Cândido indica

Esperança para voar
Rutendo Tavengerwei, Kapulana, 2018 (Tradução: Carolina Kuhn Facchin)
Estreia de Rutendo Tavengerwei, Esperança para voar é um romance ambientado no Zimbábue, terra natal da escritora, especificamente em 2008 — ano em que uma crise política provocou tremor de terra no país africano. Há recriações de adversidades daquele contexto, em que a comida era pouca e a liberdade, inclusive de falar, mínima. No centro da narração está a jovem Shamiso, que retorna de uma temporada europeia e tenta se adaptar ao Zimbábue, no momento em que perde o pai, um jornalista que fazia oposição ao regime ditatorial da época. Shamiso também acompanha a luta de uma amiga, Tanyaradzwa, que enfrenta um câncer. Reinvenção da realidade e suas inevitáveis pedras no caminho, que surgem na trajetória de todos humanos — estejam onde estiverem.

Onde se amarra a terra vermelha
Marco Aurélio Cremasco, Nave Editora/Nauemblu Ciência & Arte, 2018
Coletânea reúne 26 crônicas que Marco Aurélio Cremasco publicou no jornal O Diário do Norte do Paraná, de Maringá, entre 2011 e 2016. É uma seleção de textos que têm relação com as origens do escritor, nascido em Guaraci (PR) e radicado há alguns anos em Campinas (SP). Cremasco vale-se de uma prosa instigante para conduzir os leitores a um universo mítico: o seu Paraná profundo, já antigo, repleto de personagens, lendas e cenários que, em 2018, só existem no imaginário do autor (e nestas crônicas). “Velha foto” é um exemplo de potência lírica do narrador, que se dá conta de que ele só existe porque outros, seus ancestrais, já não existem, mas permanecem em lembrança ou em um antigo retrato desbotado.

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O cortiço
Aluísio Azevedo, Todavia, 2018
A ganância e a inveja do português João Romão são os fios condutores deste romance de 1890, situado no Rio de Janeiro, que captou o clima de incerteza e mudanças sociais do Brasil naquele momento. Alheio à culpa, Romão finge alforriar a escrava Bertoleza e, juntos, constroem a “pequena África” do colonizador branco em nosso país tropical. É o cortiço de João, próspero devido à desonestidade de seu dono, que se torna a personagem principal desta obra ao amalgamar várias figuras exóticas e suas tragédias — como a portuguesa Piedade, que se torna alcoólatra após seu marido, Jerônimo, traí-la com a brasileira Rita Baiana.

Sax áspero
Marco Polo Guimarães, Confraria do Vento, 2017
A melancolia se destaca nos versos imagéticos deste que é o sexto livro de poemas do pernambucano Marco Polo Guimarães. O eu lírico percebe a desolação dos cenários urbanos (“são esses meninos de rua/ são esses gravetos grávidos”), canta o suicídio dos amigos (“Teve a vida que não pediu a Deus./ Devolveu.”) e relembra a infância (“brincava de chuva/ subia no coqueiro/ mijava lá de cima”). É através de imagens bem elaboradas e figuras de linguagem que os versos expressam desesperança, antes sutil do que desesperada, como, por exemplo, neste pedido: “Não acordem Lázaro/ ele não quer/ está livre do mundo.”