Entrevista | Caetano W. Galindo

O ano Galindo

Da Redação

Foto: Cristovão Tezza


Pode-se dizer que 2013 foi o ano de Caetano W. Galindo. O tradutor e escritor curitibano ganhou dois importantes prêmios — Academia Brasileira de Letras e Jabuti — pela tradução do clássico Ulysses, do irlandês James Joyce. Como se não bastasse, o ano se encerrou com a estreia do autor na ficção, com a coletânea de histórias curtas Ensaio sobre o entendimento humano, vencedor do Prêmio Paraná de Literatura na categoria Contos (Prêmio Newton Sampaio). Finalizado dias antes do encerramento das inscrições do Prêmio, o livro de Galindo aposta em uma linguagem concisa, mas ousada. “Não acho que se trate de um livro escrito sob o signo da ‘invenção’, da ‘vanguarda’ ou qualquer dessas coisas aí”, diz o escritor. Galindo também fala sobre a influência de sua atividade como tradutor em sua escrita literária e de como é ser contemplado com um prêmio estadual em um gênero que rendeu ao Paraná uma linhagem de grandes escritores. “Nós somos a terra do maior contista do Brasil. E Newton Sampaio, que dá nome ao prêmio, também é uma figura de respeito... Fico bem feliz de me filiar, ainda que temporariamente, a essa linha.”

Ensaio sobre o entendimento humano apresenta contos com variedade de linguagem, entre um texto e outro. Acima de tudo, é evidente uma aposta na linguagem, com ousadia. Como você elaborou esse projeto literário e durante quanto tempo escreveu e reescreveu os contos?
Olha.. Eu nem sei se eu mesmo caracterizaria o livro necessariamente nesses termos. Se existe ali uma aposta na linguagem, ou até uma certa ousadia, me parece que ela está principalmente, senão exclusivamente, num encampamento mais ativo e mais tranquilo de certas formas e flexibilidades de uma oralidade que às vezes a literatura deixa de lado, e que foi uma necessidade que eu aprendi a encarar com muita naturalidade por causa do meu trabalho como tradutor. É bem verdade que a estrutura de certos contos, e talvez até a estrutura do próprio livro, chama um pouco mais atenção para si própria do que em alguns outros casos. Mas eu não acho que se trate de um livro escrito sob o signo da “invenção”, da “vanguarda” ou qualquer dessas coisas aí. Talvez a questão seja simplesmente que ele já foi escrito reconhecendo como ferramentas naturais da escrita de prosa literária coisas que um tempo atrás ainda eram necessariamente rotuladas como “experimentais”... Talvez o tempo do experimental tenha passado, e talvez seja a hora de fazer as contas, de se servir do que houve de ganho, sem a ativa polemização ou o carregar-bandeira da vanguarda, da ousadia. E nesse sentido é que eu te digo que não houve um “projeto”, uma “intenção” ousada. Aquelas eram somente as únicas formas que surgiram para este indivíduo dizer aquelas coisas naquele momento. As que me pareceram as melhores, as mais adequadas e, nesse sentido, as mais naturais. Hmm... tem algumas coisas no livro que eu tinha na gaveta havia bastante tempo. Coisas que ia me dando vontade de escrever. Outras eu escrevi só pra completar o livro, na semana anterior ao fechamento das inscrições. Duas das “Bienais”, por exemplo. O conto da menina na ponte. O do casal indo dormir... E foi nessa semana final também que o livro ganhou um título e a estrutura picada e intercalada que tem. Em suma, foi ao mesmo tempo um projeto lento e apressado. Alguns contos, pra você ter uma ideia, coisas de 15, 20 anos atrás, não entraram porque não achei as cópias que devo ter aqui em casa em algum lugar... tem de tudo ali.

Você é um tradutor que já verteu para o português obras de Thomas Pynchon, David Foster Wallace e James Joyce. Como e de que maneira a literatura desses autores, e mesmo outros que você traduziu, estão ou não presentes nos contos de Ensaio sobre o entendimento humano?

