POESIA | Rollo de Resende 28/02/2023 - 14:16

o deserto de sinais

 

estamos voltando para grifolux.

miriápolis não dava mais.

juntamos nossas coisas

    e atravessaremos o deserto de sinais.

é verdade, aprendemos muitas canções

    em miriápolis.

mas quase esquecemos como lateja

    o vivificante sol de grifolux.

deixamos convivendo no cercadinho:

    brutos e mansos de coração,

    vales e montanhas,

    relicários e estantes de tábuas e tijolos,

    claridade e a escuridão.

como quando dentro da noite do espírito

    pingasse uma gota de bem-aventurança.

viver esta sede

    era o que nos possibilitava ao meio-dia

    ouvirmos noturnos de chopin,

com alguns amigos escrever

    o guia do amor descomplicado,

permitir à vida que nos comovesse

    enquanto assava-se pão para toda a semana.

agora chovesse sobre miriápolis,

    tamborilando em vasos e latas no quintal

enquanto nos distanciávamos indo para grifolux

    onde sobretudo sabíamos florescer

o jardim de si.

 

 

*

 

pode ter saído de um romance de pasolini

(um dos seus “ragazzi de vitta”)

ou de um poema de konstantinos kaváfis

 

mas não,

veio a mim aqui mesmo do lado de fora da vida

e mais,

na verdade iria ao encontro de qualquer um

 

 

*

 

para HL

 

meu doce amor

sal da vida,

êxtase do domingo, após a feira.

desça de seu esconderijo entre as estrelas.

 

te introduzo nesta canção,

desde já,

para que não haja mais motivo de cancelá-lo

 

 

*

 

naquele início de década,

fomos versáteis e ecléticos.

oh deus! até hoje peço-vos

um bom violinista que me acompanhe

tornando-me, além de panificador,

também um cantor de blues.

enquanto isso, perder-se olhando

esses rapazes, seu desvario

em esportes com bola,

a forma esférica:

sua evolução no jogo

como nas coisas da vida:

paulo passa a bola para alice,

trabalham bem em campo.

 

*

 

misteriosos peixes noturnos

adernam sob as marquises

 

chove fininho

cavoucando delícia

quando nos deixamos beliscar

 

 

 

Poeta, artista e panificador, Rollo de Resende nasceu em Cambará, norte do Paraná, em 15 de agosto de 1965. Morou em Foz do Iguaçu e mudou-se para Curitiba em meados dos anos 1980. Publicou Bem que Se Aviste Racho de Romã (1988), pela Feira do Poeta, os poemas em cápsula de Homeopoética (1991, com Jane Sprenger Bodnar e Fernando Zanella), Água Mineral (1995) e Uma Flor de Lótus (1998, edição póstuma). Integrou o grupo Baú de Signos, além participar de diversas antologias e do projeto Disque-Poesia. Morreu em 23 de agosto de 1995, em Curitiba. Os poemas publicados pelo Cândido integram a antologia Espáduas, lançada neste mês pela Telaranha Edições.