Entrevista | Adriana Griner

Ousadia de estreante

Em seu primeiro livro, Adriana Griner recria histórias do Antigo Testamento para falar sobre temas como a condição da mulher na sociedade. no início, coletânea que traz 13 histórias curtas, foi o vencedor na categoria Contos do Prêmio Paraná de Literatura 2014

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Vencedor da categoria Contos do Prêmio Paraná de Literatura 2014, no início é um livro ousado, tanto na forma quanto no conteúdo. Escrito ao longo de quatro anos, a coletânea traz contos que recriam, com uma linguagem bastante peculiar, relatos bíblicos. É a estreia de Adriana Griner na literatura. Segundo ela, no início nasceu de uma releitura do Gênesis, o que originou inicialmente dois poemas, mais tarde transformados em prosa. “Mas ambos os poemas estavam super colados no Antigo Testamento, eram mais a expressão da surpresa que eu tive ao reler essas histórias, como uma mulher adulta, do que propriamente uma recriação”, diz a autora, que voltou ao Brasil depois de um longo período em Israel.

Carioca, nascida em 1962, Adriana diz que a estreia relativamente tarde na literatura foi benéfica para ela como escritora. “Tive tempo de madurar minha escrita, de pensar o que realmente valia a pena trazer a público. Quando resolvi publicar no início, tinha maiscerteza do que estava fazendo”. Essa segurança é corroborada pela também escritora e jurada do Prêmio Paraná Cíntia Moscovich, para quem o livro traz “um belo trabalho de linguagem, em estilo contemporâneo, mas fiel e próximo ao texto original”. A seguir, confirao bate-papo com Adriana Griner.

no início marca sua estreia na literatura, mas certamente não foi o primeiro trabalho literário que você produziu. Fale um pouco sobre seu percurso como escritora antes do Prêmio Paraná.

Eu sei que não é muito comum pessoas chegarem à minha idade sem publicar. Quem publica ao longo de sua vida o que escreve vai amadurecendo enquanto escritora, vai se acostumando com a crítica, incorporando uma forma de escrever de seu tempo e crescendo com ele. Como nunca publiquei, não cresci assim. Mas posso olhar de outra forma: tive tempo de madurar minha escrita, de pensar o que realmente valia a pena trazer a público. Quando resolvi publicar no início, tinha mais certeza do que estava fazendo. Assim como tenho certeza de um livro de poemas que ainda quero publicar. Quanto ao resto... que bom que existem latas de lixo e a tecla delete...Talvez também o fato de eu ter me mudado para outro país, e ter me tornado semi-analfabeta aos 30 anos tenha influenciado no meu silêncio enquanto escritora. Quando você não é capaz de ler um livro do começo ao fim, e vê que ainda assim é possível viver, você começa a repensar uma série de coisas.

Na orelha de no início, a escritora e jurada Cíntia Moscovich destaca, entre outras qualidades da obra, a ousadia de reescrever “o livro dos livros”. Você teve algum receio de recriar um texto tão fundamental? Que tipo de cuidado tomou durante as etapas de pesquisa e produção do material?
Bem, eu ainda não sei se fui ousada ou muito pretensiosa. Na verdade, quando comecei a escrever não era ainda um livro de contos. Eu estava relendo o Gênesis, que não relia desde a adolescência, e escrevi primeiro “sarai” como um poema, e depois “as filhas de lot”. Mas ambos os poemas estavam super colados no Antigo Testamento, eram mais a expressão da surpresa que eu tive ao reler essas histórias, como uma mulher adulta, do que propriamente uma recriação. Era mais um produto de uma imensa tristeza, de um choque. Eu tinha ficado muito impressionada com todas essas mulheres que eram apenas paisagem ou objeto de suas histórias, que não tinham voz. Daí eu tinha de reescrever,
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não é? Enquanto fui escrevendo, tive o cuidado de cotejar sempre as traduções em português e inglês com o original. Pesquisei também um pouco sobre a fauna e a flora da época do Talmud. E sobre construções. Mas não muito mais que isso. Porque eu não estou recontando a Bíblia, eu estou recriando. Ou seja, quem quiser ler o Gênesis precisa ir lá e ler o original. O que eu estou fazendo é outra coisa. Algumas histórias estão bem ligadas ao texto original, mas a perspectiva é outra, eu estou narrando a história de Sarai, de Dinah, das filhas de Lot. O que me importa é o que elas sentiram, como elas viram suas próprias histórias, como elas sofreram seu destino. Em outros contos, o Gênesis foi só a base para criar histórias imaginárias, como em “a mulher de shem” ou “babel”. Mas eu acho que fui escrevendo simplesmente, como quem escreve qualquer outra história, sem muita noção de que o que eu estava fazendo era algo tão pretensioso. Talvez se não fosse essa minha inocência, não teria escrito o livro.
Quanto tempo levou entre ter a ideia inicial até a conclusão da obra? Houve intervalos? Escrevia todos os dias? Mostrou para algum interlocutor?

