Reportagem | Jonatan Silva

Nosso ano literário

O Cândido mostra como será a programação de eventos, publicações e debates sobre livro e literatura neste ano em Curitiba

Jonatan Silva

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Manoela Leão, organizadora do Festival Litercultura, que em 2019 chega à nona edição com o tema “fronteiras”.

Há quem diga que Curitiba já foi mais literária. Há quem diga que Curitiba nunca foi tão literária. Fato é que na última década, com maior ou menor intensidade, a depender de fatores externos (como a conjuntura econômica), a cidade consolidou um calendário literário, com eventos, publicações e ações voltadas para o debate e a difusão da leitura.

Há 13 anos na cidade, a produtora cultural Manoela Leão, organizadora do festival Litercultura, observa que a cena local se fortalece por meio de propostas alternativas e da forma- ção de coletivos para além das ações tradicionais fomentadas pelas iniciativas privada e estatal. “De certa maneira, Curitiba se preserva com uma resposta muito boa”, comenta, “os movimentos [coletivos] estão cada vez maiores, apesar de todas as dificuldades que a gente tem visto”. Neste ano o Litercultura chega à nona edição e será realizado na Capela Santa Maria, no centro de Curitiba, no final de agosto.

A opinião é compartilhada por Alessandro Andreola, fundador da editora independente Barbante, que abriu sua primeira loja em outubro do ano passado. Segundo o editor, a vilanização da cultura perpassa pela literatura, porém está mais acentuada nas artes cênicas e plásticas. Em contrapartida, existe, de acordo com Andreola, uma dinâmica de crescimento na produção editorial que se desvincula das grandes casas editoriais. “Eu acho que, a despeito de ter outros fatores envolvidos, como facilidades relacionadas à tecnologia e aos processos de produção gráfica, isso também tem a ver com uma reação criativa ao momento em que a gente vive”, afirma.

A Biblioteca Pública do Paraná, por exemplo, segue em 2019 com uma ampla programação. O projeto Um Escritor na Biblioteca, que já contou com quase 50 convidados, terá oito encontros — Francisco Alvim, Ana Maria Machado e Sérgio Rodrigues são alguns dos autores já confirmados. As oficinas de criação literária e ilustração também serão mensais, abrangendo vários gêneros. O primeiro curso, sobre crônica, será com Luís Henrique Pellanda. E ainda no primeiro semestre, a Caravana da Leitura vai levar 25 autores a 50 cidades do interior para cursos e bate-papos. O Prêmio Paraná de Literatura chega à 6ª edição. Em 2018, foram mais de 1, 8 mil inscritos de todas as regiões do Brasil.

No plano municipal, a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) segue com projetos de formação de leitores, com oficinas nas 17 Casas da Leitura. Os projetos de incentivo à cultura, segunda Mariane Torres, responsável pela Coordenação de Literatura da FCC, contam neste ano com rodas de leitura, debates, contação de histórias, oficinas de criação literária e laboratórios de leitura, além de disponibilizar ao cidadão bibliotecas com um acervo variado.

A tradicional Semana Literária do Sesc em 2019 vai acontecer de 23 a 28 de setembro. Ainda sem nomes definidos, vai manter o formato de debates, lançamentos, sessões de autógrafos e oficinas relacionadas ao livro e ao mercado editorial.

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Uma programação especial vai celebrar os nove anos do Programa Curitiba Lê, da Fundação Cultural de Curitiba (FCC)

Autores
O desejo de ler, e também de ser lido, é o eixo norteador do mercado editorial, esteja o autor vinculado a uma editora ou seja ele próprio o responsável por bancar seu livro. Isso explica por que 2019 promete ser um ano agitado em termos de lançamentos e eventos literários. Ainda na segunda quinzena deste mês, a escritora Jaqueline Conte publica, pela Arte & Letra, o livro infantojuvenil Os jornais de Geraldine, uma fábula a respeito de uma menina que cria histórias com os nomes que encontra diariamente nos obituários.

O jornalista Marcio Renato dos Santos também prepara para março a publicação do seu oitavo livro de contos, A cor do presente. A obra, que sai pela editora Tulipas Negras, traz textos exaustivamente reescritos, marcados pelo nonsense, o irreversível da realidade e a melancolia.

