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Boca a boca online

Com uma abordagem diferente da crítica literária, booktubers criam comunidades de leitores na web


Kaype Abreu
Divulgação
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O canal Livrada, do jornalista Yuri Al’ Hanati (à esq), teve sua origem no blog de mesmo nome. À direita, Tatiany Leite, do Cabine Literária, canal que aposta na diversidade de temas e autores.

O Youtube tem sido palco de uma nova forma de troca de experiências literárias. Os vlogs — espécie de diário em vídeo — incorporaram a literatura no hall de assuntos abordados. No Brasil, a plataforma de vídeos do Google abriga dezenas de canais sobre o assunto. Os booktubers — como são chamados os vlogueiros que falam sobre livros — não negam que grande parte dos consumidores desse tipo de conteúdo são adolescentes. Esse é justamente um diferencial. Mas há também espaço para todo mundo. 

É o que argumenta a jornalista Tatiany Leite, do Cabine Literária. O coletivo, composto por seis pessoas com repertórios totalmente diferentes, busca diversificar os temas abordados. No canal, é possível assistir a uma entrevista com John Green (celebridade entre o público young adults — a literatura para jovens adultos), ver uma discussão a respeito do valor do conto para a literatura e acompanhar um vídeo sobre a obra de Clarice Lispector. “Quando as pessoas veem que a gente está falando com tanta naturalidade sobre livros que talvez não estejam tanto na mídia, elas se sentem mais à vontade para ir à biblioteca ou à livraria comprar determinada obra”, afirma Tatiany, defendendo o lado didático da ferramenta. “Acho que os vídeos ajudam as pessoas mais jovens a não terem vergonha de ler”, completa. 

À frente do canal Livrada, que trata de um tipo de literatura mais “adulta”, falando de autores como Liev Tolstói, Milan Kundera e Karl Ove Knausgaard, o jornalista Yuri Al’Hanati também acredita no papel dos booktubers como fomentadores de novos leitores. “As pessoas que leem geralmente são mais solitárias. Os vlogs criam essa sensação de comunidade leitora”, defende. Para Gisele Eberspächer, do canal Vamos falar sobre livros?, essa sensação de comunidade existe graças à informalidade, característica desse tipo de material para internet. “É como se estivesse falando com um amigo sobre o que você está lendo”, conta a jornalista. O fato de parecer uma conversa justifica a opção pelos vídeos, ao invés de se escrever em um blog, por exemplo. “É a maneira como a garotada consome informação”, diz Al’Hanati, do Livrada. 

Eberspächer vê grande diferença entre a crítica especializada e o trabalho dos booktubers. Para ela, até mesmo o processo de leitura de uma obra abordada num vídeo é diferente da maneira como o mesmo livro é tratado no jornal. “Quando eu leio para resenhar em jornal, vou com mais calma, fazendo anotações. A leitura para os vídeos é mais solta, é o meu lazer.” 

Para todos, sem jabá 

De acordo com a gerente de comunicação da editora Rocco, Cintia Borges, o trabalho dos booktubers é visto como uma espécie de “boca a boca” online. A própria ideia das tags, espécie de pauta proposta por um vlogueiro, que é repassada a outros — por exemplo, “5 autores que marcaram sua infância” — reforça isso. Outra prática comum são os desafios anuais, em que os vlogueiros propõem que seu público leia livros que se encaixem em perfis previamente estabelecidos, como romances de formação, contos escritos no século XX, etc. 

Para Cintia, os vlogs e a crítica especializada se complementam. O primeiro alcança um público que o segundo ainda não consegue chegar. “Nada substitui a crítica literária, de forma alguma. [O vlog] é um complemento informal, muito pessoal e igualmente valioso, principalmente quando falamos do público jovem, altamente conectado e leitor não tão assíduo assim dos canais mais formais de crítica literária”, afirma, acrescentando: “O testemunho deles [dos booktubers] é caloroso, sincero e muito positivo”. 

Por isso mesmo, esses vlogueiros despertaram o interesse das editoras, que passaram a ver neles uma oportunidade para potencializar as vendas. Algumas das casas editoriais tem um sistema de parceria. A prática já existia com blogs de literatura, e passou a ser ainda mais comum com os vlogueiros. Algumas editoras mantêm formalmente um acordo, enviando exemplares de seu catálogo, numa quantidade previamente combinada — enquanto outros selos enviam esporadicamente títulos para um ou outro vlogueiro. 

O resultado disso é que muitos vlogs acabam dedicando seus comentá- rios aos lançamentos. Mas é unanimidade, entre os entrevistados pelo Cândido, que ninguém aborda uma obra que não tenha despertado seu interesse previamente. “A gente não é forçado a falar sobre nenhum livro, a não ser que seja uma coisa paga”, afirma Tatiany, do Cabine. Al’Hanati, do Livrada, conta que uma editora já tentou “forçá-lo” a comentar um livro que ele não queria. Mas o vídeo nunca aconteceu. 

Nenhum dos entrevistados diz ter lucro financeiro a ponto de poder se sustentar a partir da postagem dos vídeos. O Youtube usa o sistema de anúncios Google Adsense, que paga por cliques. Isso significa que, quanto maior for o número de acessos de um vídeo, aumentam as chances de se obter cliques e ganhar dinheiro. 

Criado em 2007, o primeiro canal de literatura brasileiro, o Tiny Little Things, de Tatiana Feltrin, tem uma média de 14 mil visualizações por vídeo. Já o Cabine, com uma média de 10 mil visualizações, segundo uma das colaboradoras, rende valor considerável, que é direcionado para melhorias no trabalho do vlog. Gisele, do Vamos falar sobre livros — que tem uma média de 3 mil visualizações — segue na mesma linha: “Não dá uma grana federal, mas dá para tirar alguma coisa”.