Estados Unidos a ser laureada. A notícia foi uma grande surpresa. Entre as favoritas estava a canadense Anne Carson, por exemplo, com uma obra mais divulgada e aclamada na América Latina e na Europa, também poeta e ensaísta, mas de caráter mais experimental e mais ousada do que a vencedora.

Louise tem 77 anos e mais de 40 de carreira, com o primeiro livro publicado em 1968. Longe de ser uma novata, seu trabalho é consolidado e reconhecido nos Estados Unidos. Já recebeu diversos prêmios importantes, como o Pulitzer e o National Book Critics Circle, assim como a bolsa Guggenheim. No Brasil, sua obra ainda é inédita. Não temos tampouco uma antologia que reúna os seus poemas principais, o que deve acontecer nos próximos meses. Por não haver livro disponível, ela era uma desconhecida para a grande parte do público nacional, inclusive entre os escritores e poetas. O que está longe de ser um problema, pois agora não faltarão oportunidades de estar em contato com a sua produção.

Alguns colegas julgaram uma ofensa a declaração do comitê na defesa da escolha de Glück para o prêmio. A fala “sua inconfundível voz poética que, com beleza austera, torna universal a existência individual” soou como genérico e vaga para poetas e críticos. De alguma forma, há uma intenção de abafar polêmicas da parte dos organizadores, por conta da indicação controversa do austríaco Peter Handke no ano anterior.

Louise, de fato, não demonstra engajamento político, não panfleta através de sua poesia, não levanta bandeiras — o que talvez seja algo esperado do poeta contemporâneo. Seus temas são simples, tais como a infância, a passagem do tempo, a morte como consequência disso. Há um tom místico, lírico, que talvez soe um pouco ultrapassado, mas nem por isso inferior. Ela fala sobre a natureza, sobre o desejo, sobre a busca pela felicidade e há entre as estrofes uma tristeza que parece gritar, e por consequência uma busca de um local de acolhimento e pertencimento.

Seu livro de maior repercussão foi Íris Selvagem (Wild Iris), e o próprio título já entrega a suavidade e esse tom harmônico da autora. A sinopse da obra é “esta coleção de poemas incrivelmente belos abrange os reinos natural, humano e espiritual, e está unida pelos temas universais do tempo e da mortalidade”.

Wild Iris foi lançado em 1992, um ano depois da publicação de Not Me — escrito por sua conterrânea Eileen Myles, este sim um livro cheio de fúria, poemas em tons discursivos, feministas, com amplo engajamento político e vontade de mudar o mundo. Glück contenta-se em sobreviver, o que nem sempre é uma tarefa fácil para uma mulher sensível. A poeta também retoma nomes e temas greco-romanos, e faz isso com maestria. A alta intensidade emocional que joga em seus versos talvez seja o mais interessante no seu trabalho — que foi pejorativamente definido como um respiro, mas não é exatamente isso que todos nós precisamos nesse momento?

 

louise
Ilustração: DW Ribatski

 

O PODER DA FEITICEIRA

Eu nunca transformei ninguém em porco.
Alguns humanos são porcos; eu os faço
Se parecerem com porcos.

Estou cansada do teu mundo
Que permite que o exterior disfarce o interior. Os teus homens não eram maus;
Uma vida indisciplinada
fez isso com eles. Como porcos,

Sob o meu cuidado
E das minhas ajudantes,
Se tornaram mais dóceis.

Depois reverti o encanto, te mostrando a minha boa vontade
E também o meu poder. Eu vi

Que poderíamos ser felizes aqui,
Como os homens e as mulheres são
Quando suas exigências são simples. Ao mesmo tempo,

Eu previ a tua partida,
Os teus homens, com a minha ajuda, enfrentando
O mar ruidoso e agitado. Você pensa

Que algumas lágrimas me perturbam? Meu amigo,
Toda a feiticeira tem
Um coração pragmático; ninguém vê a essência que não possa
Enfrentar as limitações. Se eu apenas quisesse te abraçar

Eu poderia ter te aprisionado.

 

THE CIRCE'S POWER

I never turned anyone into a pig.
Some people are pigs; I make them
Look like pigs.

