Na borda do buraco negro 14/11/2017 - 11:30

Por que as soluções para a política cultural brasileira devem passar pela educação, o mercado, a cidade e as novas tecnologias

Teixeira Coelho

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   Ilustrações: Augusto Meneghin


A neblina envolvendo os horizontes do país, e da cultura, não oferece visibilidade para além da ponta do nariz, neste ano e nos seguintes imediatos. A conversa sobre a cultura e ao redor da cultura continua pedestre, como tem sido na última década e tanto. Pedestre, pequena, repetida, sem imaginação (porque largamente ideologizada) além de fragmentada, sem visão de conjunto e portanto fadada à repetição eterna. E à degradação — o que já ocorre. A neblina mais recente é o “escândalo da arte pornográfica” e, pior, da “arte pedófila”, envolvendo um centro de exposição que fecha mostra recém-aberta (o que indica claramente que esse centro não sabia por que havia organizado ou aceito a tal mostra e não sabia por que a fechava), um museu que se verga a normas que não se aplicam à arte e segrega arte em salas escuras com rótulos à porta como se fosse uma das revistas pornográficas de um passado já superado, ministro da cultura que diz não ser possível permitir o apoio a artes problemáticas e prefeitos, dois pelo menos, que dizem haver limites para tudo portanto também para a arte. De outro lado, um largo espectro das artes está paralisado, ao longo deste ano e do anterior e daquele antes desse. Exposições não se fazem, livros não se editam, editoras fecham, o audiovisual talvez fique sem seus incentivos fiscais. De resto, os incentivos devem continuar a existir? A vontade de tratar cada um desses “casos” e responder a todos eles é grande, além de necessária. Mas esse tipo de resposta não permite necessariamente a superação do problema, a neblina não se dissipa apenas por isso: pelo contrário. Aprendi com Wittgenstein: é preciso sempre mudar o ponto de vista pelo qual se considera um objeto, é preciso ver sempre um objeto na perspectiva oposta à que se está adotando. Mais ainda quando não se enxerga muito ou nada na posição atual em que se encontra o objeto ou o observador. Mudar o ponto de vista, portanto: deixar de lado o aspecto de varejo das questões, deixar de lado as questões avulsas, procurar pela raiz do problema e ver que soluções de política cultural existem.

 

Sem educação não existe cultura
Fechar uma exposição de arte por ser supostamente indecente, imoral ou pornográfica é uma questão de cultura mas também, e antes disso, de educação. De informação — mas também de educação, uma vez que informação sem educação não é nada. Vejamos como está o quadro da educação no Brasil. Em 2003, um ano marcante na história recente deste país, o Brasil aparecia, nos exames do PISA (Programme for International Student Assesment, avaliação mundial dos conhecimentos dos estudantes de 15 anos), na 35a posição em leitura (compreensão de textos) e 36a em matemá- tica (cálculos, contas). Doze anos depois, quer dizer, três mandatos presidenciais mais tarde, no levantamento de 2015 o Brasil, caminhando sempre firme para trás e para o fundo, coloca-se na 65a posição em leitura e 66a em matemática, atrás de Trinidad e Tobago, Colômbia, Uruguai, Chipre, Chile, etc., etc. Quase 100% de regressão em relação a 2003. Em ciências, ocupa a 63a posição, à frente apenas do Peru, Líbano (um país arrasado pela guerra de 2006), Tunísia, Iugoslávia/Macedônia (país devastado pelos conflitos de 1991 a 2001), Kosovo, Argélia e atrás de 62 outros, entre os quais México, Qatar, Albânia, Uruguai, Portugal, Argentina, Vietnã (remember o apocalypse now que foi a Guerra do Vietnã) e Coreia do Sul, outro aniquilado por uma guerra no século XX que levou quantidades de seus nacionais a emigrarem, inclusive para o Brasil, e escapar à fome (olhe-se para a Coreia do Sul hoje). No quadro geral da avaliação do desempenho de estudantes nessa faixa etária, o Brasil figura abaixo da média mundial calculada pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento). No entanto, o ranking do PIB global do Banco Mundial de 2016 aponta o Brasil na nona posição numa lista de 195 países, atrás apenas da Itália, Índia (ela que foi uma grande subdesenvolvida), França, Reino Unido, Alemanha, Japão, China e do líder EUA e à frente do Canadá, Coreia do Sul, Rússia, Espanha, Austrália, Suíça, Arábia Saudita, Dinamarca e muita gente boa. Não falta dinheiro no Brasil, não deveria faltar dinheiro para a cultura no Brasil. Falta vergonha por parte dos políticos e da sociedade civil que não reage à altura, falta vontade política, em todos os partidos, de fazer o que tem de ser feito em educação e cultura, sobra vontade (em todos os partidos políticos) de manter a sociedade ignorante e inculta. Neste dia de hoje, 26 de outubro de 2017, em que escrevo este artigo, a Folha de S. Paulo publica matéria informando, segundo pesquisa de 2016, que 55% dos alunos com 8 anos de idade neste país não sabem ler e fazer contas. O número é este, não há erro de grafia ou de leitura: 55%, cinquenta e cinco por cento. O Brasil é um país de ignorantes e incultos. Não há cultura e política para a cultura capazes de desenvolverem-se sob o peso esmagador de um quadro educacional desses. No entanto, há pouco os gritos da ideologia ergueram-se contra a união entre os ministérios da educação, com um orçamento enorme não gasto adequadamente, e o da cultura, eternamente sem dinheiro. Esses gritos eram oportunistas, claro, porque erguiam-se antes contra o governo que decretava a fusão do que contra a fusão em si: a questão ideológica ficou tão clara que é possível supor que nenhuma reação surgiria se a propor a fusão estivesse um governo com o sinal ideológico contrário. O fato é este: sem educação não há cultura e sem cultura não há educação. Mais educação não elimina barreiras contra a “pornografia”, mas sem educação os berros tornam-se cada vez mais altos e frequentes. E mesmo que não se ouçam berros, sem educação não há base para uma cultura sólida, não há desejo de cultura, do mesmo modo como sem cultura (e repito que o Brasil é um dos países com educação mais desculturalizada) não há educação. É uma questão sistêmica.