Acho que a tradução, pra mim, acabou servindo como treino mesmo. Um tradutor de um romance é, e eu não canso de repetir isso por aí, o escritor de um romance. Só não cabe ao tradutor conceber a obra. Mas a execução é em certa medida dependente dele hoje como foi dependente do escritor no momento “original”. É preciso dominar a prosa literária, suas delicadezas e sofisticações. Eu tive a sorte de traduzir autores de um nível extraordinário nos últimos anos, e é claro que o nível do desafio que eles propõem ao tradutor te força a subir uns degrauzinhos de competência. Um tradutor de prosa não pode destruir um romance colocando a palavra X “errada” no lugar da palavra Y “correta” como os leitores muitas vezes e os críticos eventualmente parecem pensar. Isso no máximo incomoda. Atrapalha. Azeda a leitura. Mas um tradutor ruim pode, sim, com imensa facilidade, destruir um romance ou um conto ao não perceber a relevância de um termo (ou de termos de um determinado campo semântico) para o universo temático ou simbólico de uma narrativa. Ele pode acabar com a prosa de um autor ao não dar conta da delicadíssima rede de detalhes que faz com que o discurso indireto livre, essa ferramenta básica do romancista pós-Flaubert, se sustente e evoque, e provoque, todos os seus efeitos. Às vezes toda a balança que pende entre atribuirmos uma frase ao narrador ou ao pensamento do personagem pode se desequilibrar pela escolha de um substantivo mais ou menos “pobre”, mais ou menos “marcado”, “característico”. E pra fazer isso tudo o tradutor, como sempre, tem de ser um hiperleitor. E essa formação, somada à necessidade de depois reproduzir os mesmos “encantos” em português para mim foi essencial.

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Charles Kiefer, jurado e autor do texto de apresentação do seu livro, afirma que ele, e os demais integrantes do juri, Beatriz Rezende e Raimundo Carrero, têm certeza de que Ensaio sobre o entendimento humano é “muito boa literatura”. Como você, que também é professor universitário de literatura, recebe essa afirmação?

Bom... primeiro com imensa gratidão. A banca que escolheu os vencedores da categoria de contos é de um grau de qualificação atordoante. Todas as três bancas, na verdade. Mas fiquei de fato chocado quando vi quem foram as pessoas que escolheram o meu livro. E essa “certeza” do Kiefer, que já ganhou tipo três Jabutis na categoria contos, né?, é de fato um afago bem morninho. Fico, claro, muito feliz. Em segundo lugar, assim sem ter acesso ao texto todo dele, não sei bem se ele está polemizando com certas noções de “relativismo” ou puramente manifestando satisfação... De qualquer maneira, retorno, eu, à minha satisfação.

O que representa para você ter vencido o Prêmio Paraná de Literatura 2013 na categoria Conto?
Representa muito. Acho incrível a iniciativa da BPP, toda revigorada na gestão Rogério Pereira. Acho absolutamente relevante a existência desse prêmio, a seriedade com que ele foi concebido, executado... Acho que se trata de uma iniciativa que tem tudo para entrar para a história da literatura brasileira, e paranaense, até por vir como que coroar um momento particularmente fértil, produtivo, das letras locais. Nesse sentido, ganhar o prêmio já é uma grande felicidade. E ser o único paranaense (ainda que haja mais um adotivo) entre os três premiados deste ano (e entre os seis até aqui, né?) me deixa ainda mais feliz. Sobre ser na categoria contos, ora, tem duas coisas. Uma é que eu me inscrevi também na de poesia! A outra é que o Paraná tem uma bela tradição de contos, né? Nós somos a terra do maior contista do Brasil. E Newton Sampaio, que dá nome ao prêmio, também é uma figura de respeito... Fico bem feliz de me filiar, ainda que temporariamente, a essa linha.

E o próximo passo? Tem outro livro esboçado ou na gaveta?
Próximo passo... veja bem... Eu sou professor universitário, que é uma carreira que não é exatamente famosa por ser tranquila. Fora isso, eu traduzo romances nas proverbiais “horas vagas”, e estou com a minha agenda de tradução ocupada pelo menos até 2015, direto. Sobra pouco tempo. Mas vamos ver. Gostei da brincadeira, claro. Fiquei muito tentado a “virar escritor”. Quando acontecer, se acontecer, será culpa total do Prêmio Paraná.

Como você analisa a cena literária brasileira contemporânea, por onde você passa a circular a partir de agora? Destaca alguma tendência ou autores?
A cena? Bom, primeiro que pra fazer parte de qualquer cena literária, apesar da importância e do peso desse prêmio, ainda me falta comer muito feijão. Ok? Ok. Sobre análises. Sim.. algumas tendências, né? De um certo realismo que fez as pazes com Tolstói (com a brilhante exceção de um Carlos de Brito e Mello, por exemplo). De um romance middle-brow, como disse o André Conti. Uma curiosa presença de suicídios.... (até no meu tem um. ou não. depende.). Acima de tudo, muitos autores muito interessantes na faixa dos trinta e poucos, quarenta anos. Muita coisa mesmo sendo produzida. Agora, se for pra destacar um nome, tem que ser o do Galera. Eu sou fã de carteirinha do André Sant’Anna, por exemplo. Mas ele quase não escreve mais. Eu gostei demais do livro de estreia do Lyrio. Mais ainda é uma estreia. Uma promessa. O Galera é cara que tem tudo na mão neste momento. Antes dos 35 anos ele já escreveu um belo romance, um puta romance e um romanção. Pelo menos. E tem uma carreira sólida e comprometida. Ele ainda vai dar muito mais o que falar. E sabe tudo.