I'm sick of your world
That lets the outside disguise the inside. Your men weren't bad men;
Undisciplined life
Did that to them. As pigs,

Under the care of
Me and my ladies, they
Sweetened right up.

Then I reversed the spell, showing you my goodness
As well as my power. I saw

We could be happy here,
As men and women are
When their needs are simple. In the same breath,

I foresaw your departure,
Your men with my help braving
The crying and pounding sea. You think

A few tears upset me? My friend,
Every sorceress is
A pragmatist at heart; nobody sees essence who can't
Face limitation. If I wanted only to hold you

I could hold you prisoner.

 

De: Meadowlands (1996)

 

AS CRIANÇAS AFOGADAS

Veja, eles não têm julgamento.
Então é natural que eles se afoguem,
primeiro o gelo os engoliu
e então, durante todo o inverno, seus lenços de lã
flutuaram atrás deles enquanto afundavam
até que finalmente eles ficam quietos,
E o lago os levanta com seus múltiplas braços negros.

Mas a morte deve vir para eles de uma maneira diferente,
tão parecida com o começo,
mesmo que eles sempre tenham sido
cegos e sem peso. Por isso
o resto é sonhado, a lâmpada,
o grande cobertor branco que revestia a mesa,
os corpos deles.

E eles ainda ouvem os nomes que usaram
como iscas deslizando sobre o lago:
O que estão esperando?
Venham para casa, voltem para casa, perdidos
nas águas, azuis e permanentes.

 

THE DROWNED CHILDREN

You see, they have no judgment.
So it is natural that they should drown,
first the ice taking them in
and then, all winter, their wool scarves
floating behind them as they sink
until at last they are quiet.
And the pond lifts them in its manifold dark arms.

But death must come to them differently,
so close to the beginning.
As though they had always been
blind and weightless. Therefore
the rest is dreamed, the lamp,
the good white cloth that covered the table,
their bodies.

And yet they hear the names they used
like lures slipping over the pond:
What are you waiting for
come home, come home, lost
in the waters, blue and permanent.

 

De: Descending Figure (1980)

 

MÚSICA CELESTIAL

Tenho uma amiga que ainda acredita no céu.
Ela não é estúpida, mesmo com tudo que sabe, ela literalmente fala com Deus.
Pensa que alguém está ouvindo no céu.
Na terra ela é excepcionalmente competente,
corajosa também, pronta para enfrentar a adversidade.

Encontramos uma lagarta agoniando no chão: as formigas gananciosas rastejavam sobre ela.
Sempre fico comovida com o desastre, sempre pronta para me opor à vitalidade,
Mas também tímida, pronta para fechar os olhos;
Enquanto minha amiga foi capaz de assistir e deixar os eventos acontecerem
De acordo com a natureza. Para meu consolo, ela interveio
removendo algumas formigas do animal caído, e colocando-as no chão
do outro lado da estrada.

Minha amiga diz que eu fecho os olhos para Deus, que nada mais explica
Minha aversão à realidade. Ela diz que eu sou como uma criança que enterra a cabeça no travesseiro
Para não ver, a criança que diz para si mesma
Essa luz causa tristeza.
Minha amiga é como a mãe. Paciente, me incentivando
A acordar uma adulta como ela, uma pessoa corajosa-

Em meus sonhos, minha amiga me reprova. Estávamos caminhando
Na mesma estrada, embora agora fosse inverno;
Ela está me dizendo que quando você ama o mundo, você ouve música celestial:
Olhe para cima, ela diz. Quando eu olho para cima, nada.
Apenas nuvens, neve, um movimento branco nas árvores
Como noivas saltando para uma grande altura.
Portanto, temo por ela; a vejo
Presa numa rede lançada deliberadamente sobre a terra-

Na verdade, estávamos sentadas à beira da estrada, vendo o sol se pôr;
De vez em quando, o canto de um pássaro perfura o silêncio.
No momento, estamos tentando explicar o fato de 
Que estamos em paz com a morte e a solidão.
Minha amiga  desenha um círculo no chão; por dentro, a lagarta não se move.
Ela está sempre tentando fazer algo completo, bonito, uma imagem
Capaz de existir separada dela.
Ficamos muito quietas. É muito tranquilo sentar aqui, sem falar, a composição
consertado, a estrada escurecendo de repente, o ar
Esfriando, aqui e ali as pedras brilham e cintilam.
Esta é a quietude que ambas amamos.
O amor pela forma é um amor pelos finais.

