Perfil do Leitor: Gerald Thomas
Planeta Gerald Thomas
Prestes a lançar o primeiro romance, o diretor mais internacional do teatro brasileiro fala de seu percurso literário e revela quais escritores influenciaram sua obra
Omar Godoy
“Eu sempre vivi através deles, com eles, por eles, mortos ou vivos. Eu habitava o ‘Planeta Kafka’, o ‘Planeta Joyce’.” É assim que Gerald Thomas define sua relação com livros e autores. Filho de pai alemão e mãe britânica, o dramaturgo e diretor teatral carioca cresceu lendo em várias línguas, o que naturalmente ampliou o alcance de sua própria obra — marcada por um retrato da ansiedade e da alienação do homem contemporâneo.
Graças a esse caráter universal, seus espetáculos são apresentados mundo afora, o que o obriga a se dividir entre Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e, eventualmente, Brasil. Na entrevista que serviu de base para este perfil, realizada por Facebook e e-mail, o autor de clássicos do teatro de vanguarda como Eletra com Creta e The flash and crash days fala de seu percurso literário e revela quais são os escritores que ajudaram a construir o “Planeta Gerald”.
“Minha casa era normal, não tinha uma biblioteca grandiosa. Mas como era casa de europeu, tínhamos [Heinrich] Heine, [Friedrich] Schiller e [Johann] Goethe nas prateleiras”, conta o diretor, que se iniciou na literatura com obras dos Irmãos Grimm e Max und Moritz (clássico infantil do alemão Wilhelm Busch, transformado por Olavo Bilac em Juca e Chico). Mas a paixão pelos livros surgiu para valer com A metaformose, de Franz Kafka. “Tudo dele me emociona, até os contos curtos”, diz Thomas, que anos mais tarde montaria a peça Trilogia Kafka.
Enquanto seus colegas de escola só pensavam em jogar futebol, o futuro dramaturgo mergulhava nos clássicos universais. “Não consigo citar um livro, como também não consigo citar um momento ou uma música. Gosto de tudo de [James] Joyce, [Emile] Zola, [Jorge Luis] Borges, [George] Orwell, [Aldous] Huxley, [William] Shakespeare, Dante [Alighieri].” Este último, ele admite, é outra de suas maiores influências no teatro. “É o grande dramaturgo dos paradoxos”, afirma.
Mais tarde, Thomas também bebeu da fonte dos grandes autores da Filosofia (área em que se formou durante um período de estudos na Inglaterra). Os filósofos contemporâneos, no entanto, não o interessam. “Não tenho lido. Os semiólogos franceses me cansaram. É muito subterfúgio. Mas ainda tenho carinho por [Roland] Barthes, [Susan] Sontag e [Jacques] Derrida. E nenhum pelos outros. Pode parecer estranho, mas odeio [Jacques] Lacan. Gosto mesmo é de [Friedrich] Hegel e [Immanuel] Kant.”
Outra referência marcante na trajetória do diretor é a contracultura dos anos 1960. Entre seus autores prediletos estão os americanos Abbie Hoffman e Jerry Rubin, que Thomas conheceu pessoalmente na casa de Jerelle Kraus, editora de arte do The New York Times — onde trabalhou como ilustrador da página de opinião “Op-Ed” a partir do final da década de 1970. Paralelamente, ele ministrava workshops no La MaMa Experimental Theater, o icônico teatro off-Broadway pelo qual passaram figuras como o ator Al Pacino, o dramaturgo Sam Shepard, o diretor Robert Wilson e o compositor Philip Glass (seu futuro parceiro).
Foi no La MaMa que Thomas realizou suas primeiras adaptações das peças de seu maior “guru”: Samuel Beckett, o gênio irlandês do teatro do absurdo. Essa admiração virou amizade, e durante dois anos a dupla trocou correspondências até se conhecer pessoalmente, na Paris dos anos 1980. “Beckett não me indicava livros. Falávamos de montagens, dos amigos em comum, de ideias cênicas, da música de Schubert. Mas confesso que descobri Jean-François Lyotard (filósofo francês) a partir das conversas com ele”, diz.
