Poema | Alberto Lins Caldas
Silence
● desperta-me de mim ●
● sem folego essa carne ●
● “?escuta a morte” ●
● ela passa bem aqui ●
● arrasta legiões ●
● de sonhos doentes ●
● “?sente esse halito” ●
● é a dança do desejo ●
● isso q logo avança ●
● fora de toda treva ●
● a calma do arenito ●
● o riso a pele o sono ●
● verde claro escuro ●
● antes da chuva ●
*
● isso q se abre pra vida ●
● essa torre antes do pier ●
● são pedras q se dissolvem ●
● o vento come a agua lava ●
● tempestades de areia ●
● na clareira q some ●
● esse odor essa amargura ●
● uma vez nunca mais ●
*
● com essa faca recortar palavras ●
● pra q o tempo não persista ●
● como essa chuva ●
● sempre em circulos de abandono ●
● esse mar q se aprofunda e se repete ●
● isso tão alegre imovel em si mesmo ●
● sem tempestade ●
● noite crua sobre sono imperfeito ●
● muros de noites sem sono ●
● mãos vazias ●
● esse silencio ●
● esse vermelho sem azuis ●
● roupas lençois janelas e arvores escuras ●
● com frutas podres penduradas como morcegos ●
● passaros mortos ●
● ?onde o ovo ?onde o voo ●
● areia e cores q se abrem entre os olhos ●
● e a lingua ?como ditar essa loucura ●
● sempre entre sargaços se as conchas ●
● os ossos as flores os degraus não se abrem pra serem ditos ●
*
● ferir esse segredo ●
● sem ordem sem beleza ●
● aceitar o sorriso ●
● a vida erguida no ar ●
● essa espada esse nada ●
● isso q se entressonha ●
● não tão azul assim ●
● com sol e vento ●
● o resto não se faz ●
● fragil setembro ●
● insaciavel semear ●
● as foices pelos campos ●
● raizes e ramos podres ●
● feridas abertas ate o fim ●
*
● recebe o rancor ●
● nessa garrafa ●
● na boca no coração ●
● entre vidros ocultos ●
● na cavidade do peito ●
● roendo sementes ●
● e raizes ●
● no fogo q sonha ●
● caminho ●
● das aguas e do leito ●
● inesperada ●
● nossa semente ●
● inda oculta ●
● se oferece ●
*
● se eu pudesse sangrar ●
● tocar essa noite ●
● afastar essa treva ●
● se eu pudesse sangrar ●
● vibrar mais do q isso ●
● q queima o olhar ●
● se eu pudesse sangrar ●
● afastar os insetos ●
● mastigar esses ossos ●
● se eu pudesse sangrar ●
● desdizer todos os nomes ●
● mergulhar na areia ●
● se eu pudesse sangrar ●
● devorando escuridão ●
● ?seria a dor menor ●
● se eu pudesse sangrar ●
● seriam desertos ●
● o q na solidão iria jorrar ●
*
● lua branca e sombra ●
● silencio e seiva fria ●
● discreta escuridão ●
● ja é outono e nem me dei conta ●
● treva densa demais ●
● essa noite não é fantasia ●
● não ha quietude pra dormir ●
● como se passaros não parassem nos galhos ●
● fria demais essa noite ●
● mãos palpebras labios frios demais ●
● deliro entre chuvas de fuligem ●
● a floresta devastada sem crepusculos ●
● casas vazias celeiros esvaziados ●
● por todos os insetos do medo ●
● ha tantas aranhas por aqui ●
● os morcegos ficam dormindo assim ●
● sei q tudo procura meu coração ●
● rasgar minha pele minha boca ●
● ?posso segurar tua mão ●
● tentar dormir enquanto o deserto se estende ●
*
● esse desamparo ●
● isso q se abandona ●
● com nada ao redor ●
● esses olhos fechados ●
● isso q não se rebela ●
● e não se escreve ●
● sem começo nem fim ●
● sem nada a ser dito ●
● sem toque ou olhar ●
● não ha casa nem muros ●
● não ha nada a saltar ●
● nem ha o q esperar ●
● vidas destroçadas ●
● mar seco e deserto ●
● sol negro e cego ●
● nada tenho a dizer ●
● vejo sangue e sangue ●
● nem mesmo tuas mãos ●
*
● ao redor arremates do mundo ●
● esse vermelho de fim de tarde ●
● esse amarelo solidão ●
● !a noite chega tão violenta ●
● essa cegueira essas pedras ●
● esses corpos constrangidos ●
● !todos os subterraneos ●
● odor de humus podre ●
● traços de loucura no ar ●
● ?quando a beleza voltara ●
● estendo minhas mãos ●
● e serpentes devoram ●
● meus dedos e se aninham ●
● no meu peito fascinadas ●
● com a tempestade q mora ●
● entre meus olhos e a boca ●
● ervas daninhas azuis ●
● lavouras queimadas ●
● ondulam ao longe ●
● ?quando me engoliste ●
● por q não deixaste a lamina ●
● la fora e isso q queima ●
● não apagaste com tuas aguas ●
Recife, 2010
ALBERTO LINS CALDAS publicou os livros de contos Babel (2001), gorgonas (2008); os romances senhor krauze (2009), Veneza (2016), a grande morte do conselheiro estherazy (2019); e os livros de poemas no interior da serpente (1987), minos (2011), de corpo presente (2013), a perversa migração das baleias azuis (2015), a pequena metafisica dos babuinos de gibraltar (2016) e minha pessoa sob o dominio dos barbaros (2018).