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Um mercado para a cultura
Há quase 17 anos ouve-se neste país a ladainha ideológica de que o mercado é o demo, o destruidor da cultura, quando a verdade é o contrário: sem mercado não há cultura, o mercado é que fez, faz e fará a cultura viver. A França, país de referência em política cultural, inclusive para o Brasil, define-se como um estado cultural e conta com uma estrutura e uma ideia estatais que apoiam fortemente a cultura, esteja no poder a esquerda ou a direita (pouca coisa muda com a troca de quem senta na cadeira de presidente: as bases estão assentadas, um consenso mínimo já foi alcançado). No entanto, alguns poucos números bastam para colocar as coisas na devida perspectiva. O Louvre, um dos museus com maior visitação no mundo, e há razão de sobra para isso, tem apenas metade de seu orçamento coberto pelo Estado nacional, o resto vem da bilheteria, das lojas do próprio museu, da venda de livros e catálogos de arte e bugigangas de arte, do aluguel de espaços no interior de seu complexo arquitetônico, da venda de exposições para o exterior, dos royalties pagos por Abu Dhabi pela instalação de uma franquia do Louvre em terra árabe que se inaugurou em novembro de 2017, ou vem do apoio de patrocinadores e mecenas, os demais 50% chegam de onde puderem vir. O Estado já respondeu, no passado, pela totalidade do orçamento do Louvre, mas nas últimas décadas diminui gradativamente sua participação na economia do museu. E a reduzirá ainda mais, a população do país aumenta, os problemas multiplicam-se, não há dinheiro para tudo: a cultura tem de virar-se como puder. Nenhuma cultura sobrevive com recursos do Estado (nem é sadio esperar que o faça, os exemplos históricos com suas tragédias culturais são conhecidos), a maior parte da cultura acontece fora do Estado, um Estado consciente deveria criar o mercado da cultura ali onde não existe, estimular esse mercado de todas as maneiras possíveis ali onde o mercado é fraco e apoiar com recursos públicos as formas culturais que realmente não puderem sobreviver no mercado e que mereçam ser apoiadas. Enquanto este país não contar com um mercado cultural sólido, a cultura não será sólida e a história das queixas culturais avulsas irão se repetindo ad eternum. É simples assim. E, claro, sem educação tampouco há mercado.

