por Lucas de Lima

A recíproca é verdadeira

Tintim, o personagem belga que nasceu em 1929 e se consagrou no mundo dos quadrinhos, é, desde que surgiu, um jornalista. Na capa, em primeiro plano, ele é utilizado como referência por Guilherme Caldas, o artista visual, professor e ilustrador que assina esta edição. “A ideia foi fazer uma síntese do jornalismo com os quadrinhos”, ele explica. Mas na vida real, reportar o cotidiano nem sempre é tão colorido. Caldas sabe disso. Em 2015, em frente à Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), ele cobriu o dia de repressão aos professores da rede estadual, que protestavam contra o pro­jeto de reestruturação da previdência. Nesse cenário de conflito, que segundo a prefeitura de Curitiba deixou mais de 200 feridos, o ilustrador insere Tintim, de costas para o leitor, observando e registrando o cotidiano que embrutece os seres.

Antes de completar 20 anos, Guilherme já trabalhava com projetos gráficos voltados à produção de his­tórias em quadrinhos e criação de fanzines. Essa expe­ri­ência o levou a desenvolver “Encontro com Homens Notáveis” (1999), uma galeria de super-heróis improváveis impressa em tecido, posteriormente exposta em obras no formato e metragem 1x1. Em 2017, ele lançou “Um Bom Poema”, uma adaptação do poema homô­nimo de Paulo Leminski, em um formato criativo que remete à aparência de uma fita cassete. Mas sua trajetória entre as sarjetas das páginas não se limitou às experimentações. Caldas já publicou livros como 1968 Ditadura abaixo (2008), pela Arte e Letra, e Cidade das águas (2015), pela Pólen HQ, além de ter participado de coletâneas como Pé de Cabra (2022) e Bienal Publica (2021), entre outras.

Para a capa da 154ª edição do Cândido, o artista fez uma água-forte, técnica de gravura em metal. Como ele mesmo mencionou, esse processo “poderia trazer elementos visuais imprevistos e interessantes para um periódico voltado à cultura.” Ao trabalhar o tema, talvez ele tenha se valido de suas experiências anteriores com o jornalismo em quadrinhos, como em “Alícia no País dos Milagres” (Jornalistas Livres, 2016) e “Rela­tos da Greve” (Nébula, 2015), resultado da cobertura das manifestações de 2015 em frente à ALEP. Um Tin­tim que atravessa realidades: nesta ca­pa, é Guilherme Caldas.

Guilherme com arte de Monica Schoenaker (ou Monique Fora de Série)