ORELHAS MARCADAS 18/09/2025 - 12:19

Por Carlitos Marinho

 

O jornal Cândido inicia a seção Orelhas Marcadas, inspirada pelo Love for the Sentences, de Frank Bruni, no The New York Times. A ideia é que, nas próximas edições, as(os) leitoras(es) possam colaborar com frases que chamaram a atenção. Pode ser o trecho de uma notícia, uma crônica ou até mesmo de uma newsletter — algo que tenha provocado uma reflexão, uma risada, um fio de esperança ou a mais absoluta descrença na vida. Seja o que for, mande-nos aquilo que merece ser eternizado além dos quatro segundos de dopamina — tema que você encontra abaixo, nas orelhinhas destacadas.

Por estar inserido no meio digital, o Cândido entende que a interação com seus leitores faz parte da nova forma de fazer e consumir jornalismo — ou pelo menos de não fazer morrer o pobre coitado. Para indicar trechos favoritos de textos recentes envie-nos um e-mail aqui (jornalcandido@gmail.com) e inclua seu nome e local de residência.

1º de agosto de 2025 — Na Folha de S.Paulo, Gustavo Alonso refletiu sobre como os carros elétricos estão mudando a paisagem sonora das cidades, encerrando a era da "carrocracia". "Eis que chega o carro elétrico. Foi até difícil ouvir o car­ro de aplicativo chegar. Do lado de dentro, o agradável som ligado também foi marcante. Percebi particularidades sonoras que nunca tinha notado, mesmo no aparelho de som mediano do carro elétrico mais popular. O fim do ruído do motor permite que ouçamos o que verdadeiramente importa."

7 de agosto de 2025 — Em sua newsletter, Camilla Feltrin escreve que, para muita gente — como Sartre em A Náusea —, a pior hora do dia é três da tarde: sempre cedo demais ou tarde demais para fazer qualquer coisa. Para a escritora, porém, o fim da tarde é ainda pior: "Seis e meia é o horário em que os latidos dos cachorros se misturam com o cheiro de feijão dos vizinhos, carro, caminhão, caçamba, suor dos trabalhadores, TV alta, panela de pressão, desodorante aerosol dos adolescentes, buzina, fumaça preta, asfalto quente. (...) Seis e meia é o horário em que todos os sentidos são estimulados da pior forma possível."

9 de agosto de 2025 — Carioca e apaixonado por barreado, Eduardo Goldenberg transforma cada preparo do prato em um evento. Desde 2013, já promoveu 13 edições do seu Barreado de Morretes — uma delas, em Londres, na casa da amiga Lelê. Depois de ouvi-la dizer o quanto considera mágico o prato paranaense, respondeu em sua newsletter Buteco do Edu: "O Barreado de Morretes, cujo preparo se assemelha a uma reza, um ritual, a um calvário e a um holocausto que nos leva à redenção do caldeirão-aberto, é mágico por si só".


 

15 de agosto de 2025 — Também em newsletter, a escritora Cecília Giannetti fez um relato brutal e íntimo sobre a convivência com a mãe, entre lembranças de infância marcadas pela violência doméstica e reflexões sobre velhice, descuido e dignidade: "Não é preciso odiar. O ressentimento, depois de décadas, torna-se um inconveniente cansativo. Já há algum tempo eu deixei de sentir raiva e observo minha mãe como se eu fosse uma detetive particular contratada por mim mesma, e, ao mesmo tempo, por alguém que já não sou mais."

24 de agosto de 2025 — O artista multidisciplinar Fausto Fawcett escreveu uma resenha na última edição de nº163 do Cândido sobre a obra Catatau, primeiro romance de Paulo Leminski, que completou 50 anos neste ano. Depois de pegar o Catatau em mãos na livraria Muro, em 1975, Fausto conta que descobriu uma espécie de tábua de desmandamentos mentais que o acom­­panharia por toda a vida. "Os livros Laranja Mecânica (Anthony Burgess, 1972), Água Viva (Clarice Lispector, 1973), Fragmentos de Sabonete (Jorge Mautner, 1973), Xadrez de Estrelas (Haroldo de Cam­pos, 1976) e Catatau formaram, para mim, uma poderosa coleção de talismãs literários. Como se fossem lâmpadas que esfregadas liberassem gênios variados revelando, desvelando, escancaran­do delícias terríveis ocultas no co­tidiano dos ambientes humanos. Ambientes mentais, sensoriais, e­ró­ti­cos, simbólicos. Catatau mexia∕mexe com tudo. É o Catatau de tu­do. Anos 70. No meio de uma di­tadura adubada por uma Guerra Fria que esquentava as cabeças com a possibilidade de uma aniquilação nuclear os assim chamados artistas refinavam a irreverên­cia criando delírios cheios de luci­dez crítica visando escancarar a sensação de Juízo Final que pairava∕paira sobre o planeta."

