Poemas | Luigi Ricciardi

Going down

 

Você sabe que eu não posso beber cerveja
E ouvir Elvis Presley
Fico feliz e triste ao mesmo tempo
Entro nesse turbilhão que eu mesmo crio
Viro a lamparina quando não temos energia
Aquela neblina seca nos invernos sem aquecedor
Eu me sinto esculpido
Pelas entranhas da terra
Acabo acreditando que sou o futuro prêmio Nobel
Que suspendo a morte
Pelo menos por uns minutos
Creio ser um garoto de Liverpool
No auge do experimentalismo
Musical, literário, drogal
Fico doido pra beijar as dobrinhas
Da tua virilha, das tuas axilas
Oh, Love me tender, Love me sweet
Assim eu tiro o mundo de dentro de mim
Assim eu tenho um parto orgásmico
E fodo com os buracos negros
E o espaço sideral
E entro pro lado negro da força
De repente já quero uma benzedrina
Abandono o Elvis e os Beatles
Quero ouvir um jazz bebop
Aquela batida mágica
Tomando vodka barata
Vinho barato pra dar um barato
E já começo a falar de Nietzsche
E de todas as experiências possíveis
Que nossos cérebros podem registrar
E os conectomas que eu tenho
Me fazem imaginar a vida dando cambalhotas
Nas estradas com a linha puramente branca

Nas cervejas infinitas
No teu cu rosado
Vou sendo içado, erguido
Excitado de pau duro para o mundo
De coração aberto para a loucura
A demência é minha mãe agora
E de repente já estou na estratosfera
Da terceira, quarta, quinta dimensão
Com negras americanas
Fazendo coro a Hit the Road, Jack
Com solos de guitarra do Slash
Eu e meus pés descalços
Retocando as divisões etéreas das coisas
Redefinindo as ordens e prioridades
Remetendo a tua bunda
Que é o segredo do universo
Entendo que a vida é muito mais vida assim
Do que na sobriedade massacrante
Do que nas merdas que a gente se enrola
Pra dizer que é alguém responsável e direito
O mundo é uma matrix sem volta
E a arte é que me leva pra vida de verdade
Que me livra dessa merda comezinha
E aí minha barba se alonga ao infinito
Aos confins da terra
E se enrola em você, coisa doida
Pra dizer que eu gosto de ouvir teu gemido
Em si bemol menor
E a culpa de tudo isso é sua
Porque me engoliu quando não deveria
Porque me abriu os olhos
Chupando meus dedos
Me obrigando a te lamber os pelos
A fumar teus grandes lábios

A esquecer que sou mortal
E que virarei osso e depois pó do pó
Apenas Dust in the Wind
Tire daqui essa cerveja
Antes que eu comece a compor
Canções bregas com acordes fáceis
Dó, Fá e sol maiores
Com no máximo um mi menor
Você é o meu demônio das onze horas
Que possui minha esperança tola
E brinca de papéis
Venha deitar comigo e me dar uns tabefes
Eu sou um bêbado gordo incorrigível
Leia as minhas mãos
E diga que eu serei o gênio do século
Entre as tuas coxas brancas
Nas tuas estrias e celulites
Cale-me a boca com um beijo cuspido
E sente no meu cetro
Que eu quero jorrar pelas sarjetas
De Manhattan
Que eu quero virar aquela poça suja
Pra entender enfim o que eu vim fazer aqui
Ou pelo menos pra inventar uma razão
Tire a roupa e entre no lago
Como num clipe do Aerosmith
E me dê carona para Marte
Porque lá o ar é rarefeito
E se eu estiver parando
Você me dá um beijo louco
E eu pulo fora
Venha logo
Que essa bebedeira precisa passar
Que logo eu quero dormir

 

Admirável mundo novo


Esse início de noite ociosa,
Uma liberdade vã
Que logo se revela oca.
A cabeça coça, incandescente
Meus piolhos transitam
Do interno para o externo
Minha barba pega fogo
Meus intestinos gritam
Meu nariz sangra
Meus pés estão sujos de vergonha
Meu corpo todo é uma intromissão
Na história do mundo
Eu me sinto um aborto
Um feto mal produzido
Que procura alguma transcendência
Poucas coisas fazem sentido
Bebida, literatura, mulheres, estrada
Ando meio desligado de todas elas
Nas últimas semanas virei um autista
Longe de seu próprio mundo
Perdido um escarcéu de luzes pontiagudas
Tentando andar entre os carros
Nas noites chuvosas da puta madre,
Da cidade invertida.
As garrafas de vinho e cerveja vazias
Acumuladas em um canto do quarto
Algumas fotografias velhas
Delas todas salvas em alguma pasta.
O mundo era um incômodo,
A existência era ali insuportável.
Mas de repente você me liga
Querendo partilhar uma inocente cerveja
Ai você me vem inconcebível

Seus pés, sua melancolia
Seu olhar furtivo
Seu piercing
Sua pele quase virgem
Seu cabelo cor de conto de fada
É claro que eu viro clichê
Eu nem mesmo luto
O sexo é o servir de copos,
Um olhar admirável
Desse mundo novo, escrito na mesa velha
De um bar esquecido.
Horas depois,
A tua saliva é meu remédio
Pra cura dos dias intoleráveis.
Você me cospe na boca o antídoto
Tirando-me do coma
Jogando-me à catarse.
Entreter-me em você é melhor do que
Vinho importado, cachaça envelhecida,
Dormir até as dez, mijar apressado.
É tão bom quanto pegar carona,
Atravessar o país, derrubar um muro,
Trepar na catedral, roubar um copo do bar,
A tua língua, portuguesa, alemã, brasileira,
Entende a existência dentro da minha boca
A minha língua portuguesa, italiana,
Brasileira, francesa
Só se faz nova na altura do teu pescoço.
E eu volto para meus poemas, minhas fotos
Minhas crenças, no fim de tudo.
Para meu admirável mundo velho e novo
Com tua foto recortada no mural
Do meu peito.

Luigi Ricciardi nasceu em Londrina (PR), em 1982. É formado em Letras e tem mestrado em Literatura na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Atua como professor de literatura e francês. É idealizador do projeto “Mutirão Artístico” e da revista literária Pluriversos. É autor de dois livros de contos, Anacronismo moderno (2011) e Notícias do submundo (2014). O seu romance Aquilo que não cabe, ainda inédito, esteve entre os finalistas do Prêmio SESC de Literatura 2013/2014. Vive em Maringá (PR).