 

A cultura na cidade
A única realidade social é a cidade, o estado (divisão administrativa da federação) e o país são puras ficções administrativas. Se a única realidade social é a cidade, ela é o primeiro ator da cultura, o protagonismo é dela, a ela devem ser garantidos os recursos para escolher o que entende que deve escolher (supondo que seus dirigentes tenham condições de exercerem o mandato nessa área). Este país diz-se uma federação, mas é uma falsa federação (que não pretende corrigir sua falsidade) ou uma federação inacabada (que não tem interesse em completar-se): o Estado central apresenta-se e, pior, é reconhecido como núcleo e baliza do país, mete-se em tudo, quer definir tudo, controlar tudo, as pessoas esperam que tudo venha “deles lá”. No entanto, as pessoas vivem na cidade e não no Estado, nem no país. As pessoas amam, nascem e morrem na cidade, vão ao cinema e ao teatro e ao bar na cidade, não no estado, nem no país. A riqueza é gerada na cidade e em seu limite administrativo ampliado, o município. No entanto, a cidade e o município são os primos pobres do Estado, colocados em último lugar nessa lista tríplice: a cidade é Cinderela, a única que conta, a desejada, a formosa, mas, justamente por tudo isso (como no conto), aquela que é a única obscena desta história, aquela que é posta fora de cena, no porão sujo e escuro. A inversão de valores é total, o sistema político pensa poder andar sobre a cabeça (o Estado central), procura dar a impressão de que é possível andar sobre a cabeça ao mesmo tempo em que se esquece dos pés. É conveniente esquecer dos pés. A um partido político basta vencer as eleições presidenciais para controlar todo o país, já passa a controlar o cofre, a pauta da câmara dos deputados e do senado, a indicação dos juízes para o STF, os ministros todos inclusive o da cultura, a presidência das comissões de inquérito, os presidentes da estatais, tudo, tudo, tudo. E sem precisar escutar previamente as cidades, as pessoas antes de tomar qualquer iniciativa nessas áreas: a ideia de que foi eleito para isso e que por isso, automaticamente , representa a “vontade popular” sem mais consultas (nem se dão mais ao trabalho de lembrar isso e de lembrarem-se disso) é cômoda e uma farsa. O direito da cidade, tanto quanto o direito à cidade, é em tudo e por tudo desrespeitado neste país. As conversas e as reivindicações e as raivas e as choradeiras culturais continuam girando ao redor do varejo quando o que se deveria atacar é a questão central: o atacado. Inútil discutir se uma lei de incentivo fiscal à cultura, na órbita do Estado central, deve existir ou não, ser assim ou assado [1]: a questão é reconhecer o direito que tem a cidade de dotar-se dos recursos suficientes para gerar a cultura nela criada ou que a cidade quer que a visite. A união dos municípios do país em torno de objetivos claros — mais poder para a cultura nas cidades — resultaria numa força sensível, difícil de ignorar, talvez de conter. São 5.561 municípios no Brasil contra, no limite, umas 200 milhões de aspirações culturais possíveis e isoladas. Inútil esperar que o Estado central atenda 200 milhões de reivindicações culturais, mesmo se agrupadas em polos como o do cinema (fortíssimo), do teatro, etc. Mas 5.561 municípios são uma força organizável, além de legítima. Uma política para a cultura começa por uma política para o município, com a cidade no centro. O Estado central tem função subsidiária, de solidariedade, no máximo de coordenação. À cidade cabe a política de intervenção cultural — e para isso ela precisa ter recursos. Qualquer outra alternativa significa apenas a perenidade do atual estado de lamentação e penúria culturais. É preciso reconhecer onde está o problema da cultura — e o problema da cultura no Brasil reside na hipertrofia real e simbólica do papel do Estado central. Com o tamanho territorial do Brasil, é ridículo, além de sinal de arrogância e mandonismo, supor que um ministério implantado em Brasília possa querer dizer como deve ser a cultura de uma cidade do Amapá, do Rio Grande do Sul ou de São Paulo. Insiste-se nisso porque é o mais cômodo para os partidos políticos e os aspirantes a governantes e mandantes: por que pulverizar o poder (e o dinheiro) em 5.561 locais diferentes quando posso ter tudo na mão ao conquistar Brasília? E os meios de comunicação reforçam esse mito, as teorias também, os intelectuais idem. Paradoxalmente, cidades fortes em cultura dariam mais força para um ministério fazer o que lhe é próprio fazer. Mas interessa mesmo fortalecer o sistema?