27 de agosto de 2025 — Em sua coluna no O Globo, Martha Batalha narrou o momento em que entendeu o traço de Jaguar. Morto no dia 24 de agosto aos 93 anos, foi um histórico cartunista que ajudou a fundar o jornal O Pasquim, e que se tornou símbolo de oposição à ditadura militar brasileira. "Em 2008, num encontro em Nova York com o publisher da Ediouro, Jorge Carneiro, e o editor de cartuns da New Yorker, Bob Mankoff, perguntei por que a revista não publicava nenhum dos excelentes cartunistas brasileiros. Bob (e pensem aqui num hippie aristocrata) me disse que o estilo de alguns brasileiros era grotesco demais para a revista. Na mesma hora entendi o traço irregular e original de Jaguar. Ele não era um artista grotesco, no sentido de tosco ou pouco sofisticado. O Brasil que ele via era grotesco. Coube a ele retratar de modo fiel e brilhante o país."

 

28 de agosto de 2025 — Na Folha de S.Paulo, a bióloga e neurocientista Suzana Herculano-Houzel ironizou o discurso simplista de influ­en­ciadores digitais que resumem motivação à liberação de dopamina no cérebro: "Se liberar mais dopamina é bom, expliquem-me en­tão, influenciadores, por que con­sumir regularmente uma cocai­na­zinha, que aumenta em dez vezes ou mais a quantidade de dopamina ao redor dos neurônios, não é uma boa ideia. Hmmm?"

1º de setembro de 2025 — Chico Barney, colunista do UOL, criticou as frequentes mudanças de horário na grade da Globo causadas pela transmissão de jogos de futebol, que precisou ajustar a exibição do reality musical Estrela da Casa para acomodar partidas ao vivo. "E na quarta, já na segunda semana, vão mudar a data de exibição do dia mais importante do programa, por culpa da CBF, por culpa da Seleção Brasileira, por culpa da Copa do Mundo, não sei se é eliminatório, não sei se é amis­toso, mas culpa do Carlo Ancelotti. (...) Eu não vejo a hora da Globo abrir mão dos direitos de exibição do futebol no Brasil. Ninguém aguenta mais futebol. Não tem mais porquê futebol. Todos os times já jogaram um contra os outros. Não tem mais novidade ne­nhu­ma. No Estrela da Casa, tem novidade"

8 de setembro de 2025 — Na Zero Hora, Cláudia Laitano lembrou o escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo, mestre da crônica brasileira, morto em 30 de agosto aos 88 anos, contrapondo-o ao seu duplo imaginário. "Luiz 'com z' Fer­nando Verissimo era o gêmeo sem graça do Luis ‘com s’ Fernando Verissimo. O Luis, casado com a Lúcia, pai da Fernanda, da Mariana e do Pedro, avô da Lucinda e do Davi, era elegantíssimo na vida como nos textos, no beira-rio como na Rive Gauche. Do Luiz a única coisa que se sabe, com certeza, é que odeia o Big Brother e costuma abusar dos clichês. Pode ser que torça para o Grêmio, more em São Paulo e seu verdadeiro nome seja Adelaide. Tudo é possível. Ao contrário do Luis, lido e amado no Brasil inteiro, Luiz nunca deu entrevistas, nunca distribuiu autógrafos, nunca foi tema de escola de samba. Luis Fernando Verissimo era tudo que o Luiz Fernando Verissimo gostaria de ser."


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Carlitos Marinho nasceu em Mariluz, no Paraná. Formado em Jornalismo pela Unicentro, em Guarapuava. Atualmente, trabalha na Secretaria de Comunicação do Paraná e é colaborador do jornal Cândido.