POEMA | Telaranha 22/10/2024 - 16:24

Guilherme Condimoura e Hiago Rizzi

 

Emily, (Telaranha, 2024) — Guilherme Condimoura

 

ل أبيب

 

“por vozes multifluentes
algaravia de arabescos”

— Haroldo de Campos

 

a sala de
una história de Ulisses
Lima, el risinho amolado
no rincón da luz
do velho abajour belga

“tem certeza de que só
há um caderno possível?”

os dois ojos que
desenham um arco em
uno cielo cromado

nuestro destaque sci-fi
a última lição de casa
:
Diderot, tão inocentes os carneiros

imagine
as roupas no varal

 

*

 

leonardo marona

 

apoiar-se nos palitos
de dente
e lembrar dos

    pequenos mutilados

porque
pode ser
que um dia
infelizmente

 

*

candy darling

 

passa o isqueiro
como quem passa
uma faca

disse do dilúvio de
luz, de Antero de Quental
esse curto-circuito divino

próximo, com espaço entre os lábios
e um ranger de
dentes, surge a epígrafe de
Kawabata no livro de
Wilson Bueno

                                 esse
abandono entre os dedos

 

Maravalha (Telaranha, 2024) — Hiago Rizzi

 

CARNAVAL

cai uma garoa chata e
lembra de são paulo? é assim também
dá vontade de dizer que é assim
em toda cidade com mais de 100 mil
mas eu não digo porque já contei do teatro
e do que penso sobre beijar homens e mulheres

 

*

 

um homem pinta as paredes
da nossa casa
não é meu pai
não é pai dos meus irmãos
cobre a casa de verde
mantém um interesse primário
pela botânica
crianças
sangue do meu sangue
vermelho
esse homem
ama vinhos importados
condução consciente
os olhos verdes da
nossa mãe

 

*

 

 

EPÍLOGO

faz três dias botei os tigres pra dormir
cobri com uma manta de algodão quase linho
eles crescem cobertos são quase adultos
eu sentado do lado de fora do quarto-jaula
lendo-escrevendo sob o amarelo do corredor
— a gente sabe quando é hora de ir-se —
sem fazer barulho deixo a luz quase acesa
para que cobertos os tigres adolesçam

 

 

Guilherme Condimoura - Créditos_Bárbara Tanaka

Guilherme Condimoura nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1995, e cresceu em Cachoeiro de Itapemirim (ES). É doutorando em Letras, com foco em Estudos Literários, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e graduado em Letras pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). É membro do ODORIcO – Laboratório de Teoria e Crítica de Tradução Literária – e cofundador da Telaranha Edições e da Livraria Telaranha. Além disso, é responsável pelos projetos de noise e arte sonora Kafka the Creator, Gui K. O. e Voleibol Feminino.

 

Hiago Rizzi nasceu em Maravilha, Santa Catarina, em 2000. É formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi colaborador da Divisão de Difusão Cultural da Biblioteca Pública do Paraná, repórter do jornal Cândido e é coordenador de comunicação da Telaranha. Editou a publicação de artes visuais e poesia contemporânea Perto do fogo (2022) e organizou a antologia poética Espáduas (2023), de Rollo de Resende (1965-1995). Maravalha é seu primeiro livro.

hiago_rizzi_-_creditos_joao_vitor_soares
Foto: Joao Vitor Soares