Um Escritor na Biblioteca | Silviano Santiago

Silviano Santiago

 

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O escritor Luís Henrique Pellanda mediou a conversa com Silviano Santiago

 

 

Aos 80 anos — completados no último mês de setembro —, Silviano Santiago segue como um nome essencial da literatura brasileira. Após o premiado Mil rosas roubadas, romance de 2014 em que narrou a íntima e conflituosa relação que tinha com o produtor musical Ezequiel Neves, o escritor volta ao formato híbrido que o consagrou com Machado, seu mais recente trabalho. O livro, como o título sugere, tem como foco Machado de Assis. Mais precisamente os últimos quatro anos vida do autor de Memórias póstumas de Brás Cubas, período em que, segundo Santiago, Machado “sobrevive” à morte da esposa Carolina.

“É um misto de biografia e autobiografia”,explica o autor, que foi o convidado de setembro do projeto “Um Escritor na Biblioteca”, realizado pela Biblioteca Pública do Paraná. Durante o bate-papo, mediado pelo jornalista e escritor Luís Henrique Pellanda, Santiago ainda falou sobre seus anos de formação,quando teve na figura do intelectual Jacques do Prado Brandão uma espécie de“guru”. “Os três primeiros livros que ele me passou foram definitivos para mim”,diz ao se referir às obras ABC da literatura,de Ezra Pound, Páginas de doutrina estética, de Fernando Pessoa, e Os moedeiros falsos, de André Gide.


O escritor ainda falou de suas andanças pelo mundo, sua ligação com o cinema e as artes plásticas e de Grande sertão: veredas, livro que lhe rendeu um ensaio ainda inédito.

Entrada na literatura

 

 

 

No início da minha carreira, tive a sorte extraordinária de fazer parte de um clube de cinema, o CEC [Centro  de Estudos Cinematográficos]. Mas aí,em algum momento por volta dos meus15 ou 16 anos, me cansei da imagem —minha mente era muito trabalhada pela imagem como narrativa — e me interessei em saber mais sobre a palavra enquanto narrativa, enquanto forma de conhecimento filosófico, dramatização da vida, dos problemas do indivíduo, etc.No CEC, um amigo mais velho, Jacques do Prado Brandão (1924-2007), intelectual de primeiríssimo nível, começou a me indicar livros. Abro um parêntesis,o Jacques fazia parte da Geração Edifício.Dela também faziam parte o historiador Francisco Iglésias, o romancista Autran Dourado, o crítico de teatro Sábato Magaldi, entre outros. Os três primeiros livros que ele me passou foram definitivos. Uma loucura. Com 15ou 16 anos ele me indicou o ABC da literatura,do Ezra Pound. Estou falando de 1953 — só 20 anos depois o Augusto de Campos iria traduzi-lo e o livro se tornaria a bíblia dos poetas concretos. O outro foi um livro de ensaios do Fernando Pessoa, chamado Páginas de doutrina estética. Lá estava a célebre carta a Adolfo Casais Monteiro em que ele explica os heterônimos que usa. E o terceiro foi Os moedeiros falsos, de André Gide. O Jacques do Prado Brandão estabeleceu um patamar muito alto para mim, mas isso foi legal porque eu já entrei na literatura nesse patamar alto. Chamaria esse processo de aproximação anárquica da literatura.Jacques tirava os livros da biblioteca aleatoriamente e ia me entregando.

Curso de Letras
Três ou quatro anos depois, num segundo momento, eu entro para a faculdade de Letras, onde recebo dos professo resuma visão acadêmica da literatura.Quer dizer, saí daquela loucura — um livro de Pound, um livro de Gide, um livro de Pessoa — e, de repente, entrava na sala de aula e era “nós vamos estudar literatura brasileira”, “vamos estudar os franceses”, “os espanhóis”. Até então eu só tinha lido bons livros, e de repente sou obrigado a ler livros ruins, o que também foi fascinante. Lembro-me de um grande professor, José Carlos Lisboa, que teve que dar um semestre sobre teatro espanhol romântico. Não existe uma peça do teatro espanhol romântico que valha apena, mesmo assim o curso foi interessante.Via que aquilo que eu estava lendo era outra coisa, era outro universo, onde a boa qualidade literária não era o forte.O ótimo e o péssimo conviviam.

