ESPECIAL CAPA | Poesia Concreta: 69 anos 11/12/2025 - 09:50
2025 precede o septuagésimo aniversário da primeira aparição do termo "poesia concreta" na revista Noigandres e da*1ª Exposição Nacional de Arte Concreta do Museu de Arte Moderna de São Paulo
Por Francisco Camolezi
Disse Augusto de Campos, precursor da poesia concreta brasileira, "a metrópole na qual eu vivia [...] revelava novas possibilidades através da eletrônica, dos jogos de cores e de movimentos com os quais nós mal podíamos sonhar naquela época". A declaração está na entrevista a Hans Ulrich Obrist, realizada em 2003 e atualmente publicada no primeiro volume de Entrevistas brasileiras, da editora Cobogó. A São Paulo dos anos 1950 é um fator importante para entender o poema concreto brasileiro. Na mesma conversa, o poeta atribui sua formação — e o surgimento da revista-livro Noigandres — às transformações culturais e urbanas da cidade, especialmente a fundação do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) em 1948, e de sua cinemateca; à criação do Museu Arte de São Paulo (MASP), em 1947; à 1ª Bienal Internacional, organizada pelo MAM em 1951; ao surgimento de livrarias e lojas de disco especializadas, que ajudaram a romper com a "dominação da literatura francesa" na leitura da época; e às publicidades luminosas nas ruas.
Com cinco números e uma tiragem pequeníssima — 300 exemplares distribuídos gratuitamente entre poetas, críticos, intelectuais e demais interessados —, a revista Noigandres, de 1952, é a primeira publicação coletiva do grupo homônimo composto pelos irmãos Campos: Haroldo e Augusto, e Décio Pignatari. É uma resposta à chamada "Geração de 45", escritores ditos "neoclassicistas" por Augusto de Campos, que se opunham às invenções estéticas da primeira geração modernista brasileira. Diante de um cenário de crise e constante busca por reinvenção na linguagem da poesia, a Noigandres propõe um retorno da produção poética brasileira às premissas do sexappealgenário Oswald de Andrade: a experimentação.
Aliás, a própria história por trás do título da publicação remonta à aura enigmática e experimental da revista. Por cerca de 20 anos, o significado de "Noigandres" foi um completo mistério. Sequestraram a palavra da obra de Ezra Pound, que, em referência ao trovador Arnaut Daniel, escreve: "Noigandres, oh, noigandres, what the DEFFIL can that mean!" ("Noigandres, ah, noigandres, o que DIABOS isso pode significar!", em tradução livre). Foi só em 1973, com a publicação do livro The Pound Era, de Hugh Kenner, que surge a explicação, decifrada por Emil Lévy. Primeiro, dividimos o nome em duas palavras: enoi e gandres. Enoi, ou, ennui, do francês, é tédio. Gandres, do verbo gandir, é "proteger". "L’olors d’enoi gandres", então, um perfume contra o tédio, explica Augusto de Campos a Hans Ulrich Obrist. "Um significado que nos agradou muitíssimo…", disse.
Capas das cinco edições da revista literária Noigandres, criada em 1952
Imagens: poesiaconcreta.com/scritos
Poesia concreta brasileira e no Brasil
Apesar da superficialidade de uma eventual resposta definitiva, é interessante notar um certo desentendimento entre Augusto de Campos e Hans Ulrich Obrist em relação ao surgimento do termo "poesia concreta". A hipótese de Hans é de que o termo surge com o crítico boliviano-suíço Eugen Gomringer, "depois de ter assistido, em Berna, à exposição de Max Bill", artista visual suíço. Augusto rebate. Diz que os primeiros a nomearem a nova poesia brasileira como "poesia concreta" foram o próprio e Décio Pignatari, em cartas de 1955. Antes disso, ainda no mesmo ano de 1955, a expressão foi usada outras duas vezes: pela primeira vez, nos "anúncios do espetáculo músico-poético do grupo Ars Nova", onde foram recitados poemas de Augusto de Campos, e em artigo assinado pelo poeta no jornal universitário Forum, intitulado "Poesia concreta".
Omar Khouri, poeta e professor livre-docente em Teoria e Crítica da Arte no Instituto de Artes da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), explica que, apesar do nascimento da revista e do grupo Noigandres em 1952, o movimento não surge "concreto". Torna-se, "no processo dos anos de 1950, com as descobertas dos componentes do grupo [Haroldo e Augusto de Campos, Décio Pignatari], somadas às conquistas formais do suíço-boliviano Eugen Gomringer". A expressão, conta o professor, é proposta por Augusto de Campos no já mencionado artigo do jornal Forum, de 1955. Na época, Décio Pignatari comunica o termo de Augusto a Gomringer que, em carta de agosto de 1956, aceita a sugestão, "e assim nasceu o movimento internacional da Poesia Concreta". Na Noigandres, o termo só aparece na terceira edição da revista, em 1956, mesmo ano em que, em dezembro, acontece a 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. A exposição foi proposta pelo Grupo Ruptura, movimento de artistas visuais de São Paulo liderado por Waldemar Cordeiro, e contou com a participação dos irmãos Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo, Ferreira Gullar e Wlademir Dias-Pino.
Segundo Omar, "a exposição assinala o lançamento ‘oficial' da Poesia Concreta no Brasil, um divisor de águas em nossa produção poética". Surge simultaneamente na Alemanha, "porém, em comparação, o Brasil leva a ‘medalha de ouro’, pois produziu poemas paradigmais, insuperáveis", defende.