De lá para cá, Thomas fundou a Companhia Ópera Seca, em São Paulo, consolidou sua carreira internacional
e iniciou uma vitoriosa trajetória como diretor de óperas. Leitor obsessivo, daqueles que acompanham jornais e revistas de diversos países, também passou a assinar artigos para a imprensa e em seu blog (alguns deles compilados no livro Nada prova nada). “Não existe nada que eu não leria. Li e reli até o Mein kampf [livro em que Hitler apresenta suas teorias extremistas], escrito pelo sujeito que cremou a minha família”, afirma, relembrando relembrando sua origem judia.
Paul Auster e Martin Amis são seus romancistas contemporâneos preferidos (“Pela dinâmica na escrita e por não terem vergonha de assumir influências”). Mas, no momento, sua atenção está voltada para o recém-lançado 500 days: Secrets and lies in the terror wars, em que o jornalista Kurt Eichenwald (editor da Vanity Fair e ex-repórter do New York Times) acusa a administração do ex-presidente americano George W. Bush de negligência com relação aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Para quem não se lembra, ou não sabe, Gerald Thomas tem um apartamento próximo ao local em que existia o World Trade Center. Praticamente assistiu à queda das torres da janela de casa e atuou como voluntário no resgate de feridos.
Atualmente, o dramaturgo prepara dois livros. O primeiro, que reúne uma coleção de seus desenhos e ilustrações, deve sair até novembro pela editora Cobogó (de Isabel Diegues, filha do cineasta Cacá Diegues). São reflexões em forma de imagem, esboços posteriormente usados no palco e antigos trabalhos para o New York Times. Deve levar o título de Coffee noodles.
O volume mais esperado, no entanto, é The lost case of a brief case, seu primeiro romance, a ser publicado no início de 2013 nos EUA. “Páginas perdidas 20 anos atrás num bairro londrino são achadas por uma ex-namorada do autor. Ela acaba despedaçada na calçada, como uma peça de Beckett, toda fragmentada. O autor vai preso, acusado de jogá-la, e conhece os detetives Zufall e Essig, da polícia de Nova York. Pouco a pouco, ele só enxerga enigma em tudo. Como, por exemplo, o fato de a Ordem dos Advogados dos EUA ser chamada de American Bar Association e tudo ser dentro de um bar, com um bando de alcoólatras. Além disso, os nomes Zuffal e Essig, se pronunciados rapidamente em alemão, soam como zuverlessig, que significa ‘de confiança’”, explica. Mais Gerald Thomas, impossível.
Foto: Emi Hoshi/ Festival de Teatro
Omar Godoy
“Eu sempre vivi através deles, com eles, por eles, mortos ou vivos. Eu habitava o ‘Planeta Kafka’, o ‘Planeta Joyce’.” É assim que Gerald Thomas define sua relação com livros e autores. Filho de pai alemão e mãe britânica, o dramaturgo e diretor teatral carioca cresceu lendo em várias línguas, o que naturalmente ampliou o alcance de sua própria obra — marcada por um retrato da ansiedade e da alienação do homem contemporâneo.
Graças a esse caráter universal, seus espetáculos são apresentados mundo afora, o que o obriga a se dividir entre Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e, eventualmente, Brasil. Na entrevista que serviu de base para este perfil, realizada por Facebook e e-mail, o autor de clássicos do teatro de vanguarda como Eletra com Creta e The flash and crash days fala de seu percurso literário e revela quais são os escritores que ajudaram a construir o “Planeta Gerald”.
“Minha casa era normal, não tinha uma biblioteca grandiosa. Mas como era casa de europeu, tínhamos [Heinrich] Heine, [Friedrich] Schiller e [Johann] Goethe nas prateleiras”, conta o diretor, que se iniciou na literatura com obras dos Irmãos Grimm e Max und Moritz (clássico infantil do alemão Wilhelm Busch, transformado por Olavo Bilac em Juca e Chico). Mas a paixão pelos livros surgiu para valer com A metaformose, de Franz Kafka. “Tudo dele me emociona, até os contos curtos”, diz Thomas, que anos mais tarde montaria a peça Trilogia Kafka.
Enquanto seus colegas de escola só pensavam em jogar futebol, o futuro dramaturgo mergulhava nos clássicos universais. “Não consigo citar um livro, como também não consigo citar um momento ou uma música. Gosto de tudo de [James] Joyce, [Emile] Zola, [Jorge Luis] Borges, [George] Orwell, [Aldous] Huxley, [William] Shakespeare, Dante [Alighieri].” Este último, ele admite, é outra de suas maiores influências no teatro. “É o grande dramaturgo dos paradoxos”, afirma.