Insuficiência da imagem
Sempre li revistas de cinema e boas críticas publicadas em jornal. Na época do CEC havia revistas de muitobom nível: Sight and Sound (inglesa),Cinema Nuovo (italiana), posteriormente a Cahiers du Cinéma, que se tornou muito conhecida por causa do cinema de autor, etc. Mas comecei a sentir certa insuficiência na minha formação intelectual que, na falta de outra palavra,eu chamaria de filosófica. Queria refletir com a ajuda da palavra. O porquê eu não sei. Queria refletir não mais com a ajuda da imagem, o que fazia direitinho.Surgiu isto na minha vida: uma espécie de rejeição da imagem. Eu queria dar um salto para a palavra, mas não tinha como. Alguém tinha de ser meu mentor.E tive muita sorte de ter encontrado o Jacques do Prado, de quem falei há pouco, que me deu uma visão totalmente anárquica de literatura, que misturava tudo, passado, presente e futuro,novos autores, vanguarda, autores clássicos,nacionais e estrangeiros, etc. Nada de selecionar por nacionalidade e estilo de época os livros a ler.

Outros autores
A experiência anárquica de leitura possibilitou que eu tivesse uma compreensão multidisciplinar da cultura. Li muito Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, autores que, se eu tivesse uma visão meramente acadêmica, não teria lido,porque não se recomendavam esses autores a alunos de Letras. O máximo era ler Antonio Candido, mas aí já é história da literatura. Então fui abrindo os horizontes, conhecendo também um pouco de sociologia, de filosofia francesa, de antropologia norte-americana, etc.

 

 

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Artes plásticas

 

Conheci a França de 1962, que pouco tem a ver com a França de 1968.Em 1962, só havia a Universidade de Paris e a Biblioteca Nacional. Mas minha melhor experiência cultural em Paris não tem a ver com livro, tem a ver com uma instituição que não existia no Brasil, em particular na província mineira:o museu de arte. Uma total novidade para quem conhecia as artes em reprodução, nos livros da editora Skira e nos de André Malraux. Se eu gosto de artes plásticas é por causa de Paris, do Louvre, do Jeu de Paume, do Museu de Arte Moderna, etc.

Machado
Acabei de entregar para a Companhia das Letras o meu mais recente romance, sobre os quatro últimos anos da vida de Machado de Assis. Machado perde a esposa Carolina. Sobrevive a ela.Mas o romance é algo mais amplo. Não consigo trabalhar de maneira simples. É um defeito e uma qualidade que tenho.Esse novo livro, que se chama Machado,é um misto de biografia, autobiografia,ensaio e colagem de pesquisador. Nesse caso, não há possibilidade de você escrever sem que o narrador participe e seja, também personagem e leitor, exatamente como numa autobiografia.

Coincidências
A sobrevivência de Machado a Carolina é fascinante e me foi dada de presente pelo acaso. Vejam que Machado morre no dia 29 de setembro [de1908], e eu nasço no dia 29 de setembro[de 1936]. Acredito que essas construções do acaso, quando aparecem, fertilizam meu trabalho futuro, elas me incitam.Antes de Machado, eu também trabalhava a questão da sobrevivência.De repente, lembrei os seis meses de agonia do Ezequiel Neves em um hospital do Rio de Janeiro. Aqueles seis meses de agonia me fascinaram e me levaram a escrever Mil rosas roubadas.Adoro tudo o que o acaso me diz. Talvez esta seja a grande diferença da biografia convencional para o tipo de trabalho que faço.