Enquanto o jornalismo factual se esfarela na enxurrada de notícias falsas e “fatos alternativos”, a crônica vai muito bem. Um dos expoentes da nova geração de cronistas, o jornalista Luís Henrique Pellanda completa uma década como observador arguto da cidade. Para celebrar a data, no segundo semestre de 2019 a editora Positivo lança a antologia As melhores crônicas de Luís Henrique Pellanda (título provisório), que traz ilustrações de Raro de Oliveira.

Para Pellanda, a crônica é uma oportunidade de resistência e de leitura do outro e do mundo, uma opção ao ódio e às oportunidades de vigilância constante. “A crônica cria entre os envolvidos — o cronista, os leitores, os personagens, a cidade de forma geral — uma rede de pontes de identificação, e por essas pontes a tolerância deve ter livre acesso. Não gosto da ideia de que os leitores devam se identificar com as ideias de um cronista. Prefiro que se identifiquem com a diversidade dos personagens que ele retrata”, diz.

Na primeira metade deste ano, Yuri Al’Hanati, criador do canal literário e blog Livrada!, reúne em seu livro de estreia as crônicas que escreveu para o portal Escotilha, além de alguns textos inéditos. O livro, que sai pela editora gaúcha Dublinense, não tem título definido e terá como fio condutor a ideia de isolamento e desconexão. “Não é a solidão como foi trabalhada recentemente na literatura brasileira”, explica Yuri, “é mais uma questão de descompasso: a vontade de estar e não conseguir”. 

Ato de liberdade
Com dois livros engatilhados, Histórias vividas ou imaginadas, contos e outros resquícios e Microcontos, ambos para 2019, Júlio Damásio observa a escrita como uma chance de aproximação e diálogo. “É um convite para pensar, questionar, sonhar e viajar. A arte é um ato de resistência”, diz o escritor.

Na visão do editor Sálvio Nienkötter, da Kotter Editorial, a cultura precisa fazer parte de um projeto maior, construído por meio da educação e capaz de espalhar exemplos. Por outro lado, avalia, é preciso derrubar mitos que engessem a prá- tica cultural e impedem o exercício de uma visão crítica do todo. “Vivemos um tempo em que a educação está sob severo ataque, a história está sofrendo revisionismo e até a gravidade e a curvatura do espaço-tempo estão sob a suspeição”, comenta Sálvio, que, dentre outras iniciativas, publica em março o romance Fascinação, de Luci Collin e Flávio de Souza, e, ainda sem data definida, dois livros de poemas. O primeiro, Morre como em um vórtice de sombra, de Daniel Osiecki; o segundo, um livro póstumo de Assionara Souza, escritora que morreu em 2018.

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A Festa Literária do Medianeira (Flim) realiza neste ano a nona edição

Independentes
Na contramão da espera por uma editora, ou na impossibilidade de arcar com os custos de uma autopublicação física, o e-book independente tem ganhado voz entre escritores e leitores. Seguindo esse caminho, o autor de ficção científica Lucas Mota dá continuidade à série de contos avulsos Soundtrack, que já rendeu dois relatos: O destino de Ayra, inspirado em canções punk, e Desintegrado, cuja base é o disco Desintegration, da banda britânica The Cure. 

O terceiro volume, A terra dos homens-tigres, mistura realismo mágico às músicas de Zé Ramalho e Johnny Cash e está previsto para ser lançado neste mês. “Embora as pessoas que leem no formato digital representem 2% do leitor brasileiro, a Amazon já tem um público muito legal. Alguns autores conseguem resultados muito interessantes”, comenta, citando o caso de Thiago d’Evecque, carioca que fez de seu e-book, Limbo, um best-seller em 2015.

No entanto, há um equívoco em quem pensa que a opção pelo livro digital está restrita aos estreantes. O jornalista Luiz Cláudio Oliveira, autor de Joaquim: Dalton Trevisan (en)contra o paranismo e Punk poemas, lançou há pouco Urgente! A primeira notícia do dia, livro de poemas inspirado pelo primeiro relato jornalístico lido diariamente pelo autor. 

Se antes o “faça você mesmo” se materializava em um livro impresso no mimeógrafo, na literatura de cordel e no fanzine, hoje se transforma em bites e linguagem binária. “Escolhi publicar por conta própria, em e-book, porque não tenho editora nem dinheiro para bancar uma impressão em papel. Não é bem uma escolha, é mais uma necessidade: ou faz assim ou fica tudo na gaveta”, resume Oliveira, que tem mais dois livros — também digitais — previstos para este ano.

