Especial Capa: A década de Capote

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Depois de sua morte, há mais de 25 anos, o escritor Truman Capote e sua obra voltaram à moda na última década, impulsionados pelo cinema e pela revalorização do jornalismo literário

Luiz Rebinski Junior


Em 1948, Truman Capote, com apenas 24 anos, alcançava a glória literária ao lançar, pela prestigiosa editora Random House, Other voices, other rooms, seu romance de estreia. O livro vendeu 26 mil exemplares na primeira tiragem e permaneceu nove semanas na lista dos mais vendidos. Fato raro para um autor desconhecido. Depois disso, Capote se tornou o enfant terrible das letras americanas. Mas, como se sabe, o escritor morreu no limbo, à margem do sucesso mundial que conquistou depois que escreveu sua obra-prima, o romance de não ficção A sangue frio. Obcecado pelo sucesso, Capote certamente adoraria ver sua obra festejada novamente, como tem acontecido no Brasil e em outros países. A primeira década dos anos 2000 representou uma espécie de redenção para o escritor que foi considerado o maior escândalo de sua época. Em 2005, seu primeiro livro, Travessia de verão, escrito quando Capote tinha 22 anos, é finalmente publicado, depois de ser “achado” pelo seu antigo zelador em meio a caixas de objetos com pouca serventia na antiga residência do Brooklyn Heights, onde o autor morou nos anos 1950. Em 2006, o filme Capote, de Bennett Miller, baseado na biografia de Gerald Clarke, catapultou de vez a literatura do escritor americano a um novo estrelato — Philip Seymour Hoffman ganhou o Oscar pela interpretação de Truman Capote. Infamous, um filme bem menos festejado, também se dedicou a recriar a investigação que deu origem ao clássico A sangue frio. Meio século depois de Capote ter colocado seu talento a serviço do cinema americano, escrevendo roteiros para filmes como O diabo riu por último, dirigido por John Huston, Hollywood retribuía seu empenho produzindo obras sobre seu legado como escritor.

“Quando um escritor morre, o interesse por seu trabalho normalmente desaparece por vários anos. Se ele é bom — e tem sorte —, uma nova geração, eventualmente, o descobre. Truman Capote morreu em 1984, e uma nova geração o descobriu. O filme Capote, que foi adaptado a partir do meu livro, ajudou muito nessa redescoberta. Os jovens viram o filme e começaram a ler os livros de Truman novamente”, diz Gerald Clarke, que trabalhou durante 13 anos na biografia do escritor.

O livro acaba de ganhar nova edição nos Estados Unidos, corroborando as suspeitas de Clarke sobre a “redescoberta” de Capote por uma nova geração de leitores. “O interesse por Truman Capote é mundial. Eu recebo muitos e-mails de pessoas da América do Sul, Europa e, até, do Oriente Médio. Os livros de Capote já foram traduzidos para muitas línguas. Meu próprio livro está disponível em cerca de quinze línguas, incluindo japonês, grego e polonês, assim como em todos os principais idiomas europeus”, revela Clarke, que foi convidado a escrever a biografia de Capote depois de ter feito um perfil do escritor para a revista Esquire.

E esse entusiasmo mundial pela literatura de Capote reverberou no mercado editorial brasileiro. Na última década, além de uma nova edição da obra-prima do escritor, A sangue frio — que há anos estava esgotado —, a produção ficcional de Capote também foi resgatada. Isso inclui uma nova edição de Bonequinha de Luxo, uma coletânea com seus melhores contos (20 contos de Truman Capote) e a publicação de dois livros até então inéditos por aqui, o romance de formação Travessia de verão e Súplicas atendidas, o roman à clef inacabado que Capote pretendia transformar em sua versão moderna de Em busca do tempo perdido. Some-se a isso novas edições de suas coletâneas de textos jornalísticos, Os cães ladram e Música para camaleões, e uma reunião desses dois livros em um único volume, publicada recentemente com o nome de Ensaios. E, claro, não se pode esquecer da segunda edição da biografia escrita por Gerald Clarke, publicada no rastro do sucesso do filme de Bennett Miller, em 2006.

Uma possível explicação para o ressurgimento de Capote é a revalorização do jornalismo literário, gênero em que A sangue frio é referência. “Desde seu lançamento por aqui, Capote nunca deixou de ser lido. A sangue frio, por exemplo, esteve esgotado por vários anos. Quem o lia? Certamente os estudantes de jornalismo, ao ouvirem a citação de um ou outro professor sobre um modo diferente (daquele tradicional, chamado ‘objetivo’ ou ‘piramidal’) de fazer jornalismo. Por se tratar de obra de referência, possivelmente venderá sempre”, opina Celso Falaschi, professor do curso de pós-graduação da Associação Brasileira de Educação e Jornalismo Literário (ABJL).