Além da poesia, o trio Noigandres também se aventurou pela crítica, com análise de obras e elaboração de manifestos, e a tradução de obras contemporâneas e históricas da literatura, como Homero, Ezra Pound, Octavio Paz, James Joyce, Dante, Goethe, Gertrude Stein, E. E. Cummings e Maiakóvski. No decorrer dos anos 1950, o grupo passa por intensas renovações estéticas. Omar explica que, se antes havia uma certa "uniformidade" — a dita "fase ortodoxa" da poesia concreta —, marcada pela "economia vocabular, imposição de uma forma geométrica ao texto, a utilização da fonte Futura bold e a insistência no uso da caixa-baixa", com o amadurecimento do movimento, "cada um encontrou o seu caminho, propondo novos procedimentos, sempre com a ânsia da invenção".
Na poesia brasileira contemporânea, a influência concretista é evidente. Ainda hoje, a visualidade aparece como um elemento central na produção de artistas como Lenora de Barros, Paulo Bruscky, Falves Silva e Neide Sá. "Os concretistas de São Paulo falavam no 'verbivocovisual', termo emprestado de James Joyce. A 'verbivocovisualidade' continua na ordem do dia", complementa o professor.
A sobrevivência noigandres
Para Edna Watanabe, programadora visual da Universidade Federal do ABC (UFABC), doutora em Artes Visuais pela Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) e autora da tese "Uma aproximação à Teoria da Poesia Concreta via Noigandres e Invenção", "a trajetória dos poetas concretos mostra que o legado concretista ultrapassa a literatura e influencia profundamente as artes visuais, o design e a comunicação visual no Brasil". Ainda, diz, para além de aspectos visuais, a influência dos poetas concretos na produção brasileira contemporânea, tanto no design quanto na literatura, "é o de transformar a forma em pensamento e o pensamento em criação", explica. Edna acredita que a herança estrutural do movimento concretista — desde a clareza construtiva, o espaço como campo de tensão e o equilíbrio entre cálculo e invenção — "permanece viva em artistas e designers contemporâneos, para os quais comunicar é criar estruturas de sentido".
Essa máxima acompanha Edna desde o início dos anos 1980, na graduação, quando foi aluna do próprio Décio Pignatari na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Na ocasião, Décio ministrou uma disciplina de orientação. As aulas eram reuniões em que a equipe de Edna, responsável por desenvolver um projeto que unisse Programação Visual e Desenho Industrial, se encontrava com o professor para discutir ideias e receber direções. "Na época, eu ainda não conhecia plenamente a trajetória multifacetada de Décio", conta. "Nos atendimentos, marcados por trocas intensas de ideias e histórias, ele incentivava a criatividade e a reflexão. Em mim, despertou o interesse pelas teorias da comunicação e informação e as da semiótica peirceana, que viriam a fundamentar minha dissertação de mestrado e, mais tarde, minha tese de doutorado sobre a Poesia Concreta".
Para ela, os temas dos encontros com Décio — futebol, televisão, mídias, mitologia — foram seminais. "Ele não ensinava a repetir fórmulas, mas a repensar os meios da linguagem. Sob sua orientação, minha equipe criou um livro articulável, com páginas recortadas e dobraduras que permitiam ao leitor construir sua própria leitura, e também um totem de comunicação automatizada, antevendo a interação digital de hoje".
Quando perguntada sobre os achados da sua pesquisa de doutorado, cujo objetivo era identificar os fundamentos teóricos que constituem a poética da Poesia Concreta, Edna é direta. Responde que encontrou, principalmente, três grandes poetas: Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos.
Décio entendia o poema como um "design da linguagem", diz. Para o poeta, a poesia é um construtivo em que verbo, som e imagem se articulam para reinventar o modo de comunicar. Haroldo de Campos estava preocupado com a internacionalização e dimensão filosófica do projeto concretista. Com a eleição de Mallarmé, Pound e Joyce no rol de referências fundamentais — o paideuma — do grupo, "a Poesia Concreta", para Haroldo, "é processo em movimento, organismo que se transforma", explica. Augusto de Campos, o caçula, localiza o movimento concreto na precursão da poesia digital, computacional e eletrônica. Vivo, o poeta ainda "produz e experimenta nos novos meios de comunicação".
Para Omar Khouri, "é evidente o caráter intersemiótico da Poesia Concreta", ou seja, a poesia concreta se abriu ao diálogo para com as mais diversas linguagens, do trovadorismo ao computador. No "plano piloto para a poesia concreta", publicado na quarta edição da Noigandres, estão listados entre os precursores deste movimento uma série de poetas, músicos e artistas visuais que, no decorrer da atividade poética de Décio, Haroldo e Augusto de Campos, foram trabalhados pelo grupo em três frentes: poesia, crítica e tradução — ou transcriação, de Haroldo de Campos, exercício de tradução em estrutura aberta, do acaso e probabilidade. Entre os 13 medalhões mencionados no plano piloto, apenas dois eram brasileiros: Oswald de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Mas, não se engane, não há viés. "Os poetas concretos enxergavam o Brasil como parte integrante do mundo", explica Omar Khouri, em letras versais.
Francisco Camolezi é jornalista, mestrando em Letras no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e colaborador do jornal Cândido.












