Poemas | Ricardo Aleixo
Alheio
escolho ouvir,
sei muito bem que o risco não é pequeno, meio
adormecido no banco do
ônibus, a não ser que ela voltasse a cabeça, não
pensamos palavras,
mas a cada novo
ângulo descortinado, sempre a ponto
de cair, é
quando o sujeito retorna, escolho
não falar, não
considero prudente
falar, ela insiste,
a imagem fixa na retina,
rastros na areia, chega
um momento em que já não se pode
recuar, um garoto sonha e ri muito
alto, guardar sigilo,
uma página em branco,
falar, ela insiste,
a imagem fixa na retina,
rastros na areia, chega
um momento em que já não se pode
recuar, um garoto sonha e ri muito
alto, guardar sigilo,
uma página em branco,
animais de corpos cilíndricos,
imaginar o que há
dentro de uma árvore,
escolho olhar o fogo, ainda ontem, o todo inacabado,
dois seixos na beira do lago, falava alheio,
uma sequência de desvios, ouvia sem entender,
estou só, aqui, escrito
Qualquer voz
imaginar a voz da moça de outro dia,
caída na rua, mas ainda respirando? Coisas
postam-se entre elas mesmas, interrompidas.
Onde começa e onde termina o olhar?
Outro verbo sem presente: morrer. Eu não
disse lembrar — imaginar foi o que eu disse.
Consegue? A voz dela, alguma voz que
você nunca ouviu, qualquer voz. Antes de
alguma coisa, ali. O olhar talvez comece
antes das pálpebras se abrirem. E acaba?
Não acaba.
Ricardo Aleixo é poeta, artista visual, designer sonoro, compositor, cantor, editor e curador de eventos culturais. Publicou oito livros, entre os quais Modelos vivos (2010 — finalista dos prêmios Jabuti e Portugal Telecom em 2001) e Mundo palavreado (2013). Nasceu em Belo Horizonte (MG), onde vive.