Pesquisa
O romance Em liberdade trata dos dois meses e meio da vida de Graciliano Ramos, após o escritor sair da prisão do Estado Novo. Ele nunca narrou o período.Saía da prisão e experimentava a liberdade no Rio de Janeiro, longe da família e vivendo de favor na casa de José Lins do Rego. Já imaginou Graciliano Ramos vivendo de favor na casa de José Lins do Rego? Barra pesada. Escrevo um diário falso do Graciliano, mas, por outro lado,muito verdadeiro, porque sou obsessivo,compulsivo, vou atrás e levanto tudo que você pode imaginar a respeito do período e do personagem que estou narrando. No caso do Machado, pesquisei tudo sobre esses últimos quatro anos da vida dele. Em particular, um fato de que pouco se fala —a epilepsia do escritor. Por conta disso, falo das relações dele com o doutor Miguel Couto, que não são muito conhecidas, e retomo seu relacionamento com o filho de José de Alencar, Mário. Como pano de fundo, Gustave Flaubert, outro epiléptico.

Correspondência de Machado
Trabalho com material que até agora foi pouco explorado, que é a correspondência de Machado. Em particular a correspondência dele com o filho de José de Alencar. O Mário de Alencar era neto de Thomas Cochrane, o introdutor da homeopatia no Brasil, autor de dois grandes volumes sobre a medicina homeopática. Nas cartas, Mário escreveria, por exemplo: “o seu problema,Machado, é mais de estômago; em lugar de tomar esses e outros remédios alopáticos, que vão te fazer mal, tome Nux Vomica”. Para falar da epilepsia de Machado, vou consultar um semanário extraordinário do fim de século brasileiro, O Brasil médico. O já citado Miguel Couto fazia parte do comitê de redação.É a partir desse gênero de pesquisa que construo as tramas dos meus romances.

Fan fiction
Parece que os jovens estão trabalhando muito com um gênero chamado fan fiction. É gozado, porque eu fiz sem querer fazer fan fiction com Graciliano Ramos. Conhecia bastante a obra de Graciliano Ramos e havia um período da vida dele que ele nunca trata. Refiro-me aos dois meses e quinze dias em que, primeiramente, ele fica de favor na casa de José Luis do Rego. Zé Lins era de direita, amigo de Getúlio, era uma situação complicada. Em seguida, vai com a esposa para uma pensão no Catete e trazem os quatro filhos. Os pais e os quatro filhos em dois quartos de pensão. O período em que esteve na cadeia,ele descreveu maravilhosamente bem em Memórias do cárcere. Mas o que me interessa é a crise que enfrenta depois de sair da prisão. Ou seja, a crise de você reencontrar a liberdade em condições que são muito mais de prisioneiro do que propriamente de homem livre.Isso me fascina. Bolo o livro e começo a escrever. Como sempre, há uma relação estreita com minha própria vida. O romance tem a ver com o fato de um irmão meu, que era do Partido Comunista,ter sido preso e torturado.

Mil rosas roubadas
A primeira frase do livro é de uma enorme arrogância: “Perdi meu biógrafo”. Arrogante porque eu me julgava muito mais importante que o Ezequiel [Neves,produtor musical, amigo e personagem de Mil rosas roubadas]. Achava que ele tinha nascido para ser meu biógrafo, porque ele sabia tudo de mim. E é verdade. Quando ele morreu, senti que ninguém mais me conheceria bem. Nenhum irmão meu, ou outro parente, me conhece como ele me conhecia. É gozado isso, quando você perde um grande amigo, também perde sua vida, porque ninguém mais é capaz de narrá-la. O livro começa de uma maneira muito presunçosa e vai terminando pelo contrário: como ele não pôde ser meubiógrafo, tenho de ser o nosso biógrafo.Não sei se você reparou que a partirde determinado momento o pronome “nosso” toma conta da narrativa. Duas figuras isoladas se tornam uma só persona,não há mais a distinção entre biógrafo de um e de outro. O que há é atentativa de narrar uma única história.Uma história única que perdeu o autorsingular. Compete ao sobrevivente narrá-la. Compete-me narrar a nossa biografia/autobiografia.