Mais tarde, Thomas também bebeu da fonte dos grandes autores da Filosofia (área em que se formou durante um período de estudos na Inglaterra). Os filósofos contemporâneos, no entanto, não o interessam. “Não tenho lido. Os semiólogos franceses me cansaram. É muito subterfúgio. Mas ainda tenho carinho por [Roland] Barthes, [Susan] Sontag e [Jacques] Derrida. E nenhum pelos outros. Pode parecer estranho, mas odeio [Jacques] Lacan. Gosto mesmo é de [Friedrich] Hegel e [Immanuel] Kant.”
Outra referência marcante na trajetória do diretor é a contracultura dos anos 1960. Entre seus autores prediletos estão os americanos Abbie Hoffman e Jerry Rubin, que Thomas conheceu pessoalmente na casa de Jerelle Kraus, editora de arte do The New York Times — onde trabalhou como ilustrador da página de opinião “Op-Ed” a partir do final da década de 1970. Paralelamente, ele ministrava workshops no La MaMa Experimental Theater, o icônico teatro off-Broadway pelo qual passaram figuras como o ator Al Pacino, o dramaturgo Sam Shepard, o diretor Robert Wilson e o compositor Philip Glass (seu futuro parceiro).
Foi no La MaMa que Thomas realizou suas primeiras adaptações das peças de seu maior “guru”: Samuel Beckett, o gênio irlandês do teatro do absurdo. Essa admiração virou amizade, e durante dois anos a dupla trocou correspondências até se conhecer pessoalmente, na Paris dos anos 1980. “Beckett não me indicava livros. Falávamos de montagens, dos amigos em comum, de ideias cênicas, da música de Schubert. Mas confesso que descobri Jean-François Lyotard (filósofo francês) a partir das conversas com ele”, diz.
De lá para cá, Thomas fundou a Companhia Ópera Seca, em São Paulo, consolidou sua carreira internacional
e iniciou uma vitoriosa trajetória como diretor de óperas. Leitor obsessivo, daqueles que acompanham jornais e revistas de diversos países, também passou a assinar artigos para a imprensa e em seu blog (alguns deles compilados no livro Nada prova nada). “Não existe nada que eu não leria. Li e reli até o Mein kampf [livro em que Hitler apresenta suas teorias extremistas], escrito pelo sujeito que cremou a minha família”, afirma, relembrando relembrando sua origem judia.
Paul Auster e Martin Amis são seus romancistas contemporâneos preferidos (“Pela dinâmica na escrita e por não terem vergonha de assumir influências”). Mas, no momento, sua atenção está voltada para o recém-lançado 500 days: Secrets and lies in the terror wars, em que o jornalista Kurt Eichenwald (editor da Vanity Fair e ex-repórter do New York Times) acusa a administração do ex-presidente americano George W. Bush de negligência com relação aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Para quem não se lembra, ou não sabe, Gerald Thomas tem um apartamento próximo ao local em que existia o World Trade Center. Praticamente assistiu à queda das torres da janela de casa e atuou como voluntário no resgate de feridos.
Atualmente, o dramaturgo prepara dois livros. O primeiro, que reúne uma coleção de seus desenhos e ilustrações, deve sair até novembro pela editora Cobogó (de Isabel Diegues, filha do cineasta Cacá Diegues). São reflexões em forma de imagem, esboços posteriormente usados no palco e antigos trabalhos para o New York Times. Deve levar o título de Coffee noodles.
O volume mais esperado, no entanto, é The lost case of a brief case, seu primeiro romance, a ser publicado no início de 2013 nos EUA. “Páginas perdidas 20 anos atrás num bairro londrino são achadas por uma ex-namorada do autor. Ela acaba despedaçada na calçada, como uma peça de Beckett, toda fragmentada. O autor vai preso, acusado de jogá-la, e conhece os detetives Zufall e Essig, da polícia de Nova York. Pouco a pouco, ele só enxerga enigma em tudo. Como, por exemplo, o fato de a Ordem dos Advogados dos EUA ser chamada de American Bar Association e tudo ser dentro de um bar, com um bando de alcoólatras. Além disso, os nomes Zuffal e Essig, se pronunciados rapidamente em alemão, soam como zuverlessig, que significa ‘de confiança’”, explica. Mais Gerald Thomas, impossível.
Foto: Emi Hoshi/ Festival de Teatro