Reportagem

Dominando o mercado editorial

Kéfera Buchammn e Pedro Rezende, fenômenos das redes sociais, são atualmente alguns dos responsáveis pelas maiores vendagens de livros no Brasil, mas o segmento deve saturar em breve, analisam especialistas


Kaype Abreu

Após o sucesso da série Harry Potter, dos títulos sobre vampiros e dos livros para colorir, agora os youtubers dominam o mercado editorial brasileiro. Pesquisa anual realizada pelo site PublishNews aponta que, em 2015, dois dos 10 livros mais vendidos foram de vlogueiros. Muito mais que cinco minutos, de Kéfera Buchmann, superou a marca de 190 mil cópias vendidas, e Eu fico loko, de Christian Figueiredo, vendeu mais de 130 mil exemplares. 

No levantamento parcial de 2016, do mesmo site, aparecem outros títulos, como Tá todo mundo mal, de Júlia “Jout Jout” Tolezano (mais de 13 mil destes livros já saíram das prateleiras e gôndolas das livrarias) e Dois mundos, um herói, de Pedro Rezende, que já vendeu quase 90 mil. A título de comparação, Todos os contos — lançamento da Rocco que reúne toda a obra do gênero de Clarice Lispector —, registra aproximadamente oito mil exemplares vendidos. 

      Renato Parada | Divulgação
da

Kéfera Buchmann é autora de Muito mais que cinco minutos, que está
entre os mais citados pelas pessoas ouvidas na pesquisa Retratos da
Leitura no Brasil, em 2016.

Pedro Rezende, 19 anos, que tem um outro livro chamado De volta ao jogo e já prepara um terceiro título, começou a fazer sucesso com um canal no Youtube falando, principalmente, sobre o Minecraft — jogo que permite a construção de mundos usando cubos e que já conquistou 10 milhões de fãs em todo o mundo. “Quando comecei a fazer as séries no Minecraft, meu pai sugeriu que eu escrevesse alguma coisa. O resultado acabou chamando a atenção de uma editora”, diz o titular do canal rezendeevil.

Cronistas da rede 

Curadora da Bamboo Editorial, Aloma Carvalho conta que ouviu falar pela primeira vez de um vlogueiro quando estava à mesa de jantar com seus dois filhos, que assistiam aos vídeos de Leonardo Bacci. Não deu outra: contatou o rapaz e propôs lançar um livro dele. “O que me impressionou foi a qualidade do texto que ele usa como base. Não perde em nada para uma crônica”, afirma. 

Aloma diz que o próprio número de assinantes do canal de Bacci aumentou após o lançamento do livro. Tinha, na época, 250 mil seguidores — hoje possui mais de 600 mil. “O livro foi um pretexto para ele estar mais próximo do público. Para esse pessoal, o livro é como um cartão de visitas”, opina. 

Já a doutoranda em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Tauna Jeffman analisa que, mais do que um cartão de visitas, o objeto livro tem o poder de legitimar um artista. “É uma plataforma que pouca gente alcança”, afirma.

O editor especialista em livro digital Ednei Procópio segue a mesma linha ao dizer que o livro é uma espécie de “selo de qualidade”. Ele sustenta que hoje o comunicador é um crossmedia — usa diversas plataformas, online ou offline. No entendimento de Procópio, quando
se trata da relação com o público e com as mídias, os escritores têm muito o que aprender com os youtubers. “Eles [os vlogueiros] estão mostrando que a conversa, o bate-papo, atrai muita gente”, diz.

O livro Bom dia Leo, de Leonardo Bacci, reforça, e confirma, essa tese. Cada exemplar possui um código que pode ser lido em um aplicativo de smartphone, dando acesso a vídeos de bastidores da produção do livro e do canal. Já Pedro Rezende, além do canal no Youtube e dos livros lançados, protagoniza a própria peça: Paraíso, o espetáculo. “É uma continuação da série de maior sucesso do meu canal”, conta Rezende.

Mais lidos 

Além de estar entre os mais vendidos do PublishNews, Muito mais que cinco minutos, de Kéfera Buchmann, faz parte da lista dos títulos mais citados pelas pessoas ouvidas na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, em 2016, realizada pelo Ibope sob encomenda do Instituto Pró-Livro.

É consenso entre os entrevistados pelo Cândido que a chamada “literatura de entretenimento” — rótulo em que se encaixariam os livros de vlogueiros, pelo seu caráter simples e de forte apelo comercial — não é novidade. “Só o Paulo Coelho formou 10 milhões de leitores”, afirma Ednei Procópio.

Para especialistas, os livros dos youtubers, assim como tantos outros títulos que fizeram parte de uma febre, como as obras sobre vampiros, podem ajudar a formar leitores. “O livro do youtuber pega um adolescente novinho, sem impor limites, e o leva para a livraria”, defende a jornalista especialista em mercado editorial Renata Frade. “É claro que sempre haverá a discussão de ‘usurpação da arte’, mas não se pode negar que há um público imenso interessado nesse conteúdo”, pondera Tauna Jeffman.

O “eu” nos livros 

A doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) Gabriela Rodella fez um estudo sobre os hábitos de leitura de 290 estudantes de 15 anos — metade em escolas públicas e a outra parte em colégios particulares. Ela percebeu que a literatura de entretenimento não é discutida em sala de aula e a obra de autores consagrados é considerada complexa. 

Gabriela também identificou que as histórias biográficas têm um apelo maior. “Teve inclusive o caso de uma menina que desistiu de ler Capitães da areia, do Jorge Amado, depois que descobriu que a história daqueles meninos de rua não era real”, conta. 
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Para a especialista, que leciona na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), isso explicaria os motivos de os livros dos youtubers, cuja maior parte tem um tom autobiográfico, fazer tanto sucesso. “Eles [os leitores jovens] se pautam na experiência de outra pessoa”, afirma. “É um modelo de comportamento”, acrescenta. 

Buscando um modelo de comportamento ou não, o fato é que esses autores revelados nas redes sociais abocanham grande fatia do mercado editorial. Na lista dos 10 mais vendidos, de acordo com o levantamento do PublishNews, três são de jovens que começaram na internet e que, basicamente, falam para jovens. 

Renata Frade defende que, hoje, quem está sustentando o mercado editorial é o público jovem. “Isso acontece há um bom tempo. Ocorreu uma renovação de público”, diz. Mas ela acredita que haverá uma saturação em breve. “Assim como já aconteceu, por exemplo, com os livros para colorir”. Para Tauna Jeffman, surgiu, sim, um novo segmento, mas só o tempo vai mostrar se ele pode se consolidar.


Pedro Rezende vendeu cerca de 200 mil exemplares 
de seus dois livros sobre Minecrafte já prepara um terceiro título.