Poema | Annita Costa Malufe
há uma voz que não está
no poema por trás do poema há
uma voz há antes uma dor escrever uma dor
escutando o delírio escutando os fantasmas
da voz escutando as vozes dos fantasmas
que circulam por dentro e por fora
nos cômodos do apartamento vozes
que sequestram o corpo escrever
para não sucumbir a essas vozes para
não afogar escrever com elas apesar delas
beber com elas num bar da esquina escrever
escutando uma dor uma voz caindo
próxima ao chão rente ao poema como estar
mais próximo ao chão estar
mais próximo estar rente
ao chão corpo a corpo numa
linguagem precária rente ao chão ao rés do chão
há algo que não está dito algo que vasa
nas bordas das palavras algo transborda
uma dor vaza pelo chão rastros
uma entrega à beira dos dedos
das mãos entre um copo e outro um
corpo e outro beber com elas num
bar escrever algo que não cabe
no poema não cabe na palavra o não dito
a saliva alcançar em um poema aquilo
que ficou de fora do poema
o fora do poema a transfusão da voz
em off as vozes em off se intercalando se
misturando uma mistura de
vozes em off beber com elas num bar vozes
transbordando os corpos as mãos
gesticulando no ar o cabelo
no ar a pele gesticulando
no ar o vermelho da pele o sangue
voando com os cabelos no ar
vozes se entrelaçando na saliva
a saliva se entrelaçando na saliva
a transfusão da saliva nas línguas
a transfusão das línguas nas vozes
entreditas rastros de vozes a vida
vazada na boca vazada na língua
vazada na saliva vazada em off
do poema “em off” de Alberto Pucheu e Danielle Magalhães
Ilustração: Samuel Casal
Annita Costa Malufe nasceu em São Paulo, em 1975. É poeta e professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP. Doutora em Teoria e História Literária pela Unicamp, é autora de Poéticas da imanência: Ana Cristina Cesar e Marcos Siscar (2011), e de seis livros de poemas, entre eles, Quando não estou por perto (2012) e Um caderno para coisas práticas (2016).