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E a cultura não é mais aquela
A Agência Câmara de Notícias informou em 24 de outubro de 2017, dois dias antes desta linha ser escrita, que, faltando pouco mais de dois anos para encerrar-se o prazo de universalização das bibliotecas escolares, meta firmada pela Lei 12.244/10 estabelecendo o ano de 2020 como limite, não há sinais de que esse objetivo será alcançado. Tradução: em 2017 o país admite que uma política cultural do século XIX, com origem no século XVIII iluminista, não poderá ser implementada no início da terceira década do século XXI. Esse é mais um exemplo de que a política cultural no Brasil insiste em manter o olhar grudado no espelho retrovisor. Radicalizando a questão e exagerando em seus contornos, que real importância tem a biblioteca escolar na era da internet, do iPhone, do computador doméstico, do iPad, do telefonia 4G e do professor desatualizado, desmotivado, despreparado? Para que um estudante do ensino primário e médio precisa de biblioteca, hoje? O modelo tradicional é esse. Mas há sentido em correr atrás dele? O Centro Cultural São Paulo, amplo equipamento cultural no centro da cidade de São Paulo, sempre teve nos escolares seu público mais visível e fiel — um público que para lá ia em busca de respostas para suas “pesquisas” (quase sempre do tipo “corta e cola”), mas, acima de tudo, em busca de espaço para estudar, encontrar os colegas, conversar, escapar de casas apertadas sem condições de convívio. Nunca houve sinais da presença, no CCSP e na biblioteca do CCSP, de alunos provenientes das classes média e alta. Em vez de perseguir uma meta que não será alcançada dentro dos prazos estabelecidos por lei (ora, a lei...), não faz mais sentido encontrar um modo de garantir a cada aluno matriculado em escola pública algum tipo de computador com acesso à internet e, junto com isso, o ensino de uma linguagem de programação? [2] O Brasil diz, agora, querer alcançar, na corrida, o último vagão do trem do século XIX e é por isso que não terá pernas para chegar sequer a este século atual. Já está suficientemente claro: países que não tenham hoje uma tecnologia da informação desenvolvida já são, hoje, países definitivamente subdesenvolvidos. O Brasil não cria e não exporta tecnologia da informação, nem produtos com valor agregado, vive largamente do agronegócio, de grãos e carne. Mas a carne daqui a pouco será artificial (para não dizer virtual) e os grãos, também. E a profecia de que o Brasil é um país a eternamente emergir para o anonimato e o esquecimento será confirmada. O digital — para ser mais preciso, o computacional — está por toda parte, da medicina (os médicos estão com os dias contados: algoritmos acertam diagnósticos mais rapidamente e com muito maior margem de precisão do que os médicos) à culinária (idem), passando pela direção de caminhões e trens e metrôs não mais conduzidos pelo homem. E portanto o digital está na cultura também, e não só no cinema, campo onde filmes como Blade Runner 2049 e tantos só podem ser feitos com o recurso da computação (por que as pessoas gostam de ver esses filmes? Por falta de educação nacionalista? Por manobras do capitalismo imperialista praticado pelos EUA e agora também pela China comunista? Ou por que querem usufruir dos avanços científicos e tecnológicos como lhes garante um dos artigos do Pacto Unesco sobre os direitos econômicos, sociais e culturais?). Um professor do INSEAD (Institut Européen d’Administration des Affaires) desenvolveu um algoritmo que lhe escreveu mais de cem livros sem qualquer participação humana, postos à venda no mercado e comprados. No final dos anos 1960, Michel Foucault provocava forte celeuma ao adiantar a tese da morte do autor [3]. Era a grande novidade (estruturalista) do momento. Foucault perguntava-se: que importa quem fala? O que significa ser autor (impossível dar do autor uma descrição definida)? É o autor o responsável por seus textos (ele não é nem o produtor, nem o inventor desses textos)? Pode um texto ser atribuído a um autor, se essa atribuição resulta de operações críticas complexas e raramente justificadas? Que posição ocupa afinal o autor? Se Foucault tivesse conhecido, em 1969, os desdobramentos de uma ciência e tecnologia que naquele momento estavam em sua primeira infância, mal chegando à primeira dentição (no entanto já haviam mordido os alemães e impulsionado a derrota do nazismo), não teria hesitado em reconhecer no computador — mais propriamente, num algoritmo desenhado para escrever livros de literatura ou tratados de filosofia — o sinal nítido do fim da autoria tradicional e a possibilidade de uma autoria outra. Afinal, “o que importa quem fala” desde que alguém (ou algo) fale? O mesmo no caso da pintura, o mesmo no caso da poesia (algoritmos já escrevem poemas e não é possível com exatidão identificar quais vieram de um algoritmo e quais de um ser humano), o mesmo no caso de reportagens sobre esporte e de análises econômicas...

