Poema | Antônio Cescatto
Último pedido
Quando eu morrer,
empinem pipas ao invés de acender velas,
libertem pássaros ao invés de rezar terços.
E deixem as flores tranquilas nos caules,
pois nem a mais vulgar delas
merece a condenação de uma coroa.
Não peçam silêncio às crianças,
nem reclamem do tempo, se chove.
O tempo chove sempre, crianças falam
muito, e não há porque calá–las
apenas porque alguém já não
faz parte do mundo.
Poupem-me lágrimas e lamúrias.
No máximo Chet Baker,
ou a lembrança de um momento raro
em que fui capaz de ser maior que
as minhas vaidades ou menor que
as minhas virtudes.
Deixem o rio correr como cabe a um rio,
sem pulos ou sobressaltos.
Não há alegria maior do que a vida,
sem rédeas, e o tempo, sem fluxo.
Não liguem, enfim, se o instante
desmoronar suas pétalas.
Outras virão para substituí-las,
e nenhuma tristeza impedirá isso.
Guardem, de mim, o sorriso do menino
que nunca aspirou a ser adulto,
nem a terminar como busto de bronze
ou nome de rua.
Permitam que a noite suceda o dia
e que outro dia nos faça esquecer
um pouco mais da noite que passou.
Um poema tolo,
lido por um leitor distraído,
capaz de interromper o ritmo sério
de mais um dia de trabalho,
é só o que espero como homenagem.
Intervalos assim formam a vida.
Fazê-los existir, para alguém,
será a prova de que tudo valeu a pena.
Antonio Cescatto é escritor. Autor do romance O mundo não é redondo (2010), também publicou as novelas Preponderância do pequeno (2011) e Cloaca (2012). Nasceu e vive em Curitiba (PR).