 

CELESTIAL MUSIC

I have a friend who still believes in heaven.
Not a stupid person, yet with all she knows, she literally talks to God.
She thinks someone listens in heaven.
On earth she's unusually competent.
Brave too, able to face unpleasantness.

We found a caterpillar dying in the dirt, greedy ants crawling over it.
I'm always moved by disaster, always eager to oppose vitality
But timid also, quick to shut my eyes.
Whereas my friend was able to watch, to let events play out
According to nature. For my sake she intervened
Brushing a few ants off the torn thing, and set it down
Across the road.

My friend says I shut my eyes to God, that nothing else explains
My aversion to reality. She says I'm like the child who
Buries her head in the pillow
So as not to see, the child who tells herself
That light causes sadness-
My friend is like the mother. Patient, urging me
To wake up an adult like herself, a courageous person-

In my dreams, my friend reproaches me. We're walking
On the same road, except it's winter now;
She's telling me that when you love the world you hear celestial music:
Look up, she says. When I look up, nothing.
Only clouds, snow, a white business in the trees
Like brides leaping to a great height-
Then I'm afraid for her; I see her
Caught in a net deliberately cast over the earth-

In reality, we sit by the side of the road, watching the sun set;
From time to time, the silence pierced by a birdcall.
It's this moment we're trying to explain, the fact
That we're at ease with death, with solitude.
My friend draws a circle in the dirt; inside, the caterpillar doesn't move.
She's always trying to make something whole, something beautiful, an image
Capable of life apart from her.
We're very quiet. It's peaceful sitting here, not speaking, The composition
Fixed, the road turning suddenly dark, the air
Going cool, here and there the rocks shining and glittering-
It's this stillness we both love.
The love of form is a love of endings.

 

De: Ararat (1990)

 

PAISAGEM

1.
O sol está se pondo atrás das montanhas,
a terra está esfriando.
Um estranho amarrou seu cavalo em uma castanheira nua.
O cavalo está quieto, ele vira a cabeça de repente,
ouvindo, ao longe, o som do mar.

Eu faço minha cama para a noite aqui,
espalhando minha colcha mais pesada sobre a terra úmida.

O som do mar —
quando o cavalo vira a cabeça, eu posso ouvi-lo.

Em um caminho entre as castanheiras nuas,
um cachorrinho segue seu dono.

O cachorrinho — ele não costumava correr na frente,
esticando a guia, como se para mostrar ao seu mestre
o que ele vê lá, lá no futuro —

o futuro, o caminho, chame do que quiser.

Atrás das árvores, ao pôr do sol, é como se uma grande fogueira
estivesse queimando entre duas montanhas
de modo que a neve no precipício mais alto
parece, por um momento, estar queimando também.

Ouça: no final do caminho o homem está chamando.
Sua voz ficou muito estranha agora,
a voz de uma pessoa chamando o que não pode ver.

Repetidamente ele grita entre as castanheiras escuras.
Até que o animal responda
fracamente, de uma grande distância,
como se essa coisa que tememos
não fosse terrível.

Crepúsculo: o estranho desamarrou seu cavalo.

O som do mar —
apenas memória agora.


2.
O tempo passou, transformando tudo em gelo.
Sob o gelo, o futuro se agitou.
Se você caiu nisso, você morreu.

Foi um tempo
de espera, de ação suspensa.

Eu vivi no presente, que era
aquela parte do futuro que você podia ver.
O passado flutuou acima da minha cabeça,
como o sol e a lua, visíveis mas nunca alcançáveis.

Foi um tempo
regido por contradições, pois eu
Não sentia nada e
Estava com medo.

O inverno esvaziou as árvores, tornou a enchê-las de neve.
Porque eu não podia sentir, a neve caiu, o lago congelou.
Porque estava com medo, não me movi;
minha respiração estava branca, uma descrição do silêncio.