 
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Ezequiel e Silviano
Uma das características de Mil rosas roubadas é que ele narra duas experiências muito distintas. Dou exemplo. Eu sempre tive um salário no final do mês.Era professor. O Ezequiel, se não ganhasse o dinheiro no dia a dia, não tinha um tostão. Nos últimos anos ele viveu em um apartamento em regime de comodato.Não tinha dinheiro para pagar o aluguel. Eu sempre tive. Coisas assim.

Academia vs. ficção
Acho que meu trabalho acadêmico,ou de crítico, não interfere na minha ficção. Ele a auxilia, e muito,porque, já disse, tive a sorte de ter duas diferentes visões do livro e da literatura,uma bastante anárquica e outra,acadêmica e racional. Na minha própria formação intelectual está a resposta ao problema. O anárquico me conduz para ser criador e o acadêmico, para ser crítico.Entre um e outro, fico com os dois. A partir dessa constatação é que eu descobri,não sei como, que essas duas aproximações do literário poderiam se combinar.

Multidisciplinaridade
Tive a sorte de viver os anos 1970,em que a multidisciplinaridade era regra.Então, tenho noções razoáveis de [Jacques] Lacan, de filosofia, [Jacques] Derrida, de história do pensamento, [Michel]Foucault, etc. Eu diria que essa expansão da prática pela teoria, essa fertilização,enriquece muito a maioria da boa produção literária ou artística. Por exemplo, gosto muito de Adriana Varejão,já escrevi sobre ela. A Adriana é impressionante,tem um conhecimento da história do Brasil fantástico. Sem aquele conhecimento de história do Brasil e sem um questionamento atual da questão da antropofagia, ela não teria feito seu trabalho. Hoje a relação entre culturas metropolitanas e periféricas pode se manifestar pelo afeto, não precisa ser mais de dominador, dominado.Você pode observar isso no magnífico trabalho em “azulejo” (pintado) que ela faz. Aquilo que os dominados tanto odiavam, a arte portuguesa do azulejo,é o forte duma longa fase da obra de Adriana. As telas são montadas com azulejos “pintados”. Refiro-me à série das saunas, ou ainda às telas com mulheres indígenas. Toda imagem fascinante é feita com azulejo pintado, fake,mas que não é fake porque é uma profunda manifestação de afeto da pintor apela cultura portuguesa.

A máquina de Drummond
Em um dos primeiros artigos que escrevi, datado de 1964, quis questionar um pouco a estreiteza da visão antropófaga.O modernista Drummond era leitor de Camões. E isso se manifesta no poema “A máquina do mundo”. Drummond ficou furioso comigo. Escreveu um poema irônico que começa assim:“Cammond & Drumões: Sant’Iago! /que eu nunca v/ira os 2 juntos”, e por aí vai. O poema é dedicado a mim e hoje está nas Obras completas. Ousei dizer que ele tinha lido Os lusíadas e aproveitado a belíssima imagem da máquina do mundo (canto 9) para escrever o mais mineiro dos seus poemas. É um poema de uma beleza extraordinária —20 anos depois o Haroldo de Campos vai escrever um ensaio sobre o tema. Se o escritor não extrapola os limites, acaba não fazendo uma coisa que possa ganhar um significado maior.

Vivi para contar
A respeito do que vivi, acho que tudo está resumido em três anos da minha vida: de 1960 a 1962. Três anos que me foram dados de presente pelo acaso.Em 1960, saio de Belo Horizonte e vou morar no Rio. Em 1961, saio do Rio e vou morar em Paris. Em 1962, saio de Paris e vou morar em Albuquerque, Novo México, Estados Unidos. Vivi sucessivamente três situações históricas extraordinárias.A primeira, no Rio, me levou a participar da emergência do populismo que desemboca em Jango. Vou para Paris e sou testemunha dum acontecimento extraordinário, que é a guerra da Argélia. O fim da colonização francesa na África. Vou ensinar nos Estados Unidos e estou convivendo com os norte-americanos que sofrem as mortes sucessivas das grandes figuras políticas. Eu estava dando aula quando [Jonh F.] Kennedy foi assassinado.Tudo parou no campus. Depois,vieram vários outros assassinatos, entre eles o do Martin Luther King. Mas essas experiências foram tão extra ordinárias e fortes que, ao mesmo tempo, me infantilizaram.Inexperiente, solitário na maioria das vezes, não tive tempo de amadurecer esses fatos na cabeça. Acho que essa é a razão pela qual eu não sou político. Não amadureci essas três experiências. Fui observador de três fatos extraordinários que afetaram o mundo e a mim.

