O poder das capas

Mais do que simples detalhe, capas e projetos gráficos são objeto de fetiche para muitos leitores e podem determinar o sucesso de um livro

Guilherme Sobota

“Uma capa é feita para agredir, não para agradar”. A frase é de Eugênio Hirsch, austríaco radicado no Brasil, considerado um dos fundadores do design gráfico no país. Ao lado do editor Ênio Silveira, Hirsch foi responsável pelo trabalho gráfico da Editora Civilização Brasileira na segunda metade do século XX, quando inovou ao aliar de maneira definitiva o conteúdo editorial ao trabalho gráfico nos livros. Consta que sua capa
lolita
para Lolita, romance lançado no Brasil em 1959, foi considerada pelo próprio Vladimir Nabokov a melhor capa feita para o livro no mundo todo.

“A qualidade do projeto gráfico pode ser bastante decisiva no sucesso editorial de um livro”, diz o designer e arquiteto Eduardo Darshan, que realiza projetos gráficos e capas para editoras como Globo. “Ela pode e deve conferir à obra maior clareza, coerência e estética diferenciada”.

Embora não compre livros apenas por conta do projeto gráfico, o revisor Arthur Tertuliano diz que uma capa caprichada pode ser um diferencial na hora da dúvida. “Se não conheço o título, o autor ou a editora, essa é praticamente a única chance que o livro tem para chamar minha atenção na livraria”, diz. “Há também casos em que comprei um livro que já possuía só por causa do novo projeto gráfico: caso de Bartleby, um escrivão, de Herman Melville, da 'Coleção Particular', lançada pela Cosac Naify”.

Paradoxalmente, caprichar “demais” no tratamento gráfico pode gerar problemas, pois isso vai interferir no preço final do produto. “Boa parte do nosso trabalho é chegar a soluções inteligentes adequadas ao processo industrial de produção de um livro, para que ele possa ter um diferencial sem ser caro”, diz Elaine Ramos, diretora de arte da Cosac Naify, editora que se notabilizou pelo tratamento gráfico apurado de seus livros. “Claro que a qualidade dos materiais e acabamento normalmente implicam em custos, mas muitas vezes a questão de ser caro é um mito”.

Elaine explica que o trabalho próximo e integrado entre os setores editorial e gráfico da Cosac é o diferencial da editora. “Nossa particularidade vem do fato de a editora ter uma equipe de criação gráfica interna. A maioria das outras editoras trabalha com 'capistas' terceirizados: o miolo é padrão e o designer é chamado para resolver um campo bidimensional, com formato preestabelecido, que é a capa.”

Eduardo Darshan afirma que a elaboração de uma capa não é um processo criativo totalmente livre, na maior parte dos casos. “Existe um padrão a ser seguido, da editora e também da coleção ou série em que o livro está inserido”, explica. Lombadas, posicionamentos de logomarcas e quarta-capas também interferem no trabalho final. “As editoras também têm perfis de mercado distintos, algumas voltadas mais para a arte, outras com foco nos títulos mais comerciais, jurídicos, clássicos, etc. É preciso levar em consideração o público-leitor do livro”, diz Darshan.

“Como leitor, acho capa muito importante”, opina o escritor e ilustrador Lourenço Mutarelli. “O problema é que para os capistas — como eu —, os prazos geralmente são muito curtos e a grana é muito baixa”. Mutarelli tem larga experiência na produção de capas para livros, em 2011, por exemplo, produziu a elogiada ilustração que estampa a máquina de fazer espanhóis, livro do escritor português valter hugo mãe, lançado no Brasil pela Cosac Naify.

História

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Monteiro Lobato, considerado o fundador do mercado editorial brasileiro, também foi pioneiro em questões gráficas envolvendo o objeto livro. Em 1920 o escritor inaugurou a Monteiro Lobato & Cia, que passou a ocupar posição destacada entre as editoras devido às técnicas apuradas de marketing, seleção de autores e projeto gráfico.

Nos anos 1940, a editora José Olympio se destacou no mercado editorial, entre outras coisas, por dar atenção especial ao projeto editoral de seus livros. O ilustrador e artista gráfico Tomás Santa Rosa, ao lado de nomes como Cândido Portinari, Cícero Dias e Poty Lazarotto, montou capas e projetos gráficos inovadores para livros de José Lins do Rego, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos, todos autores da José Olympio à época. O pesquisador inglês Laurence Hallewell, autor de O livro no Brasil (1985), afirmou que “os livros com o sinete editorial da José Olympio logo começaram a destacar-se da insípida mediocridade de seus concorrentes, pois o editor dedicava cuidadosa atenção ao projeto gráfico”.

“O Brasil já teve vários momentos em que é possível identificar um salto qualitativo no mercado editorial. Monteiro Lobato e Tomás Santa Rosa, junto com Eugênio Hirsch na Civilização Brasileira, são alguns bons exemplos”, lembra Elaine Ramos, da Cosac. “Nos anos 1990, o mercado ficou mais competitivo e as editoras tiveram que se reinventar. A Companhia das Letras teve um papel proeminente nesse período.”

Para Eduardo Darshan, a tecnologia e a internet aceleraram e facilitaram muito o processo de editoração, ampliando as possibilidades do mercado. “A facilidade da pesquisa online, a grande variedade tipográfica à mão e a comunicação instantânea são alguns exemplos de recursos que permitem a exploração de um número maior de possibilidades de layout”.