O tempo passou e uma parte se tornou isso.
E parte disso simplesmente evaporou;
você podia vê-lo flutuando acima das árvores brancas
formando partículas de gelo.

Durante toda a sua vida, você espera pelo momento propício.
Então, o momento propício
revela-se como uma ação realizada.

Eu observei o movimento passado, uma linha de nuvens se movendo
da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda,
dependendo do vento. Alguns dias

não havia vento. As nuvens pareciam
ficar onde estavam,
como uma pintura do mar, mais imóvel do que real.

Alguns dias, o lago era uma lâmina de vidro.
Sob o vidro, o futuro fez
sons recatados e convidativos:
você tinha que se tensionar para não ouvir.

O tempo passou; você tem que ver um pedaço disso.
Os anos levados com isso foram anos de inverno;
eles não seriam perdidos. Alguns dias

não havia nuvens, como se
as fontes do passado tivessem desaparecido. O mundo

foi alvejado, como um negativo; a luz passou
diretamente através dele. Então
a imagem desbotada.

Acima do mundo
havia apenas azul, azul em todos os lugares.


3.
No fim do outono uma garota colocou fogo
em um campo de trigo. O outono

foi muito seco; o campo
ardeu como um pavio.

Depois não sobrou nada.
Você caminha por ele, não vê nada.

Não há nada para colher, para cheirar.
Os cavalos não compreendem —

Onde está o campo, eles parecem dizer.
Como eu ou você perguntaríamos
onde está a nossa casa.

Ninguém sabe como respondê-los.
Não sobrou nada;
nos resta esperar, pelo bem do fazendeiro,
que o seguro pague.

É como perder um ano de vida.
Em que perderia um ano da tua vida?

Mais tarde regressa ao antigo local —
só restam cinzas: escuridão e vazio.

Você pensa: como pude viver aqui?

Mas era diferente,
mesmo no último verão. A terra se comportou

como se nada pudesse dar errado com ela.

Bastou um único fósforo,
Mas na hora certa — teve que ser na hora certa.

O campo ressecado, seco —
a morte já a postos
por assim dizer.


4.
Adormeci em um rio, acordei em um rio,
do meu misterioso
fracasso em morrer eu não posso dizer
nada, nem 
quem me salvou nem por que causa —

Houve um silêncio imenso.
Nenhum vento. Nenhum som humano.
O século amargo

foi encerrado,
o glorioso se foi, o duradouro se foi,

o sol gelado
persistindo como uma espécie de curiosidade, uma lembrança,
o tempo passando por trás dele —

O céu parecia muito claro,
como é no inverno,
o solo seco, não cultivado,

a luz oficial calmamente
se movendo por uma fenda no ar

digna, complacente,
dissolvendo a esperança,
subordinando imagens do futuro aos sinais de que o futuro está passando —

Acho que devo ter caído.
Quando tentei me levantar, tive que me forçar,
estando desacostumada à dor física —

Eu esqueci
quão duras são essas condições:

a terra não obsoleta
mas ainda assim, o rio frio, raso —

Do meu sono eu não me lembro
de nada. Quando eu gritei,
minha voz me acalmou inesperadamente.

No silêncio da consciência me perguntei:
por que rejeitei minha vida? E eu respondo
Die Erde überwältigt mich:
a terra me derrota.

Eu tentei ser precisa nesta descrição
no caso de outra pessoa ter me seguido. Eu posso verificar
que quando o sol se põe no inverno é
incomparavelmente bonito e a memória disso
dura muito tempo. Eu acho que isso significa que

não havia noite.
A noite estava na minha cabeça.

 

LANDSCAPE

1.
The sun is setting behind the mountains,
the earth is cooling.
A stranger has tied his horse to a bare chestnut tree.
The horse is quiet-he turns his head suddenly,
hearing, in the distance, the sound of the sea.

I make my bed for the night here,
spreading my heaviest quilt over the damp earth.

The sound of the sea—
when the horse turns its head, I can hear it.

On a path through the bare chestnut trees,
a little dog trails its master.

The little dog-didn't he used to rush ahead,
straining the leash, as though to show his master
what he sees there, there in the future—

the future, the path, call it what you will.

