POESIA | Mariana Marino 30/01/2023 - 16:06

Atravessou a pé os Andes

 


pensando em Simone e Ricardo

 

Atravessou a pé os Andes

para me encontrar,

foi o que dois

olhos brilhantes me contaram.

 

Acredito em histórias de amor.

 

Apesar dos vulcões,

das avalanches de neve

e lodo,

 

da imensa altitude das cadeias

montanhosas.

 

Acreditei,

como acredita uma criança

no coração de seus pais.


*

 

Dar no pé

 

quando o objeto de estudo se afasta da vida

quando um crítico sugere a supressão da primeira pessoa do singular

quando o médico pacientemente relata a invenção da dor

quando tentam pegar a veia mais que duas vezes, sem sucesso

quando disserem “nunca ninguém vai te amar como eu te amo”

quando te colocarem sozinha numa sala de exame com uma agulha grossa enfiada no braço

quando concluírem que finalmente você está preparada para perder

parte do intestino

um pulmão

a memória de sua própria mãe.

 

*

 

Aprender com os pés

 

para Ceci

 

Colocando-se agora em pé

como alguns mamíferos

que, como você, aprendem

a importância de aterrar,

é possível descobrir que:


pequenos seres dividem o mesmo

espaço com nossas plantas

do pé;

segurar nas mãos de quem se ama

garante um bom equilíbrio;

saltar entre diferentes tipos de

solo pode ser melhor que avançar com cuidado;

deslizar pelo piso molhado só é vantajoso

se as galochas forem bem coloridas;

como os macacos,

é preciso erguer-se para a fuga, a conversa,

o abraço.

 

 


Mariana Marino é pesquisadora, escritora, revisora e tradutora. Natural do interior de São Paulo, vive em Curitiba há 20 anos. Teve poemas publicados em veículos como Revista Zunái, Totem e Pagu, Literatura e Fechadura, Ruído Manifesto e Arvoressências. Lançou os livros Peito Aberto Até a Garganta (Urutau, 2020) e Não Sei Quem Colocará as Mãos em Mim (Kotter, 2022). Os poemas apresentados nesta edição do Cândido fazem parte de uma investigação da autora sobre os pés, que sucede uma série inspirada nas mãos.