Na biblioteca de Flávio Stein
Ciclos de leitura
Formada principalmente por obras literárias, a coleção de livros de Flávio Stein também revela as fases de sua vida, que inclui passagens pela música, pelo teatro e, recentemente, o envolvimento em projetos com o ato de ler
Marcio Renato dos Santos
Fotos Kraw Penas
Dos 11 mil livros do acervo de Flávio Stein, 5 mil ele herdou do pai, Milton de Lima Souza (1925-1999) — poeta que publicou 3 livros e deixou mais de 20 obras preparadas para edição, conteúdo que continua inédito. Além disso, o pai dele foi proprietário de uma livraria em São Paulo. “Meu vínculo com a leitura diz respeito à proximidade que meu pai tinha com os livros”, diz Stein, 54 anos, paulistano radicado em Curitiba desde a década de 1980.
Apesar de poeta, o pai não determinava que Stein lesse, por exemplo, poesia ou qualquer outro gênero literário. No momento, ele está interessado em contos. Desde 17 de novembro do ano passado, coordena um programa de rádio exibido diariamente, às 9h e às 15h, pela curitibana Lumen FM 99.5. No “Leitura viva”, lê — durante 90 segundos — trechos das obras de autores contemporâneos, sobretudo prosadores brasileiros: de Ivana Arruda Leite a Sidney Rocha, de Assionara Souza a João Anzanello Carrascoza.
O programa de rádio é um desdobramento de outros projetos de leitura — por exemplo, declamação de contos em voz alta em bairros de Curitiba — que Stein desenvolve há alguns anos. Após concluir, em 2008, o Bacharelado em Português/Alemão na Universidade Federal do Paraná, entrou — em seguida— no Mestrado em Letras, também na UFPR, com a finalidade de apresentar uma dissertação, defendida em 2011, a respeito de processos de leitura. “Pesquisei a história da leitura e o efeito que ela [leitura] tem na vida das pessoas.”
Devido a esse interesse, parte das prateleiras da biblioteca de Stein exibe títulos como Uma história da leitura, de Albert Manguel, e Pensar a leitura: complexidades, organizado por Eliana Yunes. “Mas o que mais tem na minha coleção são obras literárias”, observa Stein, que — recentemente — se encantou com a ficção de Altair Martins e, em um futuro não muito distante, gostaria de ganhar uma bolsa para estudar a obra de Guimarães Rosa.
Stein analisa que os títulos da biblioteca podem revelar fases de seu percurso. Na década de 1980, atuava como músico e, daquele contexto, há títulos como O ouvido pensante, de Murray Schafer. O teatro foi prioridade nos anos 1990 e, portanto, essa fase pode ser revisitada pelos muitos livros de e sobre dramaturgia. Entre um ciclo e outro, deixou várias obras à espera de leitura — além dos volumes que adquire toda semana. Não leu e sabe que dificilmente vai ler todo o acervo. Até porque, há 5 anos, a filha Isadora também é prioridade. “As leituras dependem de como organizo o meu dia. E, nesse momento, tenho alguns projetos e, enfim, há muito por fazer.”
Mundos de vidro (1991), de Alessandro Baricco
Na infância, fui leitor de contos de fadas e, por isso, Mundos de vidro, romance do Alessandro Baricco, me toca tanto: trata-se de uma narrativa que dialoga com o universo fantástico. No entanto, esse autor italiano também me impressiona pelo fato de ter sido o primeiro a mostrar, pra mim, nuances musicais em uma narrativa elaborada com palavras. Percebi avanços, recuos e outros efeitos musicais na prosa incomparável de Baricco.
A arte cavalheiresca do arqueiro zen (1995), de Eugen Herrigel
Em determinado momento da vida, eu estava em busca de informações para me aprimorar como flautista e, então, encontrei A arte cavalheiresca do arqueiro zen. É uma obra de não-ficção escrita por um alemão, professor de filosofia, que traz reflexões e tópicos do pensamento zen budista. Aprendi com o livro, por exemplo, como melhorar a respiração e, de uma maneira geral, a obra foi fundamental em minha trajetória.
Cadernos de literatura brasileira (1996), de Raduan Nassar
Já havia lido Um copo de cólera (1978) e Menina a caminho (1994), dois textos maravilhosos, mas a longa entrevista de Raduan Nassar, publicada pelo Instituto Moreira Salles, é um dos melhores textos sobre literatura que li em minha vida. O Raduan Nassar deixa claro que a relação de uma pessoa com a literatura sempre é pessoal. Ninguém precisa, por exemplo, cursar Letras ou fazer mestrado para ler uma obra ou autor. Essa entrevista é libertadora!
