Perfil do Leitor | Juliana Stein

Eterno retorno

Reler frequentemente os livros que marcaram sua trajetória é um dos hábitos da fotógrafa, representante do Brasil na Bienal de Arte de Veneza em 2013


Omar Godoy

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No cômodo que serve de escritório em seu apartamento, a fotógrafa Juliana Stein mantém pequenos quadros de avisos rabiscados com frases. São trechos marcantes dos livros que ela lê e, mais tarde, podem ser incorporados de alguma forma ao seu trabalho. “Preciso tirar alguma coisa de tudo o que eu leio, mesmo que seja de uma literatura considerada de entretenimento”, diz a artista gaúcha de 44 anos, radicada desde os 15 em Curitiba.

Conhecida no cenário da fotografia brasileira contemporânea por expor um lado mais fragmentado e ambivalente da realidade, Juliana já mostrou suas séries de imagens em cerca de 10 países. Em 2013, foi a única representante brasileira no Pavilhão da América Latina da Bienal de Arte de Veneza. Neste ano, já esteve no Rio de Janeiro, Alemanha e Uruguai. “Não gosto de viajar, faço por obrigação. Mas é o momento perfeito para ficar sozinha e ler com tranquilidade. Quando estou em casa, com meus dois filhos, preciso me esconder no banheiro para ler”, conta a fotógrafa.

Seus livros de cabeceira são coletâneas de ensaios e artigos que ela relê frequentemente ao longo dos anos. Especialmente os livros do filósofo italiano Giorgio Agamben e do psicanalista brasileiro Hélio Pellegrino. Do primeiro, Juliana destaca Profanações (2005), marcado por reflexões sobre a relação do indivíduo com a religião, o poder e a imagem, entre outros temas. Do segundo, A burrice do demônio (1988), apanhado de colaborações de Pellegrino para a imprensa, em que ele trata de problemas ainda atuais.

Outra presença constante nas estantes da casa é a do também psicanalista MD Magno, fundador do movimento Nova Psicanálise, no Rio de Janeiro, e autor de mais de 30 obras. “Gosto de textos mais realistas, que abordam os grandes temas a partir da leitura das pequenas coisas do dia-a-dia”, explica Juliana, formada em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ainda no campo ensaístico, “papas” como Benjamin, Barthes, Foucault e Merleau-Ponty também aparecem em sua biblioteca.

Isso não significa que a ficção não faça parte de suas leituras, ainda que ela admita ter pouca paciência para o gênero. Franz Kafka (“Leio repetidamente o conto ‘Um artista da fome’”), Edgard Allan Poe (“Histórias fantásticas, mas ao mesmo tempo carregadas de elementos muito reais”) e Clarice Lispector (“O primeiro livro que realmente me tocou foi A descoberta do mundo”) são alguns dos autores citados pela fotógrafa. Outra obra marcante para ela é 1984, de George Orwell, que leu no início da adolescência, ainda em Passo Fundo, cidade gaúcha em que nasceu e viveu até a mudança para Curitiba. “Lembro que esse livro me arrebentou por dentro, porque até então eu nunca tinha lido algo que fizesse tanto sentido. Talvez eu tenha me identificado com os personagens e sua sensação de que não teriam futuro. Eu morava, literalmente, no meio do mato, e realmente achava que não teria nada pela frente a não ser aquela vida que conhecia”, afirma a artista, filha de filósofos.

Já a poesia não faz muito a sua cabeça, ainda que seus trabalhos sejam considerados poéticos pelos críticos. Pelo menos não a poesia propriamente dita. “Não costumo ler poemas, mas me interesso por ensaios carregados de elementos poéticos, como os do Giorgio Agamben. Sobre isso, aliás, o [poeta, ensaísta, publicitário] Décio Pignatari sempre citava uma frase: ‘Na poesia o que importa não é a poesia’.”

Casada com o publicitário e escritor Antonio Cescatto, Juliana confessa que o casal raramente lê os mesmos livros. “Ele, sim, é um leitor voraz. Não leio tanto e tão rápido assim. Mas passo o dia inteiro olhando as lombadas e lendo as orelhas dos livros dele. Não resisto, é quase uma obsessão”, diverte-se.

Dois dias depois de conversar com a reportagem do Cândido, a fotógrafa partiu para a Bienal de Montevidéu. Levou na bagagem, um livro do psicanalista e autor britânico Darian Leader traduzido para o italiano — idioma que ela aprendeu em Florença e Veneza, onde estudou Artes durante dois anos. “Também me viro um pouco no francês, no inglês, no espanhol. Gosto de ler em outros idiomas, mesmo não entendendo tudo. Porque você é obrigado a entrar num mundo do qual jamais vai pertencer e precisa lidar com isso. As pessoas acham que vão pertencer a uma determinada cultura se aprenderem a língua, mas isso nunca acontece de verdade”, afirma.