ARTIGO | A grande onda literária em Maringá 18/09/2025 - 13:19

Por Victor Simião

 

Se até 2010 pouco se falava sobre o cenário da literatura de ficção em Maringá, ao menos fora do que hoje se chamaria “bolha local”, o ano seguinte alterou o panorama. Em 2011, Oscar Nakasato recebeu o Prêmio Benvirá de Literatura, cujo resultado lhe rendeu a publicação de Nihonjin, seu primeiro romance, que saiu pela editora Benvirá. Em 2012, desbancando autores como Ana Maria Machado, o livro ganhou o Prêmio Jabuti de Melhor Romance. Era o primeiro prêmio do tipo dado a um maringaense (embora, à época, Nakasato vivesse em Apucarana), e a história, uma narrativa sobre a imigração japonesa, destoava do que se via até então na ficção brasileira.

 

Oscar Nakasato
Oscar Nakasato
Reedição de Nihonjin pela editora Fósforo (2025)
Reedição de Nihonjin pela editora Fósforo (2025)

 

Marcos Peres
Marcos Peres

 

Nakasato abriu o caminho e o rastro foi seguido de perto por Marcos Peres. Em 2013, um ano após o Jabuti do colega, ele levou o Prêmio Sesc de Literatura com seu romance de estreia O evangelho segundo Hitler, uma história envolvendo Jorge Luis Borges, um duplo do escritor argentino e o nazismo. O livro, publicado pela Record, também recebeu o Prêmio São Paulo de Literatura e foi finalista do Jabuti em 2014. Marin­gá, enfim, estava no cenário nacional. 

Alguns perguntavam se havia algo na água do mu­nicípio porque, finalmente, em uma cidade então com pouco mais de 60 anos e menos de 400 mil habitantes, a produção literária local chegava a leitores e críticos do Brasil, algo que já ocorrera com Londrina e Curitiba. A resposta à época, e até hoje, é simples: os prêmios jogaram luz a um cenário que já vinha sendo constituído. Dividamos, para fins de compreensão, a literatura maringaense em quatro momentos, dos primórdios até o estágio atual. 

 

Foto de A. A. de Assis da época do lançamento de Robson
Foto de A. A. de Assis da época do lançamento de Robson
Capa de Robson
Capa de Robson (1959)

 

O primeiro deles vem de 1959, quando Maringá tinha 12 anos. Naquele ano, Antônio Augusto de Assis, mais conhecido como A. A. de Assis, publicou o primeiro livro: Robson, uma seleta de poemas. O próprio Assis, para muitos, é o maior escritor da cidade – trova­dor reconhecido em todo Brasil. Nascido no interior do Rio de Janeiro, tem mais de 90 anos e segue produzindo. Ao redor dele, grupos se organizaram e seus membros escreveram livros, mas nada que ganhou algum tipo de destaque ou que, de forma geral, permaneceu às gerações seguintes; A não ser nos anos 1980, as publicações do poeta Jaime Vieira, como o volume de poesia Asas, em que há uma clara referência à poesia de Paulo Leminski que, anos antes, visitara a urbe.

O segundo foi nos anos 1980, quando estudantes da Universidade Estadual de Maringá (UEM) fizeram textos em mimeógrafos. Unindo literatura e política, eram vistos nos centros acadêmicos e em ações contrárias à ditadura. Foi nesse período, inclusive, que Oscar Nakasato começou a escrever. Ali, travou contato com nomes que, depois, também ganharam destaque, como Ademir Demarchi e Marco Cremasco. O primeiro, poeta e importante agitador cultural que hoje vive em Santos, foi responsável pela coletânea 101 Poetas Paranaenses, editado em 2014 pela Biblioteca Pública do Paraná (BPP). Já Cremasco, foi o primeiro ganhador do Prêmio Sesc de Literatura, com o romance Santo Reis da Luz Divina, em 2004, e, atualmente, vive em Campinas.

 

Thays Pretti
Thays Pretti
Capa do livro "a mulher que ri"
Capa do livro "a mulher que ri"

 

O terceiro momento começa em 2010, na era de internet e blogues, que resultou em um e-book coletivo chamado Contos Maringaenses – Marcos Peres estava neste grupo, aliás. Dali alguns nomes seguiram publicando. Wilame Prado e Bruno Vicentini, por exemplo, tiveram contos selecionados e participaram da coletâ­nea 15 formas breves, lançada em 2017 pela BPP. Thays Pretti, em 2019, publicou o volume de contos A mulher que ri, pela editora Patuá. Alexandre Gaioto, na pandemia, ganhou o Prêmio Biblioteca Digital 2020, da BPP, pela coletânea de poemas Não há dezembro neste breu

 

Luigi Ricciardi
Luigi Ricciardi
Capa do livro Os passos vermelhos de John
Capa do livro Os passos vermelhos de John

 

O quarto momento é o atual. Maringá viu, ao longo dos últimos anos, o surgimento de clubes de leitura, ações de fomento público ao livro, leitura e literatu­ra, e o fato de que escritores surgiram e publicaram em editoras de pequeno e médio porte, como Luigi Ricciardi e o romance histórico Os passos vermelhos de John, de 2021, que saiu pela editora Penalux – hoje, Litteralux. Outros nomes também merecem atenção, como Ana Favorin, Estela Santos, Michelle Joaquim, Dany Fran, Mayara Blasi, Gilmar Santos e Jeferson Rodrigues. Sem contar as autoras que viveram por aqui e agora moram em outras cidades, como Ana Guadalupe e Julia Raiz. 

Daria para se falar muito mais, mas o espaço é cur­to. Concluo com o autor que abriu este artigo: Oscar Nakasato. No ano passado, pela editora Fósforo, ele lançou o romance Ojiichan. Agora, em 2025, Nihonjin foi reeditado e saiu pela mesma casa editorial. A o­bra foi adotada pelo Clube do Livro de Felipe Neto, sendo lida por pessoas de todo o país, e uma animação adaptada a partir do livro deve ser exibida no Brasil no segundo semestre, já tendo sido apresentada no Festival de Cannes em 2024. O escritor maringaense é, talvez, o principal nome de um movimento que tem crescido e que, espero, apareça cada vez mais.

 

 

Victor Simião

Victor Simião é formado em Jornalismo pela Unicesumar e em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Comentarista de literatura na rádio CBN Maringá, em 2013 criou o clube de leitura Bons Casmurros, um dos principais grupos do gênero no sul do Brasil, que já realizou mais de 200 ações. Também foi curador do projeto "Off Flim" e Secretário de Cultura de Maringá (2021-2024). No mestrado, pesquisou a trajetória de escritores maringaenses e a relação com o campo literário brasileiro.