Behind the trees, at sunset, it is as though a great fire
is burning between two mountains
so that the snow on the highest precipice
seems, for a moment, to be burning also.

Listen: at the path's end the man is calling out.
His voice has become very strange now,
the voice of a person calling to what he can't see.

Over and over he calls out among the dark chestnut trees.
Until the animal responds
faintly, from a great distance,
as though this thing we fear
were not terrible.

Twilight: the stranger has untied his horse.

The sound of the sea—
just memory now.


2.
Time passed, turning everything to ice.
Under the ice, the future stirred.
If you fell into it, you died.

It was a time
of waiting, of suspended action.

I lived in the present, which was
that part of the future you could see.
The past floated above my head,
like the sun and moon, visible but never reachable.

It was a time
governed by contradictions, as in
I felt nothing and
I was afraid.

Winter emptied the trees, filled them again with snow.
Because I couldn't feel, snow fell, the lake froze over.
Because I was afraid, I didn't move;
my breath was white, a description of silence.

Time passed, and some of it became this.
And some of it simply evaporated;
you could see it float above the white trees
forming particles of ice.

All your life, you wait for the propitious time.
Then the propitious time
reveals itself as action taken.

I watched the past move, a line of clouds moving
from left to right or right to left,
depending on the wind. Some days

there was no wind. The clouds seemed
to stay where they were,
like a painting of the sea, more still than real.

Some days the lake was a sheet of glass.
Under the glass, the future made
demure, inviting sounds:
you had to tense yourself so as not to listen.

Time passed; you got to see a piece of it.
The years it took with it were years of winter;
they would not be missed. Some days

there were no clouds, as though
the sources of the past had vanished. The world

was bleached, like a negative; the light passed
directly through it. Then
the image faded.

Above the world
there was only blue, blue everywhere.


3.
In late autumn a young girl set fire to a field
of wheat. The autumn

had been very dry; the field
went up like tinder.

Afterward there was nothing left.
You walk through it, you see nothing.

There's nothing to pick up, to smell.
The horses don't understand it-

Where is the field, they seem to say.
The way you and I would say
where is home.

No one knows how to answer them.
There is nothing left;
you have to hope, for the farmer's sake,
the insurance will pay.

It is like losing a year of your life.
To what would you lose a year of your life?

Afterward, you go back to the old place—
all that remains is char: blackness and emptiness.

You think: how could I live here?

But it was different then,
even last summer. The earth behaved

as though nothing could go wrong with it.

One match was all it took.
But at the right time-it had to be the right time.

The field parched, dry—
the deadness in place already
so to speak.


4.
I fell asleep in a river, I woke in a river,
of my mysterious
failure to die I can tell you
nothing, neither
who saved me nor for what cause—

There was immense silence.
No wind. No human sound.
The bitter century

was ended,
the glorious gone, the abiding gone,

the cold sun
persisting as a kind of curiosity, a memento,
time streaming behind it—

The sky seemed very clear,
as it is in winter,
the soil dry, uncultivated,

the official light calmly
moving through a slot in air

dignified, complacent,
dissolving hope,
subordinating images of the future to signs of the future's passing—

I think I must have fallen.
When I tried to stand, I had to force myself,
being unused to physical pain—

I had forgotten
how harsh these conditions are:

the earth not obsolete
but still, the river cold, shallow—

Of my sleep, I remember
nothing. When I cried out,
my voice soothed me unexpectedly.

In the silence of consciousness I asked myself:
why did I reject my life? And I answer
Die Erde überwältigt mich:
the earth defeats me.

I have tried to be accurate in this description
in case someone else should follow me. I can verify
that when the sun sets in winter it is
incomparably beautiful and the memory of it
lasts a long time. I think this means

there was no night.
The night was in my head.

 

De: Averno (2006)

 

CAMILA ASSAD nasceu em 1988, em Presidente Prudente, e estudou Arquitetura e Urbanismo. É autora dos livros de poesia Cumulonimbus (2016), Eu Não Consigo Parar de Morrer (2019) e Desterro (2019), que foi contemplado pelo Proac / SP.