Acho que levou entre três e quatro anos, desde a ideia inicial até a conclusão da obra. Ou cinco anos, não tenho certeza. Eu não escrevo todo dia. Acho que nem escrevo todo mês. Eu sempre trabalhei muitas horas no dia, então o tempo de escrever sempre foi o tempo que sobrava do trabalho. Tive férias de um de meus trabalhos em dois janeiros, e nesses janeiros o livro caminhou bastante. E então no ano passado eu fiquei desempregada e quando consegui um trabalho eram só poucas horas semanais, e foi assim que o livro acabou de ser escrito. Só mandei para um círculo de amigos bem próximos, pessoas de quem eu nada tinha a temer. É claro que sei que isso não dá a dimensão do livro, e os elogios que recebia eu considerava como elogios de amigos. Não tinha muita noção se o livro era bom ou não.

Apesar de conter histórias independentes, no início tem uma unidade marcante. Você chegou a pensar em organizar o livro como um romance? Por que a opção pelos contos?

Não pensei em fazer um romance, não. Como eu disse, começou como poemas. Mas eu acho que o Gênesis pede uma estrutura de contos. Mesmo sendo histórias que se superpõem, que retomam certos temas. Talvez uma estrutura de Mil e Uma Noites tivesse a ver com ele. Mas cada uma das personagens do meu livro merece sua história, seu espaço. Acho que em um romance perderia esse espaço que eu dei a cada uma delas. Eu cheguei até a pensar em uma edição do livro em que cada conto teria uma folha de rosto, com o nome da personagem. Dizendo claramente: eu tenho direito a este título.

Quais são as suas influências literárias em geral e, especificamente, neste livro? Inspirou-se em alguma obra semelhante?

Eu não acho que tenha sido uma inspiração direta, mas Saramago já fez isso antes, não? É claro que não chego aos pés dele, mas não fui a primeira nem a última a reescrever a Bíblia. Como influências, tem as óbvias, como Clarice Lispector e Virginia Woolf. Outras menos, como Kafka e o Italo Calvino das Cidades invisíveis. E os que escreveram o Antigo Testamento. No livro, aqui e ali tem umas homenagens, como a Guimarães Rosa e a Clarice. E tem as influências mais transversais ainda, como Pessoa, Bandeira e Mario Quintana, as que me fazem como pessoa. Ou que eu gostaria que me tivessem feito. E a linguagem do livro tem a ver com o primeiro capítulo de Mimesis, do Auerbach. Ah, e “babel” foi originalmente um poema escrito a partir de Ecolalias, do Daniel Heller-Roazen.

Quais são as suas expectativas após vencer o Prêmio Paraná? Gostaria de passar a fazer parte do chamado “circuito da literatura”? Já tem planos literários para 2015?
Alguém me falou, por estes dias, que preciso ter coragem de falar dos meus sonhos. Então aí vai: que leiam meu livro, que gostem, que falem dele pelas esquinas, que um dia alguém acorde e pense: aquela história me fez pensar, ou um outro alguém diga sem pejo: aquela história me fez chorar, aquela história me doeu, aquela história me fez feliz. E como estou no terreno dos sonhos e dos delírios, que eu escreva muitas outras histórias, que eu possa viver do que escrevo, que escrever não seja apenas um tempo roubado. Bem, quanto ao “circuito da literatura”, acho que aí já é cair muito no real e sair do terreno das expectativas e dos sonhos. O mesmo vale para planos literários em 2015.