Especial Bloomsday | Capa

O maior feriado literário do mundo

Da redação
Reprodução
James Joyce



Entre os muitos feitos de James Joyce, um transcendeu a própria literatura do autor. O Bloomsday — dia 16 de junho, data em que se passa o romance Ulysses — tornou-se uma efeméride literária de dimensão mundial. Nem mesmo Dom Quixote, livro que povoa o imaginário de leitores há séculos, conseguiu esse feito.

A jornada de Leopold Bloom ao longo de 16 horas, narrada no livro, é celebrada em diversas partes do globo com leituras públicas, saraus e, em vários lugares, muita cerveja. Simbolicamente, o Dia de Bloom começou em 1924, quando amigos ofereceram uma festa a Joyce, que estava com problemas de visão e vivia em dificuldade. Em 1954, a festa passou a ser regular em Dublin, com fãs se reunindo para beber e celebrar.

Mesmo não sendo uma leitura de fácil assimilação, o livro se tornou um mito — e parte dessa mitologia, claro, está ligada justamente às dificuldades estilísticas criadas por Joyce para narrar coisas banais que acontecem na vida de um homem comum.

Joyce se apropria da estrutura da Odisseia, de Homero, para mostrar como cada vida é tão heroica ou ordinária como o mito de Ulysses. O enredo de quase mil páginas acompanha diversas atividades de Leopold Bloom, um judeu de meia idade que trabalha como vendedor de anúncios publicitários em Dublin e é casado com uma mulher infiel, a senhora Molly.

Bloom, também chamado de Poldy, acorda, toma café, vai ao trabalho, comparece ao enterro do amigo Paddy Dignam, almoça, vai à biblioteca, ouve música em um bordel e volta para casa às 3 da manhã. O que poderia ser um roteiro enfadonho para um escritor comum, nas mãos de Joyce se transforma em um palco para reflexões filosóficas, debates religiosos e de consciência.

Para isso, o escritor se utilizou de inúmeros recursos narrativos, sendo o mais famoso deles o monólogo interior. Conforme explica o biógrafo Richard Ellmann, “Joyce estivera preparando-se para escrever Ulysses desde 1907. O livro ficava cada vez mais ambicioso em seu objetivo e método, e representava uma súbita irrupção de tudo o que ele aprendera como escritor até 1914. Seu uso de muitos estilos era uma extensão do método de Retrato de um artista quando jovem”.

Mais do que os acontecimentos e os personagens principais (Bloom, Molly e Dedalus), Ulysses compila cerca de 200 incidentes diferentes que se passam ao longo do dia de Bloom e traz uma enormidade de personagens secundários. Muitos deles, assim como os protagonistas, foram extraídos da realidade de Joyce. Essa dualidade entre mito e realidade, permeada por uma narrativa revolucionária, faz de Ulysses uma obra ímpar.

A seguir, o Cândido homenageia a epopeia moderna de Joyce. A tradutora e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Dirce Waltrick do Amarante faz um relato sobre suas andanças pelo mundo atrás das pegadas de Joyce e seus personagens. E o escritor Caetano Galindo, que verteu Ulysses para o português, cria uma ficção em que Leopold Bloom (e seus vários duplos) é flagrado nas ruas de Curitiba.

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Além de Ulysses

James Augustine Aloysius Joyce nasceu em 2 de fevereiro de 1889, em Dublin, e era o mais velho entre 10 filhos. Foi profundamente influenciado por sua vivência irlandesa, e essa marca povoa toda sua obra. A começar por Dublinenses (1914), sua estreia literária. Nessa coletânea de contos, Joyce disseca a alma irlandesa, mostrando profundo conhecimento das ambiguidades de seu povo. O primeiro romance do autor, Retrato de um artista quando jovem (1916), permeado de elementos autobiográficos, conta a história de infância de Stephen Dedalus, alter ego de Joyce. O romance faz uma reconstituição bastante vívida da educação de Joyce e do desejo do protagonista de escapar das convenções políticas e religiosas que abafam sua criatividade artística. Dedalus volta a aparecer em Ulysses, dessa vez como um jovem perturbado em busca de uma figura paterna. De difícil gestação, o livro foi publicado em 1922, com ajuda financeira da americana radicada em Paris Sylvia Beach. Ficou proibido de circular nos Estados Unidos e na Inglaterra até 1933 — acusado de ser pornográfico. Nessa época, Joyce já trabalhava no seu romance mais radical, Finnegans wake (1939), publicado apenas dois anos antes da morte do escritor, em Zurique, em 1941.