Política
Como disse, não sou político. Mas não tenho medo de compromisso. As coisas que eu fiz, assumo e não tenho medo.Mas a minha palavra política não tem efeito, porque não é palavra de palanque.Minha palavra política está nos meus livros.Acabo de publicar um artigo. Não sei se vocês conhecem a Revista Casa delas Américas, de Cuba. Acaba de ser publicado um ensaio meu lá. Não sobre o Brasil, mas sobre essas questões amplas de globalização, nacionalismo, paz, etc.Sou muito a favor das relações afetuosas.As relações humanas têm que ser mais afetuosas. Acho importante, como forma de crescimento, maturidade civilizacional,cultural. Acho que a teoria da antropofagia foi muito boa. Eu mesmo usei-a num célebre texto — digo célebre porque é muito usado — “O entre-lugar do discurso latino-americano”. Mas hoje prefiro trabalhar a noção de “entre” na questão da afetividade, das relações de amizade,de amor, sexuais, do que nas relações conflitivas e destrutivas.

Grande sertão: veredas
Enquanto escrevia o romance Machado, escrevi paralelamente um ensaio sobre Guimarães Rosa e Grande sertão: veredas, que deve servir de prefácio à tradução espanhola a ser publicada pela Biblioteca Ayacucho, da Venezuela.Não é nada político. A ideia básica,acho que é nova, produto da leitura que venho fazendo do romance e da crítica no correr dos anos. Só consegui formatá-la agora. O roteiro é simples: as leituras críticas do Grande sertão: veredas tiveram uma única função, a de domesticara monstruosidade do romance. E o grande domesticador, o primeiro e mais notável, foi Antonio Candido, como célebre ensaio “O homem dos avessos”. Ele compara o romance de Rosa com o quê? Com Os sertões, de Euclides da Cunha. O que acontece? Um sertão não tem absolutamente nada a ver como outro. O sertão de Euclides da Cunha é o do agreste. O outro é o do Alto São Francisco. As veredas são os rios. As vereda sem Os sertões são feitas a facão, são picadas. E se você continua a comparação, situa Grande sertão historicamente.A passagem da monarquia para a república.E fala de barbárie e civilização, de atrasos, de desenvolvimento, o problema da República, os militares, a religião católica,etc. E o que tem Grande sertão: veredas com isso? Não tem absolutamente nada a ver. O alto São Francisco é um enclave. Repare que quem transcreve a fala de Riobaldo é um visitante. E todas as pessoas de fora que entram naquele enclave são visitantes. O que existe é um enclave bem na linha, vou tentar provar ao final, do fim do pensamento antropocêntrico [Martin Heidegger e GiorgioAgamben] e o processo de desumanização do animal [Jakob von Uextull]. É a ferocidade de Riobaldo, que está sendo escondida pela domesticação. E o que é a ferocidade? Riobaldo mata uma onça pintada e come o coração dela. É isso que vai sendo domesticado. E essa domesticação precisa ser desconstruída, para que a gente possa enxergar a beleza selvagem,que vai estar plena no conto “Meu tio o Iauaretê”, em que o falante se transforma em onça. Eu acho que esse conto é parte do universo de Grande sertão: veredas.É uma digressão do romance, por assim dizer, que foi suprimida e ganhou o estatuto de conto. É também a irascibilidade como controle político da anarquia selvagem que está sendo escondida pela domesticação do sertão de Rosa.