Inéditos
Há quem diga que o Brasil só funciona depois do carnaval. Mito ou verdade, o fato é que 2019 nem bem começou e já há promessas de um 2020 com importantes lançamentos literários. Cristovão Tezza, autor do recente A tirania do amor (2018) e do premiado O filho eterno (2007), deve lançar seu próximo romance ano que vem. Miguel Sanches Neto negocia a publicação de seu romance Inventar um avô, escrito em Portugal entre 2015 e 2016.

A curitibana radicada em São Paulo Giovana Madalosso, autora de A teta racional (2016) e Tudo pode ser roubado (2018), lança seu terceiro romance, que ainda não tem título definido, no próximo ano. Cezar Tridapalli, vencedor do Prêmio Minas Gerais de Literatura com O beijo de Schiller em 2013, prepara a publicação de seu terceiro romance, Vertigem do chão

E-books e fanzines

VERÃO DE 54 
Autor: Fabrício Mueller 
Quando: maio 
Publicado em formato digital e físico pelas editoras Artera e Appris, o livro reúne quatro novelas “bem diferentes entre si”. Um dos textos, “Conversão”, já tinha sido lançado pela Amazon, enquanto os demais relatos permanecem inéditos. 

FANZINE LEIA ESTA CANÇÃO 
Autor: Dary Júnior 
Quando: março 
Este mês o vocalista da banda Terminal Guadalupe lança a segunda edição do seu fanzine, que reúne as letras das músicas da sua nova banda, Dario Julio & Os Franciscanos, e também de seus projetos anteriores.

FANZINE OBSOLETOS 
Autores: vários 
Quando: abril 
A terceira edição do zine traz contos e poemas inéditos, a segunda parte da novela Farsa e traduções de poemas dos escritores Nicanor Parra e Marco Valério Marcial. A versão online está disponível no link: http://bit.ly/Obsoletos-Zine.

O que esperar para 2019?

HISTÓRIA DE JOIA 
Autor: Guilherme Gontijo Flores 
Quando: março/abril 
Primeiro romance do escritor e tradutor, História de Joia é um jogo de espelhos voltado também ao leitor que, por meio de fragmentos, passa a conhecer a intimidade da protagonista. A pergunta que fica é: o que uma pessoa faz ser quem ela é?

PASSARINHO ÀS OITO E POUCO 
Autor: Jaqueline Conte 
Quando: junho 
Além de Os jornais de Geraldine, a escritora publica pela editora Insight Passarinho às oito e pouco que, mesclando prosa e poesia, narra a história de um pássaro que faz visitas com hora marcada à mãe e seu filho. O livro, ilustrado por Adilson Farias, terá conteúdos extras e multimídia disponibilizados online. 

ERA O VENTO 
Autor: Carlos Machado 
Quando: primeiro semestre 
Como nos contos de Passeios ou na novela Esquina da minha rua, Era o vento debate questões de pertencimento e não-lugar, temas que são caros ao autor. Nos relatos que formam o volume, Machado coloca seu olhar sobre as várias formas de estar em trânsito e em marcha, como os governos autoritários, as guerras, a loucura e a migração. 

A VELHA CIDADE PERDIDA 
Autor: Edilson Pereira 
Quando: segundo semestre 
Autor de vários relatos policiais, o jornalista Edilson Pereira encerra a Trilogia da Cidade, formada por A garota da cidade e Ninguém mata por amor, com A velha cidade perdida, programado para sair no segundo semestre. O romance está pronto há uma década e teve um capítulo publicado na edição 87 do Cândido.

A CIDADE DE CURITIBAS 
Autor: Marcelo De Angelis 
Quando: a definir 
Morto em agosto de 2018, Marcelo De Angelis deixou uma vasta obra em múltiplas linguagens. Parte do espólio do autor é o livro de poesia A cidade de Curitibas — assim mesmo, no plural. A editora Kotter, responsável pela publicação, pretende criar um evento com os trabalhos literários — incluindo um texto em prosa —, obras gráficas e em vídeo do artista. 

TRÊS CONTOS 
Autor: Paulo Venturelli 
Quando: a definir 
Os três contos, que dão nome à obra, tratam de personagens que precisam lidar com seus destinos e os encontros e desencontros do homem contemporâneo. O que os une é o fato de que todos perderam a mãe recentemente. O livro será publicado pela Arte & Letra.

