POEMAS | Maria Firmina dos Reis 29/02/2024 - 15:42
Nesta edição do Cândido, selecionamos alguns poemas inéditos da maranhense Maria Firmina dos Reis (1825-1917), que estão na primeira e mais completa edição da obra Cantos à Beira-Mar e Outros Poemas (1871), que será lançada em março deste ano, na coleção Círculo de Poemas, da editora Fósforo e Luna Parque.
Luciana Martins Diogo, organizadora do livro, apresenta a escritora: “Neta de Engrácia Romana da Paixão e filha de Leonor Felipa dos Reis – ambas mulheres escravizadas e alforriadas – que serviram ao comendador Caetano José Teixeira, traficante de escravos, comerciante e grande proprietário de terras local. Foi nessa condição que Leonor Felipa conseguiu alfabetizar a filha e despertar nela o amor pela literatura, incentivando-a a escrever, cantar e pensar.”
Maria Firmina foi uma autodidata que se tornou professora, poeta, prosadora, romancista, jornalista e musicista. “Inaugurou assim um espaço pioneiro para as mulheres no Brasil do século XIX, utilizando seus talentos nos campos da escrita, da educação, da política, da imprensa, da música e da cultura popular. Para isso, insubordinada, Maria Firmina teve de romper com os paradigmas impostos às mulheres de sua época, promovendo a desconstrução do imaginário patriarcal vinculado a elas e contribuindo para a construção de novas concepções da identidade feminina, alargando, assim, também o campo das ideias e dos costumes”, completa Luciana.
Súplica
Dá, Senhor, que breve passe
Sobre a terra — o meu viver;
Bem vês, a flor desfalece
Da tarde no esmorecer;
Entretanto a flor é bela,
É bela de enlouquecer.
Mas eu triste — eu que na vida
Só hei provado amargura,
Que o sonho de um doce gozo
Não permite a desventura,
Pra que amar a existência
Árdua, mesquinha e tão dura?!…
Pra que viver, se esta vida
É martírio eterno, e lento?
E frágua toda a existência,
É século cada momento:
Pra que a vida, Senhor,
Se a vida vale um tormento!!!…
Dá, Senhor meu Deus, que breve
Se me antolhe a sepultura:
Que vale a vida seus gozos,
Que vale sonhar ventura,
E trago, a trago esgotar,
Fundo cálix de amargura!
Qu’importa a mim, se no bosque,
Canta a mimosa perdiz?
Seu canto tão repassado
De amores — o que é que diz?
Assim da brisa o segredo,
Da flor o grato matiz!…
A onda, que molemente
Na erma praia passeia,
Sente deleite beijando
A branca, mimosa areia,
A onda goza… e eu triste!
Nada me apraz, me recreia.
O vate pulsando a lira,
Embora banhada em pranto,
Sente ungir-lhe o peito aflito
Bálsamo, puro, e bem santo,
Se ele inspirado desfere
Seu dúlio, mimoso canto.
Mas, eu não — não tenho amores,
Não me anima uma ilusão;
Meu sonhar é vago anseio,
Que mais me dobra a aflição;
Sinto gelado meu peito,
Sinto morto o coração.
Morto… morto, nem palpita,
Que funda dor o matou!
Que foram desses anelos,
Dos sonhos que o embalou?
Tudo… tudo jaz desfeito…
Tudo, meu Deus… acabou!
Dá, Senhor, que breve passe
Sobre a terra o meu viver!
É sacrifício perene
Tão agros dias sofrer!
Dá que breve sob a lousa
Meu corpo vá se esconder.
*
Um bouquet
Ao aniversário de um jovem poeta
Afeto e gratidão
Quis dar-te hoje — poeta,
Um mimo — não tenho amores;
Mas no peito ingênuas flores
Eduquei para te dar:
É hoje o dia faustoso,
Do teu grato aniversário;
Do meu peito no sacrário
Fui essas flores buscar.
Queria o bouquet tecer
De murta, acácia e alecrim,
Após a rosa, o jasmim,
Após o cravo, o martírio;
Vê, se então não era belo
Juntar-lhe rubra cravina,
Se a mimosa balsamina
Se intercalasse de lírio?
Era formoso, bem sei,
Podia assim to oferecer,
Neste dia de prazer,
Dia de infinda alegria;
Mas, ah! de tantas que havia
Flores mimosas no peito,
Nem sequer o amor perfeito
Pude encontrar neste dia…
Não, poeta — achei ainda,
Vegetando em soledade,
A triste, a roxa saudade,
Pura, intacta e mimosa.
Inda me resta no peito
Uma flor pra te ofr’ecer,
Uma flor para tecer,
Palma virente e formosa.
Aceita-a — é quanto me resta
Das minhas passadas flores!
Elas têm gratos olores,
Têm mimoso e terno encanto,
Recebe-a em teu coração
Neste teu festivo dia,
Como nota de harmonia,
Bem repassada de pranto.
*
Ah! Não posso!
Se uma frase se pudesse
Do meu peito destacar;
Uma frase misteriosa
Como o gemido do mar,
Em noite erma, e saudosa,
Do meigo, e doce luar;
Ah! se pudesse!… mas muda
Sou, por lei, que me impõe Deus!
Essa frase maga encerra,
Resume os afetos meus;
Exprime o gozo dos anjos,
Extremos puros dos céus.
Entretanto, ela é meu sonho,
Meu ideal inda é ela;
Menos a vida eu amara
Embora fosse ela bela,
Como rubro diamante,
Sob finíssima tela.
Se dizê-la é meu empenho,
Reprimi-la é meu dever;
Se se escapar dos meus lábios,
Oh! Deus — fazei-me morrer!
Que eu pronunciando-a não posso
Mais — sobre a terra viver.