Ficando rico e famoso

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Sucesso que, diga-se de passagem, Capote persegiu desde o dia em que entrou na redação da revista Mademoiselle, em 1945, dizendo que não iria embora antes que algum editor lesse o conto que tinha em mãos. A ousadia do garoto pretensioso tinha um porquê. Durante anos, Capote tentou colocar, sem sucesso, sua prosa na prestigiosa revista The New Yorker, onde trabalhou como office-boy e foi despedido por insultar o poeta Robert Frost, àquela época uma instituição da poesia americana. Desiludido com o veículo que julgava ser o mais apropriado para sua estreia literária, Capote se rendeu a revistas menos badaladas, como Harper’s Bazaar e Esquire. Foi a porta de entrada do jovem escritor na literatura. Com uma sequência de bons contos, Capote logo foi alçado à condição de grande revelação das letras americanas, mesmo sem ter sequer um livro publicado. “O mais notável talento surgido este ano foi Truman Capote, um jovem de Nova Orleans que acabou de atingir a maioridade. Podemos prever com segurança que o senhor Capote terá o seu lugar entre os melhores contistas da nova geração”, disse, em 1946, Herschell Brickell, editor do anuário “Contos do Prêmio O. Henry Memorial”, concurso que Capote, anos mais tarde, venceria duas vezes.

Em 1947, a revista Life fez uma matéria com os principais nomes da nova geração americana e Truman, mesmo sem ter feito sua estreia oficial em livro (Other voices, other rooms só sairia em 1948), dominou a matéria, com uma foto de página inteira ilustrando artigos sobre sua ainda incipiente, mas promissora, prosa. A mistura infálivel de talento, carisma e marketing pessoal começava a dar resultados.

“Capote era um grande escritor. Deve-se ressaltar a preocupação estilística dele, mesmo nas produções mais curtas. Esse cuidado sempre está presente na obra dele, seja na literatura de realidade, seja literatura de ficção”, diz Falaschi.

Mas, ainda que tenha feito bastante sucesso com seus livros de ficção, primeiro com Others voices, others rooms e, na sequência, com as novelas A harpa de erva e Bonequinha de luxo, foi com um livro jornalístico, de não ficção, que Capote conquistou fama mundial como escritor.

Em um momento de crise na literatura ficcional dos Estados Unidos, o romance de não ficção de Capote,
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como o autor chamou A sangue frio, revitalizou a literatura americana ao transformar uma história aparentemente sem muita repercussão (o assassinato de uma família no interior do Kansas) em uma verdadeira obra-prima. Depois de cinco anos e meio dos assassinatos, Capote publica seu trabalho, de forma seriada, na revista The New Yorker, a mesma que o enxotou quando era apenas um aspirante a escritor.

Mas, segundo Gerald Clarke, Capote não se frustrou por seu trabalho jornalístico, de alguma forma, ter superado sua produção ficcional. “Ele também considerava A sangue frio sua obra-prima”, frisa o biógrafo. Além de mundialmente famoso, o livro fez de Capote um homem rico. “Um livro num novo formato rende dois milhões de dólares para Truman Capote”, era a manchete do New York Times em 1966, logo após a publicação do livro. O jornal calculou que Truman ganhou quatorze dólares e oitenta centavos por palavra escrita. Dinheiro e fama. Era a combinação perfeita para uma pessoa como Capote, que, desde o início da carreira, se relacionou com um amplo leque de escritores, artistas e figuras da alta sociedade.

Mesmo não sendo a obra inaugural de um novo gênero literário, como Capote afirmava, A sangue frio é sem dúvida um livro monumental. Antes de Capote, vários escritores, quase todos oriundos das redações, haviam tentado vestir os fatos com as cores da ficção. Mas Capote foi o primeiro romancista de estatura a arriscar seu tempo, seu talento e sua reputação em um trabalho tão longo de reportagem.

Mas, se A sangue frio representou o ápice do sucesso do escritor, também foi o começo do fim. Depois dele, Capote nunca mais conseguiu terminar um livro, deixando incompleto Súplicas atendidas, o romance pretensioso que fez dele um pária social ao revelar segredos dos ricos de Manhattan. Apenas três capítulos vieram à tona até a morte do escritor, que durante seus últimos anos de vida sucumbiu ao álcool e às drogas, escrevendo pouco ou quase nada entre a metade dos anos 1970 e 1984, quando morreu em Los Angeles, na casa da fiel amiga Joanne Carson.

“Truman Capote, muitas vezes, era puro sofrimento emocional, mas quando ele estava bem, transformava sua própria vida e a vida daqueles ao seu redor em uma aventura de alta velocidade, uma viagem inebriante por terras desconhecidas”, afirma Clarke, que de biógrafo virou amigo do grande escritor que admirava.