A literatura na poltrona (2007) , de José Castello
No fim da década de 1990, coordenei um evento ligado a livros, realizado num pavilhão do Parque Barigui, em Curitiba, e, naquela situação, conheci o José Castello. Desde então, somos amigos e dialogamos sobre literatura. Sou leitor de tudo o que ele escreve, ficção e textos publicados em jornal e revista. Sempre retorno a esse A literatura na poltrona: o livro traz reflexões sobre o ato da criação, entre outros temas.
Esperando Godot (1976), de Samuel Beckett
Tenho apreço pela tradução do Flávio Rangel, publicada na Coleção Teatro Vivo, da Abril Cultural. Esperando Godot é uma leitura dos meus 18 anos, quando eu estava muito envolvido com o teatro. Em 2008, dirigi uma montagem de Esperando Godot, com Mauro Zanatta e Rosana Stavis no elenco, que ficou em cartaz no Guairinha, em Curitiba. Sempre que tenho a oportunidade, gosto de ver encenações deste texto que, em um primeiro momento, li como se fosse literatura.
Amores mínimos (2011), de João Anzanello Carrascoza
Costumo ler a obra dele em voz alta em rodas de leitura. Além de Amores mínimos, o Carrascoza tem outros livros instigantes, por exemplo, Aos 7 e aos 40 (2013) e Caderno de um ausente (2014). Ele revela cuidado com a escrita, além de tratar dos relacionamentos, seja de pai e filho ou marido e mulher. Me identifico com a obra do Carrascoza e sei que a literatura dele dialoga com muitos leitores.
A porta aberta (1999), de Peter Brook
A obra que revela os processos do dramaturgo inglês, seja como ele seleciona uma peça que vai dirigir ou mesmo de que maneira consegue que o elenco realize uma performance mais intensa. Ler Peter Brook renova o olhar para o teatro e para a vida. A partir da leitura desse livro, comecei a refletir com profundidade a respeito do que posso fazer quando entro em cena em público, por exemplo, num palco.
As paixões do ego (2000), de Humberto Mariotti
Em grande parte da vida, trabalhei em grupo, por exemplo, na música e no teatro. E isso não é fácil. Ao contrário. Por isso, ler As paixões do ego, de Humberto Mariotti, psicoterapeuta e coordenador de atividades de grupo, ajuda a refletir sobre a complexidade de quem vive e atua em coletividade.
Laços de família (1960), de Clarice Lispector
É uma raridade do meu acervo. Trata-se de uma edição com autógrafo, de 27 de julho de 1960, que a escritora dedicou ao meu pai, Milton de Lima Souza (1925-1999), em sessão de lançamento realizada em São Paulo. Nem folheio, pelo valor histórico e emotivo. Tenho outro exemplar, editado recentemente, para reler.
Apesar de poeta, o pai não determinava que Stein lesse, por exemplo, poesia ou qualquer outro gênero literário. No momento, ele está interessado em contos. Desde 17 de novembro do ano passado, coordena um programa de rádio exibido diariamente, às 9h e às 15h, pela curitibana Lumen FM 99.5. No “Leitura viva”, lê — durante 90 segundos — trechos das obras de autores contemporâneos, sobretudo prosadores brasileiros: de Ivana Arruda Leite a Sidney Rocha, de Assionara Souza a João Anzanello Carrascoza.
O programa de rádio é um desdobramento de outros projetos de leitura — por exemplo, declamação de contos em voz alta em bairros de Curitiba — que Stein desenvolve há alguns anos. Após concluir, em 2008, o Bacharelado em Português/Alemão na Universidade Federal do Paraná, entrou — em seguida— no Mestrado em Letras, também na UFPR, com a finalidade de apresentar uma dissertação, defendida em 2011, a respeito de processos de leitura. “Pesquisei a história da leitura e o efeito que ela [leitura] tem na vida das pessoas.”
Devido a esse interesse, parte das prateleiras da biblioteca de Stein exibe títulos como Uma história da leitura, de Albert Manguel, e Pensar a leitura: complexidades, organizado por Eliana Yunes. “Mas o que mais tem na minha coleção são obras literárias”, observa Stein, que — recentemente — se encantou com a ficção de Altair Martins e, em um futuro não muito distante, gostaria de ganhar uma bolsa para estudar a obra de Guimarães Rosa.
Stein analisa que os títulos da biblioteca podem revelar fases de seu percurso. Na década de 1980, atuava como músico e, daquele contexto, há títulos como O ouvido pensante, de Murray Schafer. O teatro foi prioridade nos anos 1990 e, portanto, essa fase pode ser revisitada pelos muitos livros de e sobre dramaturgia. Entre um ciclo e outro, deixou várias obras à espera de leitura — além dos volumes que adquire toda semana. Não leu e sabe que dificilmente vai ler todo o acervo. Até porque, há 5 anos, a filha Isadora também é prioridade. “As leituras dependem de como organizo o meu dia. E, nesse momento, tenho alguns projetos e, enfim, há muito por fazer.”