Eventos e feiras

VOX URBE 
Onde: Basement Cultural 
Quando: maio 
Tradicional sarau literário organizado pelo produtor cultural e músico Adriano Esturrilho e pelo poeta e editor Ricardo Pozzo, o Vox Urbe é um dos espaços de maior visibilidade para produção poética e música autoral em Curitiba. Neste ano, Esturillho lança o showrecital do projeto estu!subtropical, em parceria com Eugênio Fim, e autografa seu livro mais recente, 32 de dezembro, publicado no ano passado.

FESTIVAL LITERCULTURA 
Onde: Capela Santa Maria 
Quando: quarta semana de agosto 
O festival chega a sua sétima edição em 2019. O tema que permeia a programação é “fronteiras”. Segundo a organizadora, Manoela Leão, muito além das questões e dos olhares geográficos e políticos, os convidados debaterão as fronteiras simbólicas que separam os indivíduos. Já participaram do evento autores como Valter Hugo Mãe, J. M. Coetzee, Gonçalo M. Tavares, Lourenço Mutarelli e João Anzanello Carrascoza.

38º SEMANA LITERÁRIA DO SESC-PR
Onde: Praça Santos Andrade 
Quando: de 23 a 28 de setembro 
Tradicional na cidade, a Semana Literária promove debates, lançamentos, sessões de autógrafos e oficinas relacionadas ao livro e ao mercado editorial. O evento recebe escritores, tradutores e jornalistas de todo o país, que também circulam pelas cidades do interior do Paraná. Os nomes para a edição 2019 ainda não estão confirmados.

FESTA DAS LINGUAGENS DO MEDIANEIRA (FLIM) 
Onde: Colégio Medianeira 
Quando: primeira semana de novembro 
Chegando a sua 9º edição, a FLIM é um espaço de debate sobre arte, cultura, comportamento e literatura dentro da tradicional escola curitibana. Já passaram pela festa autores e artistas como Daniel Galera, Luiz Ruffato, Ignácio de Loyola Brandão, Tom Lisboa e Aly Muritiba.

SEMANA CURITIBA LÊ 
Quando: 8 a 12 de abril 
Onde: Capela Santa Maria, Solar dos Guimarães e Casas da Leitura 
Comemorando os nove anos do Programa Curitiba Lê, a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) organizou uma semana inteira com programação voltada ao público leitor e aos profissionais da área. São palestras, oficinas, rodas de leitura e diversas atividades de valorização à cultura e às bibliotecas. Os detalhes estão disponíveis no site da FCC.


Programação do Leia Mulheres

A iniciativa foi criada em 2015 e tem como objetivo a valorização do trabalho realizado por escritoras nacionais e internacionais. Os encontros são itinerantes, divulgados na página do grupo no Facebook, e acontecem geralmente no último fim de semana de cada mês.

MARÇO
Todo mundo merece morrer,
de Clarissa Wolf

ABRIL
Água funda,
de Ruth Guimarães

MAIO
Um Exu em Nova York,
de Cidinha da Silva

JUNHO
O auto da maga Josefa, de
Paola Siviero

JULHO
Luzes de emergência se
acenderão automaticamente,
de Luisa Geisler.

Crônicas

CRÔNICAS DO VARAL DA CASA AO LADO 
Autor: Luiz Andrioli 
Quando: a definir 
O escritor e jornalista Luiz Andrioli lança Crônicas do varal da casa ao lado. Viabilizado via Lei de Incentivo e publicado pela sua própria editora, a Prosa Nova, o volume reúne textos criados diante da observação da casa vizinha, em especial, do varal — que serve bem à metáfora de escrutinar a intimidade do outro. 

A ORIGEM DOS OSSOS 
Autor: Daniel Zanella 
Quando: segundo semestre 
Fundador e editor do jornal RelevO, que em 2020 completa dez anos, Daniel Zanella publica pela editora Penalux o seu primeiro livro de crônicas. O lançamento deve acontecer no segundo semestre, trazendo textos publicados no site do jornal Gazeta do Povo

CRÔNICAS DA CIDADE INVENTADA E OUTRAS PEQUENAS HISTÓRIAS 
Autor: Cristiano Castilho 
Quando: março 
O jornalista reuniu em seu primeiro livro, que será lançado pela Arte & Letra, textos que escreveu para a Gazeta do Povo entre 2010 e 2015. As crônicas, que tratam de questões como a ocupação do espaço público, manifestações culturais e reportagens do cotidiano, estão dividias em quatro eixos: “Da cidade”, “Das trocas”, “Dos olhos” e “Do Coração”.