Especial Capa: Com a benção do Bruxo

Revista Machado, idealizada pela Biblioteca Nacional, quer ser uma espécie de guia da literatura brasileira para leitores e agentes estrangeiros

Irinêo Baptista Neto
machado


A página da Machado de Assis Magazine (MAM) na internet é simples e eficiente. Pode-se pesquisar por edições ou por autores, entre outras opções.

Você escolhe entre ler os textos na internet ou imprimi-los — neste caso, cada conto ou fragmento de romance sai com uma capa e adendos que incluem a biografia do autor, informações sobre a edição do livro em português, sinopse, traduções publicadas e referências do tradutor. Além de apresentar o agente responsável por negociar os direitos de publicação.

Funciona como um roteiro possível das letras brasileiras para leitores e profissionais do meio livresco. Haverá uma edição digital a cada quatro meses e uma versão impressa a cada seis.



Revista Machado, idealizada pela Biblioteca Nacional, pretende ser uma
espécie de guia da literatura brasileira
para leitores e agentes estrangeiros

Como fica o Machado de Assis, do desfecho de “A causa secreta”, em espanhol? “Fortunato, en el umbral, donde se quedó, saboreó tranquilo esa explosión de dolor moral que fue larga, muy larga, deliciosamente larga.”

Ou o Cristovão Tezza, do início do capítulo quatro de O filho eterno, em inglês? “The most brutal morning of his life started with interrupted sleep — the relatives were arriving.”

As traduções fazem parte da MAM — além dessas, há outras 22 só na primeira edição digital. A revista é feita pela Fundação Biblioteca Nacional com o Itaú Cultural, o governo de São Paulo e o Ministério das Relações Exteriores.

O objetivo da publicação, como especificado na sua página na internet, é dar ao mercado internacional de livros o acesso a textos traduzidos de escritores brasileiros no intuito de aumentar sua visibilidade no exterior e incentivar a venda de seus trabalhos para editoras estrangeiras.

De acordo com o editorial, a revista surge em um momento muito significativo para o Brasil. “[O país] conquistou a estabilidade democrática e econômica e está enfrentando e vencendo seus grandes desafios sociais”, diz Fábio Lima, coordenador do Programa de Apoio à Tradução e Publicação de Autores Brasileiros no Exterior, da Biblioteca Nacional.

“Neste contexto”, continua Lima, em entrevista ao Cândido, “nada melhor do que a cultura e a literatura para mostrar o Brasil e os brasileiros ao mundo, por isso o crescente interesse pela produção literária nacional.”

Ele explica que a Fundação Biblioteca Nacional (FBN) investe, exatamente, na “internacionalização” do livro e da literatura brasileiros. (Curiosamente, o termo entre aspas, usado por Lima, é a palavra exata que o escritor Tim Parks empregou para descrever o medo de uma “literatura globalizada”, mas essa é uma discussão que não cabe aqui).

O programa da FBN funciona como base para a formulação de políticas públicas para o livro no exterior. “Um número crescente de editoras tem sido atraído pela perspectiva de estabilidade e pela eficiência na execução do programa de internacionalização”, explica Lima.

O programa é baseado em um tripé: fomento à edição, com lançamento de editais para livros diversos; fomento à tradução, que procura valorizar e treinar profissionais; e apoio ao autor, que Lima considera “o melhor agente para divulgar a literatura brasileira”.

A FBN criou, em junho passado, o Centro Internacional do Livro (CIL) para cuidar somente da promoção dos livros brasileiros no exterior. Até 2020, o CIL vai investir cerca de R$ 60 milhões em bolsas de tradução, programas de residência para tradutores e participações em feiras literárias internacionais. O valor é citado pelo presidente da FBN, Galeno Amorim, na apresentação da MAM.

No ano passado, segundo Fábio Lima, a FBN reestruturou o Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores, criado em 1991. Outras iniciativas surgiram ao longo de 2012, como o programa voltado para a publicação da literatura brasileira na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Em colaboração com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a FBN finaliza um plano de apoio à tradução de obras técnicas e científicas.

Todos essas medidas refletem o valor que o tradutor também tem no processo de internacionalização das letras nacionais. “Muitas traduções surgem do interesse do tradutor e de sua articulação com as editoras”, diz Lima.

A dedicação dos tradutores, por vezes, desemboca numa amizade com os escritores. É o caso do Alberto Mussa, que se tornou muito amigo de seu tradutor francês (e curador de sua obra na França), Stéphane Chao.

O contato entre autor e tradutor ocorre durante o trabalho, para que o segundo possa tirar dúvidas com o primeiro. De acordo com os escritores ouvidos pela reportagem, existem dois tipos de dúvidas mais comuns.

Um diz respeito ao significado de frases específicas, quase sempre irônicas. "É interessante porque eu acabo pensando em coisas sobre meus próprios livros que não havia pensado antes. Descobrindo, por exemplo, que usei mais ironia do que imaginava nesses textos", diz Michel Laub.

Marçal Aquino conta que os regionalismos do interior do Pará, onde ambienta Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios, geraram dúvidas. Palavras como kambô (veneno de uma rã usado por índios em um ritual) e maniçoba (prato típico do Pará feito com a casca da mandioca). "Como, no texto, aparecem seguidas de uma explicação do que se trata (...), não houve necessidade nem de notas de rodapé", explica Aquino.

Problemas semelhantes enfrentaram os tradutores de Mussa ao tentar verter para outro idioma conceitos complexos do universo mítico afro-brasileiro, como "Exu" (divindade) e "exu" (com inicial minúscula, espírito desencarnado). "Foram talvez os maiores desafios, solucionados muitas vezes com notas de rodapé", diz Mussa.

Milton Hatoum conta que ainda mantém contato com os seus tradutores e que as questões mais frequentes deles têm a ver com a compreensão de uma situação ou de um vocabulário específico. "Por isso, em algumas edições estrangeiras, há um glossário. Às vezes, o trabalho de um editor estrangeiro melhora a tradução", diz.

 
Para ultrapassar as fronteiras
granta

As novas vozes da ficção brasileira encontram, de fato, cada vez mais caminhos para chegar até leitores em variados pontos do planeta. Durante a última Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), realizada em julho no litoral fluminense, aconteceu o lançamento de Os melhores jovens escritores brasileiros, coletânea com 20 autores, todos com menos de 40 anos — entre os quais Carol Bensimon, Vinicius Jatobá e Michel Laub. É a primeira edição nacional da Granta, respeitada publicação inglesa que já revelou alguns dos grandes escritores da literatura contemporânea.

Outra antologia que deve obter repercussão está sendo organizada por Marlen Eckl, pesquisadora e estudiosa de literatura. O livro será lançado em 2013 na Alemanha, com textos de ficção de novos prosadores traduzidos para o alemão, durante a Feira de Frankfurt — ocasião em que o Brasil será o país homenageado. A obra sai pela editora Lettrétage e contará com a participação dos curitibanos Luís Henrique Pellanda e Marcio Renato dos Santos, além de outras vozes tupiniquins, como André de Leones, Ana Paula Maia e Ricardo Lísias.