Infantil | Prêmio Biblioteca Digital 29/01/2021 - 12:42

Leia trecho de Achados e Perdidos, de Lindomar da Silva, segundo colocado no concurso promovido pela BPP e disponível gratuitamente em e-book

achados
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Ganhar ou perder faz parte do jogo. Pode até dar empate, mas isso também faz parte da partida e da jornada da vida. Você conhece alguém que nunca perdeu nada nem ninguém? Desconfio de que não conheça. De repente, esse alguém é você. Aposto que já perdeu um brinquedo, outra coisa qualquer, uma pessoa conhecida, ou um bicho. Você também deve ter encontrado por aí, pelas idas e vindas da vida, coisas de valor inestimável, pessoas queridas, ou bichos que se tornaram de estimação. O jogo da vida é assim, nem sempre a gente perde, a gente também acha. E cada um carrega os achados e perdidos pela vida afora, adentro, afundo. Sempre vida.

Quando se perde alguma coisa, quem disse que é fácil de encontrar? A depender do que se perde, e onde se perde, nunca mais se encontra por mais que procure. Já imaginou encontrar uma agulha no palheiro? “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”, já escreveu o poeta. E mesmo assim tem gente que não aprende. “Aprender dói”, disse papai, papagaiando pela casa. “Aprende que dói menos”, respondeu mamãe, caminhando na mesma direção. Prefiro aprender com alegria, pensei comigo mesmo, mudando o rumo da prosa. A lição já sabemos de cor, mas praticar que é bom são outros quinhentos. Falo isso de cadeira, mas agora estou de pé, revirando caixas e gavetas de ponta-cabeça. “Um dia, coloco todas as contas no débito automático”, prometeu papai entre papéis. Esse dia ainda não chegou e nem sei se vai chegar, vou logo avisando. Toda vez que acontece, e acontece quase sempre — até perdi a conta —, é um deus nos acuda. Ele perde a cabeça, o rumo e o prumo. E nós também. Procuramos daqui, procuramos dali; mamãe procura de lá, e, se ninguém encontrar, o jeito é pedir a segunda via e pagar logo, para não correr o risco de perder de novo. “Se não aprende no amor, aprende na dor, com juros e correções monetárias”, alfinetou vovô, na cadeira de balanço, vendo as coisas de pernas para o ar. Juro que não vou puxar a papai nessa coisa de perder as contas. Será que vou dar conta? Mas, em muitas outras coisas, quero ser igualzinho a papai, sem tirar nem pôr. Por exemplo? O jeito educado e carinhoso com que ele trata as pessoas. Até quando chama minha atenção, papai é amoroso comigo. “Corrigir os filhos como se deve é dever dos pais”, sempre me lembram papai e mamãe. E olha que tem pais que não sabem corrigir os filhos. Eles esquecem que os filhos crescem e, aí, pode ser tarde demais. “É de pequenino que se entorta o pepino”, disse vovô, lembrando o velho tempo de menino. Eu tenho um amigo de escola que vive uma realidade muito diferente da minha. Ele conta que os pais dele vivem brigando, que nem gato e cachorro. Trocam mais tapas do que beijos. Há gatos e cachorros que se dão muito bem e até brincam juntos, eu brinco com meu amigo, sem medo de arranhões. “Crianças são mentes absorventes, absorvem tudo”, explicou mamãe. O meu amigo me falou que, se continuar do jeito que sempre foi, vai fugir de casa. Vai morar na rua e levar vida de cachorro abandonado. “Se eles não se separam, já que não se entendem, eu me entendo e me separo deles”, já me disse com os olhos rasos de água. Em momentos como esses, eu também sinto uma tristeza danada e fico torcendo para que haja um final feliz. Há de haver uma saída, eu tenho esperança. “Há que se cuidar do broto para que a vida nos dê flor e frutos”, cantarolou vovó, rodeada de retalhos coloridos. Um dia, vou dizer ao meu amigo que, às vezes, são os filhos que educam os pais numa espécie de reedição do afeto. Eu não desisto nunca. Aprendi com os meus pais, que aprenderam com meus avós, que aprenderam com meus bisavôs, que aprenderam com os meus tataravôs, que aprenderam não sei com quem mais. Quem sabe um dia, mais cedo ou mais tarde, e nunca tarde demais, meu amigo aprende comigo?

 

Lindomar da Silva é natural de Guidoval (MG) e mora em Belo Horizonte. Formado em História e Filosofia pela PUC-Minas, é atualmente diretor de Estabelecimento de Ensino da Rede Municipal de Educação da capital mineira. Um de seus livros publicados é Petrina, selecionado para o programa Minha Biblioteca, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em 2019.

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