Mundos de vidro (1991), de Alessandro Baricco
Na infância, fui leitor de contos de fadas e, por isso, Mundos de vidro, romance do Alessandro Baricco, me toca tanto: trata-se de uma narrativa que dialoga com o universo fantástico. No entanto, esse autor italiano também me impressiona pelo fato de ter sido o primeiro a mostrar, pra mim, nuances musicais em uma narrativa elaborada com palavras. Percebi avanços, recuos e outros efeitos musicais na prosa incomparável de Baricco.
A arte cavalheiresca do arqueiro zen (1995), de Eugen Herrigel
Em determinado momento da vida, eu estava em busca de informações para me aprimorar como flautista e, então, encontrei A arte cavalheiresca do arqueiro zen. É uma obra de não-ficção escrita por um alemão, professor de filosofia, que traz reflexões e tópicos do pensamento zen budista. Aprendi com o livro, por exemplo, como melhorar a respiração e, de uma maneira geral, a obra foi fundamental em minha trajetória.
Cadernos de literatura brasileira (1996), de Raduan Nassar
Já havia lido Um copo de cólera (1978) e Menina a caminho (1994), dois textos maravilhosos, mas a longa entrevista de Raduan Nassar, publicada pelo Instituto Moreira Salles, é um dos melhores textos sobre literatura que li em minha vida. O Raduan Nassar deixa claro que a relação de uma pessoa com a literatura sempre é pessoal. Ninguém precisa, por exemplo, cursar Letras ou fazer mestrado para ler uma obra ou autor. Essa entrevista é libertadora!
A literatura na poltrona (2007) , de José Castello
No fim da década de 1990, coordenei um evento ligado a livros, realizado num pavilhão do Parque Barigui, em Curitiba, e, naquela situação, conheci o José Castello. Desde então, somos amigos e dialogamos sobre literatura. Sou leitor de tudo o que ele escreve, ficção e textos publicados em jornal e revista. Sempre retorno a esse A literatura na poltrona: o livro traz reflexões sobre o ato da criação, entre outros temas.
Esperando Godot (1976), de Samuel Beckett
Tenho apreço pela tradução do Flávio Rangel, publicada na Coleção Teatro Vivo, da Abril Cultural. Esperando Godot é uma leitura dos meus 18 anos, quando eu estava muito envolvido com o teatro. Em 2008, dirigi uma montagem de Esperando Godot, com Mauro Zanatta e Rosana Stavis no elenco, que ficou em cartaz no Guairinha, em Curitiba. Sempre que tenho a oportunidade, gosto de ver encenações deste texto que, em um primeiro momento, li como se fosse literatura.
Amores mínimos (2011), de João Anzanello Carrascoza
Costumo ler a obra dele em voz alta em rodas de leitura. Além de Amores mínimos, o Carrascoza tem outros livros instigantes, por exemplo, Aos 7 e aos 40 (2013) e Caderno de um ausente (2014). Ele revela cuidado com a escrita, além de tratar dos relacionamentos, seja de pai e filho ou marido e mulher. Me identifico com a obra do Carrascoza e sei que a literatura dele dialoga com muitos leitores.
A porta aberta (1999), de Peter Brook
A obra que revela os processos do dramaturgo inglês, seja como ele seleciona uma peça que vai dirigir ou mesmo de que maneira consegue que o elenco realize uma performance mais intensa. Ler Peter Brook renova o olhar para o teatro e para a vida. A partir da leitura desse livro, comecei a refletir com profundidade a respeito do que posso fazer quando entro em cena em público, por exemplo, num palco.
As paixões do ego (2000), de Humberto Mariotti
Em grande parte da vida, trabalhei em grupo, por exemplo, na música e no teatro. E isso não é fácil. Ao contrário. Por isso, ler As paixões do ego, de Humberto Mariotti, psicoterapeuta e coordenador de atividades de grupo, ajuda a refletir sobre a complexidade de quem vive e atua em coletividade.
Laços de família (1960), de Clarice Lispector
É uma raridade do meu acervo. Trata-se de uma edição com autógrafo, de 27 de julho de 1960, que a escritora dedicou ao meu pai, Milton de Lima Souza (1925-1999), em sessão de lançamento realizada em São Paulo. Nem folheio, pelo valor histórico e emotivo. Tenho outro exemplar, editado recentemente, para reler.