A outra visita
Alexei Bueno
E agora, Carlos? Já são 110
Os anos que não tens. Onde teus pés
Roçam agora? Neste mesmo burgo?
Nos jesuíticos pátios de Friburgo?
Na Rua da Bahia, no ar, na FLIP
Provando a própria glória, alto acepipe?
Seguindo as moças pela Rio Branco?
No Posto Seis, de bronze, no teu banco?
Se Villon quis saber das velhas neves,
Também procuro os teus sapatos leves
Da substância da névoa, reses brancas,
Que em Minas, lá nas grotas, nas barrancas,
Pastam o sol que as sorve, sem mugidos.
Hospedas-te em hotéis já demolidos?
Que é dos bondes em chamas? Que é do Mário,
Villa e Candinho, e as horas do Rosário?
Onde a hipnótica padra inamovível
E a taipa em lama a fluir pelo desnível?
Conversas com Manuel, Murilo, Nava?
Que coquetel a vida, gelo e lava...
Fitas, quieto, do Pico de Itabira,
O tempo, que do nada nos retira
Sendo também um nada? Olhas, absorto,
A folga literária de estar morto?
Não receber quinhentos cartapácios
Para escrever orelhas e prefácios?
Um mundo engole o outro. Tudo é novo
E velho, e imemorial. Para este povo
Alguma rosa nasce? A guerra justa
Morreu nas telas, trágica e vetusta.
A mesa está vazia, mais vazia
Do que quando tua mão nela escorria.
Carlitos tomou uma estrada curva,
Garbo é uma foto carunchada e turva.
A Máquina do Mundo não se oferta
Mais a ninguém na trilha ínvia e deserta...
Mas não, quanta mentira... O que houve um dia
Nada o pode anular, nada esvazia
A fôrma do poema quando o poeta
Deixa-a, médium de si, clara e repleta.
O Pico de Itabira se ergue, etéreo,
Como antes de sugarem seu minério,
E ainda mais alto. O santeiro Duval
Corta um santo de cedro no avental.
Teu pai olha o rebanho que a erva engorda,
No parque tua filha pula corda,
Quantas pérolas, contas, fotogramas
Formam o fio e o filme, quantas camas,
E armários, e caixões, e umbrais se emendam
Para que muitas vidas não compreendam
Que são uma, uma só? Por isso, amigo,
Aqui estás, tu conosco, nós contigo,
Tanque da água que cai, mina e não muda
Onde a noite no dia se transmuda.
E agora, Carlos? Já são 110
Os anos que não tens. Onde teus pés
Roçam agora? Neste mesmo burgo?
Nos jesuíticos pátios de Friburgo?
Na Rua da Bahia, no ar, na FLIP
Provando a própria glória, alto acepipe?
Seguindo as moças pela Rio Branco?
No Posto Seis, de bronze, no teu banco?
Se Villon quis saber das velhas neves,
Também procuro os teus sapatos leves
Da substância da névoa, reses brancas,
Que em Minas, lá nas grotas, nas barrancas,
Pastam o sol que as sorve, sem mugidos.
Hospedas-te em hotéis já demolidos?
Que é dos bondes em chamas? Que é do Mário,
Villa e Candinho, e as horas do Rosário?
Onde a hipnótica padra inamovível
E a taipa em lama a fluir pelo desnível?
Conversas com Manuel, Murilo, Nava?
Que coquetel a vida, gelo e lava...
Fitas, quieto, do Pico de Itabira,
O tempo, que do nada nos retira
Sendo também um nada? Olhas, absorto,
A folga literária de estar morto?
Não receber quinhentos cartapácios
Para escrever orelhas e prefácios?
Um mundo engole o outro. Tudo é novo
E velho, e imemorial. Para este povo
Alguma rosa nasce? A guerra justa
Morreu nas telas, trágica e vetusta.
A mesa está vazia, mais vazia
Do que quando tua mão nela escorria.
Carlitos tomou uma estrada curva,
Garbo é uma foto carunchada e turva.
A Máquina do Mundo não se oferta
Mais a ninguém na trilha ínvia e deserta...
Mas não, quanta mentira... O que houve um dia
Nada o pode anular, nada esvazia
A fôrma do poema quando o poeta
Deixa-a, médium de si, clara e repleta.
O Pico de Itabira se ergue, etéreo,
Como antes de sugarem seu minério,
E ainda mais alto. O santeiro Duval
Corta um santo de cedro no avental.
Teu pai olha o rebanho que a erva engorda,
No parque tua filha pula corda,
Quantas pérolas, contas, fotogramas
Formam o fio e o filme, quantas camas,
E armários, e caixões, e umbrais se emendam
Para que muitas vidas não compreendam
Que são uma, uma só? Por isso, amigo,
Aqui estás, tu conosco, nós contigo,
Tanque da água que cai, mina e não muda
Onde a noite no dia se transmuda.
NOTA
O poema “A outra visita” foi realizado a partir de um pedido do jornalista Arnaldo Bloch, que encomendou a Alexei Bueno um texto, de cerca de três minutos, que seria gravado, sobre Carlos Drummond de Andrade, para o encerramento da Flip deste ano, na qual o poeta foi o homenageado. Mas, ao invés de um depoimento, Bueno compôs um poema, cujo título faz uma referência ao poema “A visita”, no qual Drummond trata da célebre visita do jovem Mário de Andrade a Alphonsus de Guimaraens, em Mariana (MG).
O poema “A outra visita” foi realizado a partir de um pedido do jornalista Arnaldo Bloch, que encomendou a Alexei Bueno um texto, de cerca de três minutos, que seria gravado, sobre Carlos Drummond de Andrade, para o encerramento da Flip deste ano, na qual o poeta foi o homenageado. Mas, ao invés de um depoimento, Bueno compôs um poema, cujo título faz uma referência ao poema “A visita”, no qual Drummond trata da célebre visita do jovem Mário de Andrade a Alphonsus de Guimaraens, em Mariana (MG).
Alexei Bueno é poeta, ensaísta, tradutor e editor. Publicou, entre outros livros, Lucernário, A via estreita e Poesia reunida, que venceu o Prêmio Jabuti em 2003. Seu mais recente livro de poesia é As desaparições (2009). Também organizou a obra completa de Augusto dos Anjos. Vive no Rio de Janeiro (RJ).
Ilustrações: Marco Jacobsen
Ilustrações: Marco Jacobsen