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A lista é longa. E o que faz o Brasil? No último ano do governo Dilma, cortou os recursos da pesquisa científica (para pagar alguma outra coisa, confessável ou não) e no primeiro ano do governo Temer, cortou os recursos para a pesquisa científica (para pagar alguma outra coisa, confessável ou não). Na cidade do Porto, Portugal, com uma população de 2,4 milhões de pessoas em 2011, criou-se um Polo Tecnológico com apoio da Universidade do Porto. Esse Polo, UPTEC, abrange 100 start ups e centros de inovação em energia, software, robótica, química... À época da ditadura, Chico Buarque cantava que o Brasil ainda iria tornar-se um grande Portugal, também sob ditadura. Parece que o Brasil, fora da ditadura (mas sob a ditadura largamente duradoura de uma política inepta, corrupta e ignorante), não tem mais chances de, nem sonha com tornar-se um grande Portugal. Talvez nem um pequeno Portugal. Onde está a política cultural para a cultura computacional? No ministério da ciência e tecnologia ou no da indústria e comércio ou no planejamento, se houvesse um... Em todos eles, talvez? No da cultura poderiam ver-se decididos apoios à cultura produzida computacionalmente. Veem-se? Não há, na agenda do MinC, nenhum indício claro de apoio às novas tecnologias em cultura, apenas ênfases a velhos chavões vazios (cultura como expressão simbólica, cultura como direito da cidadania, cultura para o desenvolvimento econômico) ao lado de seminários e discussões que não avançam iniciativas concretas. O Brasil ainda não desconfia que a cultura computacional está passando por cima dele.

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Mas quem deveria sugerir, defender e implementar essas propostas relativas ao papel central da cidade, ao mercado, à educação, às novas tecnologias? O criador cultural — o grupo de teatro, o cineasta, o artista plástico, o escritor— quer e precisa cuidar de seu projeto individual, o Iphan quer cuidar do passado, os museus mal conseguem sobreviver, livrarias fecham e com elas as gráficas e editoras, o orçamento do MinC para 2017 foi de ínfimos R$ 2,6 bilhões [4] e o dos próximos anos não será muito diferente. Programas como este, sistêmicos, são, então, irrealizáveis, apenas peças de ficção? Não, são programas de prazo médio e longo, institucionais, a serem iniciados de imediato se a ideia for em algum momento futuro sair da discussão do varejo que não configura nem resolve qualquer política cultural. Questões de varejo não passam de ideias feitas para um país desfeito. Esse tipo de programa precisa ser acionado institucionalmente, adotado institucionalmente. As cidades estão preparadas para isso? Secretários de cultura de municípios teriam de organizar-se, atualizar-se, formar-se, convocar seus prefeitos, conversar com a sociedade. Difícil. Tudo está perdido? Não. Quando a situação chega no grau zero ou perto dele, como agora, o horizonte de eventos abre-se às possibilidades, conhecidas e desconhecidas (como na borda de um buraco negro — mas a ideia é justamente fugir do buraco negro da cultura). Nem todas as cidades poderão fazer muita coisa, nem metade delas, nem um terço delas, talvez nem 10% delas. Mas algumas podem. Nem precisam apoiar a cultura diretamente, já seria muito criar o caldo de cultura que pode gerar uma nova cultura, um mercado da cultura, uma educação culturalizada. Em resumo, abandonando o espelho retrovisor. Ou vamos continuar discutindo o varejo da política cultural, hoje como daqui a dez anos.

 

Teixeira Coelho é escritor, crítico e doutor em teoria literária pela Universidade de São Paulo. Foi curador do Museu de Arte de São Paulo e do Museu de Arte Contemporânea da USP. Escreveu diversos livros sobre cultura e arte, além de romances como História natural da ditadura, As fúrias da mente e Colosso.

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[1] Neste momento, outubro de 2017, já se protesta contra e a favor da manutenção da atual Lei do Audiovisual que ampara o cinema. A discussão é pertinente, mas para que não fique eternamente como um tópico solteiro, perdido no cenário, é preciso identificar o sistema de que depende e ver como cuidar do sistema, não apenas de seu sintoma visível — como a Lei do Audiovisual.
[2] O CCSP pode e deve continuar existindo para garantir um espaço de convivência cultural às crianças e aos jovens — mas sem precisar recorrer a um subterfúgio fora do tempo. Será mais difícil pensar no que oferecer, mas…
[3] “Qu’est-ce qu’un auteur?”, Bulletin de la Sociétè Française de Philosophie, ano 63,n.3, julho-setembro 1969.
[4] As pessoas talvez não se dão conta de que esse valor cabe na cova de um dente da Lava Jato — e os dentes dessa boca voraz são pelo menos 32…

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