ESPECIAL NICOLAU | Gráphica cena 31/01/2024 - 11:13

William Eisner (1917-2005) nasceu no Brooklyn, em Nova York. Considerado um dos grandes artistas de HQ's ou “arte sequencial”, termo criado por ele. Criador do The Spirit, John Law, Lady Luck, Mr. Mystic, Tio Sam, Blackhawk, Sheena, entre outros personagens, Eisener reinventou a linguagem gráfica em seu percurso de 80 anos de carreira, “dono de um dos traços mais ágeis e elegantes das HQ”s, pontua Key Imaguire Jr. Um dos maiores prêmios de quadrinhos Eisner Award é uma homenagem ao artista.

Neste artigo “gráphica cena” publicado no Nicolau 38*, de abril/maio de 1991, o arquiteto e idealizador da Gibiteca de Curitiba, Key Imaguire Jr, escreve sobre a peça ‘New York', de Edson Bueno, inspirado no quadrinista, e o compara com Shakespeare no teatro e Kurosawa no cinema: “aquela posição isolada, o limbo onde o tempo não passa e onde a crítica não dá pé e morre afogada sem ninguém que a socorra”, diz Imaguire sobre Eisner.

*Publicamos todas as edições do Jornal Nicolau em sua versão original, inclusive com o acordo ortográfico vigente na época e a biografia dos autores(as).

 

Introduzido no teatro do Paraná por Edson Bueno com a peça ‘New York' (um ano em cartaz em Curitiba, no Guairinha), Will Eisner é dono de um dos traços mais ágeis e elegantes das HQs. Para Nicolau, Key Imaguire Jr. fala deste quadrinista que chega a ser comparado, em sua área de atuação, a Shakespeare e Kurosawa  
 

por Key Imaguire Jr.
 

Will Eisner é para os quadrinistas o que Shakespeare é para o teatro, o que Beethoven é para a música ou o que Kurosawa é para o cinema: aquela posição isolada, o limbo onde o tempo não passa e onde a crítica não dá pé e morre afogada sem ninguém que a socorra. 

A profundidade dos contrapontos de Eisner é tão impressionante que já cedi à tentação de compará-lo a Sartre, O Ser e o não-Ser, essas coisas. Não deu certo. O francês é filosófico e pesadão, baixo astral, enquanto que o descendente de austríacos é brilhante, ágil e elegante como uma valsa vienense. 

É claro que, de um ponto de vista estritamente quadrinhológico, a obra de Eisner conhece dois momentos bem definidos: o Spirit e as novelas gráficas. No entanto, de uma perspectiva mais ampla, as coisas estão ligadas por fatores tão densos quanto a genialidade do estilo Eisner. 

Foi isso que Edson Bueno percebeu e interpretou muito bem, ao transformar o Spirit em personagem da novela gráfica New York, adicionando ainda elementos de O Edifício e Um Contrato com Deus, criações maiores desse autor que só tem altos. 

A crítica possível à peça seria quanto às concessões ao humor brasileiro no contexto de uma produção tão européia quanto a de Eisner. Mas estou certo de que ele as aprova e aceita, sabendo, como sabe, que teatro não é só o velho Bill…

Participei das primeiras etapas da elaboração da peça do Edson Bueno. Sua incontida admiração pelos quadrinhos de Eisner deixavam prever, desde o princípio, um trabalho dedicado. A intercalação de cenas de histórias diferentes entre si, resultando numa seqüência única, é uma elucubração delicada e difícil, só mesmo possível a velhos quadrinhólogos

E como velho quadrinhólogo, acho admirável a exatidão com que são transpostos alguns quadrinhos para a peça, a ponto das cenas se parecerem com fotografias dos quadrinhos. Essa colagem exigiu o transplante, para a linguagem teatral, dos tais contrastes e contrapontos psicológicos e visuais, que são uma das faces mais importantes da maestria de Eisner.

O próprio “clima Spirit”, recendendo a existencialismo sartreano, foi um dos mais poderosos fatores de continuidade, dominando até mesmo as cenas em que não há relação com o personagem.

A troca de influências entre cinema e quadrinhos tem sido mais frequente que a existente entre quadrinhos e teatro, o que tem sua lógica evidente. O merecido sucesso de New York, by Will Eisner and Edson Bueno, no entanto, deve levar os diretores de teatro a pensarem seriamente em frequentar as bancas de gibis com mais assiduidade…