Perfil do Leitor: Fernando Severo

Café, pão e poesia
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Influenciado pelas leituras da mãe, o cineasta paranaense Fernando Severo ainda conserva um hábito dos tempos de infância: misturar café e poesia

Márcio Norberto


Crescer em uma pequena cidade do interior tem lá suas vantagens. Longe da correria dos grandes centros, o tempo parece passar mais devagar. Foi em um ambiente assim, propício à leitura, que o cineasta Fernando Severo cresceu.

Do interior de Santa Catarina (Caçador, de onde saiu com dois anos), para o interior do Paraná (Clevelândia, onde ficou até os 11), o cenário pacato pouco foi alterado, o que deu a Severo as condições ideais para se tornar um leitor inveterado. A rotina calma da infância só ganhava novas cores com as fantásticas histórias que dona Diva, matriarca dos Severo, lia para o filho todos os dias. Severo lembra que só ia pra cama cedo ou tomava remédio se a mãe cumprisse o ritual. Era um toma lá dá cá.

Dona Diva, hoje com 87 anos, foi a primeira grande influência na sua vida de leitor. “Minha mãe sempre gostou de biografias, romances históricos, escritores russos e literatura policial, gosto literário que herdei”, explica. As primeiras leituras eram bem ecléticas, iam das fábulas de La Fontaine aos contos dos Irmãos Grimm e de Hans Christian Andersen. Severo também foi cooptado pelo universo irresistível de Monteiro Lobato, cujo Reinações de Narizinho tinha lugar de destaque na prateleira.

Durante a infância, os livros foram os melhores companheiros do pequeno Fernando, sempre ao alcance das mãos. No café da manhã, entre um pãozinho francês com manteiga e um cafezinho, havia a companhia de um livro. Hábito que o cineasta ainda cultiva, hoje quase sempre na companhia de um livro de poesia.

Os poetas simbolistas são os preferidos de Severo, especialmente o francês Baudelaire. “Hoje em dia, a poesia está mais presente na minha vida do que a ficção. Estou lendo a obra de T.S. Eliot, poeta que nasceu nos Estados Unidos, mas que escolheu ser cidadão inglês. Também entre os meus favoritos estão o argentino Jorge Luis Borges e os brasileiros Mário Faustino e Roberto Piva.”

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Já no caminho da adolescência, aos 11 anos, Severo se deparou com um livro que marcaria profundamente sua relação com a literatura. “Na casa de uma tia, por acaso, me deparei com uma edição de Cemitério de elefantes, do Dalton Trevisan. Li e fiquei fascinado. Causou-me certa perturbação. Fiquei intrigado. O livro me trouxe uma visão mais complexa e sombria do mundo”, conta o cineasta, que considera o segundo livro de Trevisan uma de suas leituras mais marcantes.

Aos 15 anos, na escola, descobriu os romancistas americanos nas aulas de inglês com da professora Alba Dourado, de quem lembra com muita saudade. “Posso dizer que a Alba foi outra influência fundamental na minha formação como leitor. Ela me levou a autores como Hemingway e Faulkner”, diz o cineasta. “Lembro-me também de ler A montanha mágica, do Thomas Mann. Além desses autores, a Alba despertou ainda meu gosto pela literatura latino-americana, que vivia um boom na época.”

Literatura e cinema


Desde sempre o cinema se beneficiou da frutífera relação que manteve com a literatura — e Severo também. Como não poderia deixar de ser, o cineasta levou para o cinema sua experiência como leitor e suas preferências literárias, que influenciaram suas escolhas ao longo da carreira. Em 2008, o cineasta filmou O hóspede secreto, curta-metragem adaptado do conto homônimo de Miguel Sanches Neto.

Segundo Severo, o flerte com o cinema começou pela via da leitura. Ainda em Clevelândia, o cineasta começou a frequentar as matinês de domingo. O compromisso era sempre precedido de um ritual: Severo e outras crianças tinham o hábito de trocar gibis antes da sessão. A paixão pelas histórias em quadrinhos o levaria não só aos clássicos da literatura, mas também à sua futura profissão.

Já na faculdade, idos de 1979, Severo participou de um concurso de poesia organizado pela Universidade Federal do Paraná e saiu vencedor, deixando em segundo lugar a curitibana Josely Vianna Baptista, que anos depois se tornaria “uma grande poeta brasileira”, conforme diz o cineasta. No mesmo ano, Severo filma seus primeiros curtas experimentais, todos em formato Super 8: HU, Aluminosa espera do apocalipse e Escura maravilha.

Depois das primeiras experiências, Severo não parou mais de produzir, torando-se um dos grandes realizadores de cinema do Paraná. Entre seus principais filmes, destacam-se O mundo perdido de Kozák (1988), que recebeu o Kikito de melhor roteiro e outros dezesseis prêmios nacionais, e Paisagem de meninos (2003), que também recebeu os Kikitos de melhor média-metragem, melhor roteiro, melhor ator e Prêmio Especial do Júri (direção de arte).

Outra experiência importante para o cineasta, foi a convivência com o escritor Valêncio Xavier, autor do clássico O mez da Grippe (1981) e fundador da Cinemateca de Curitiba. “O Valêncio era uma figura fascinante, que tinha uma cabeça multicultural, era um cara que transitava com desenvoltura do popular ao erudito. Foi uma grande referência para mim.”

Hoje, além dos projetos cinematográficos, Severo comanda o Museu da Imagem e do Som (MIS) do Paraná, instituição onde iniciou a carreira no começo dos anos 1980. “No MIS, fazia registro de peças teatrais, balés, shows e manifestações culturais, tudo era feito em Super 8. Realizei essa atividade até o Museu ser praticamente extinto, em 1981. Meu retorno completa um ciclo de vida e acontece num momento-chave, onde existe vontade política de atribuir ao Museu um merecido papel de protagonista em nossa cena cultural”.