Perfil do Leitor - Sérgio Loes

Sérgio Luis Loes
O leitor polifônico

Sérgio Luís Loes vai da saga Crepúsculo a Fernando Pessoa em um pulo. Assim se tornou um leitor voraz, que lê mais livros em uma semana do que a média anual do brasileiro

 

Luiz Rebinski Junior



Sérgio Luis Loes é um leitor incomum. O professor aposentado está totalmente alheio às ações que, tanto o mercado editorial quanto o Estado, parecem empenhados em realizar para difundir a literatura e o gosto pelos livros. Sérgio não vai a bate-papos com escritores, não compra revistas especializadas e não acompanha as novidades do mercado editorial. Nada disso o atrai. No seu campo de visão literário só há espaço para os livros, nada mais. Foi assim que Sérgio, um catarinense que há 15 anos mora em Curitiba, tornou-se — mesmo sem saber —, o grande leitor da Biblioteca Pública do Paraná, que recebe, em média, três mil pessoas por dia.

Em um período de um ano, Sérgio leu 263 títulos. Tão impressionante quanto o número de livros emprestados, é a variedade dos títulos. No cardápio literário do professor, há de tudo: de Thomas Pynchon (Vício inerente) a Padre Marcelo Rossi (Ágape). Assim como o Livro do desassossego, de Fernando Pessoa, pode estar na ordem do dia juntamente com A cabana, o best-seller escrito por William P. Young que mistura autoajuda e ficção. As sinopses dos romances que lê lhe vêm à cabeça com uma facilidade inversamente proporcional ao nome dos autores desses livros. “Leio tanta coisa que não consigo guardar”, diz.



“Parece que eu estou vivendo a história.”




Entre 2011 e 2012, Sérgio leu o equivalente a um 1,3 livros por dia. É como se lesse, a cada quatro dias, a média anual do brasileiro, que é de 4,7 livros, segundo a mais recente pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”. Entre os livros que leu nos últimos meses, há romances de fôlego, como Liberdade, do norte-americano Jonathan Franzen, e O amante de lady Chatterlly, de D.H Lawrence. Livros que costumam dar trabalho até mesmo para leitores experimentados. Diante de um leitor tão prolífico, é quase inevitável perguntar a respeito do seu método de leitura e se realmente chega ao final dos livros que empresta. “Não lembro de ter devolvido um livro sem antes acabá-lo. Uma ou duas vezes devolvi um livro porque percebi que já o havia lido e sabia o final”, explica o professor, que diz ler um romance de 400 páginas em dois dias.


Primeiros passos

Sergio Luis Loes
Para Sérgio, a porta de entrada na literatura também não se deu de forma convencional. Oriundo de uma família de não leitores, que não tinham livros em casa, Sérgio também não foi fisgado por Monteiro Lobato na infância, nem tampouco tem em sua lembrança afetiva um livro que marque o início de sua trajetória como leitor. A vontade de ler surgiu naturalmente: quando criança, lia tudo que lhe caísse nas mãos, de bula de remédio à receita de bolo.

Mas a explicação para o gosto pela literatura, segundo ele, encontra-se em sua personalidade retraída. “Não gostava muito de brincar com as crianças da minha idade. Não gostava de futebol nem de ficar na rua, então me isolava no meu quarto, para ler.” A timidez, aos 52 anos, ainda é um traço que persiste. Sérgio é um homem que fala baixo e de modo pausado, sem a eloquência que poderia se esperar de um leitor tão polifônico quanto ele. Apesar de uma década e meia vivendo no Paraná, ainda conserva forte sotaque catarinense.

Nascido em Indaial, cidade de colonização alemã do interior de Santa Catarina, Sérgio sonhava em ser médico. Depois de um revés no vestibular para medicina, entrou na faculdade de farmácia, que abandonou logo em seguida. Em 1978 iniciou o curso de odontologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Exerceu a profissão por um curto período e nunca mais vestiu um jaleco branco.



“Não lembro de ter devolvido um livro sem antes acabá-lo.”




Quando tinha 38 anos, o professor se mudou para Curitiba e passou a frequentar diariamente a Biblioteca Pública do Paraná, mais especificamente a Seção de Literatura e Linguística. Sentiu-se em casa entre o acervo de mais de 150 mil volumes. Foi quando intensificou ainda mais o ritmo de leitura. “Geralmente vou no 823”, diz Sérgio, referindo-se ao código da ficha catalográfica que identifica os livros de literatura de língua inglesa na BPP. “Mas também pego bastante literatura alemã, italiana e francesa. Estou lendo menos literatura brasileira agora.”

Entre um romance e outro, Sérgio encontra tempo para os filmes do cineclube da Biblioteca Pública. Na relação entre literatura e cinema, considera os livros sempre melhor. “Nunca a versão cinematográfica consegue alcançar o êxito da obra literária.”

Viagem

Durante a conversa, Sérgio fez sinopses detalhadas de romances intricados, com diversos núcleos narrativos e vários personagens, mas pouco falou dos autores dessas histórias. “Mas acho que devia, né?”, pergunta. Para Sérgio, pouco importa o nome imprenso na capa de um romance, para ele há outros atrativos em um livro que podem fisgá-lo. “Sempre leio a orelha do livro, para ver se a história me atrai. Também vou pelo título e sou leitor voraz de romance policial e de mistério.”

Ainda assim, sempre que um livro lhe agrada, procura outros títulos do mesmo autor, ainda que seja desconhecido. Assim leu a sequência de Harry Potter e os vários romances de Ignácio de Loyola Brandão. O desapego com escritores, no entanto, pode ser explicado pela profusão de livros que lê.

Sérgio é daqueles leitores que se deixam levar por uma das primeiras possibilidades da literatura: a fuga da realidade. A ideia da literatura como uma viagem, em que o leitor vive as mesmas aventuras do personagem, para Sérgio é o grande barato de um livro. “Parece que eu estou vivendo a história”, diz.

Por isso, a “criatividade” é o que mais lhe chama a atenção em um livro. A capacidade de os escritores de inventar situações, histórias e mundos lhe fascina. “Fico pensando como um escritor pode inventar tantas coisas, a riqueza dessas pessoas.”