Romance | Henrique Schneider

Porto Alegre — 17 de junho de 1970 — Quarta-feira — Primeiras horas da tarde

O carcereiro recém havia recolhido o prato e a caneca plástica em que tinham servido o almoço de Raul — duas conchas de feijão com arroz, um ovo cozido e café preto — e este apenas estava sentado no colchonete, tentando pensar em nada, quando o chefe apareceu, acompanhado de outro homem, que usava óculos escuros mesmo no negrume daquele corredor. O desconhecido carregava nas mãos um pequeno objeto de metal, cuja serventia Raul temia adivinhar.

“Doutor Pablo, este é o homem!” — apresentou o chefe, rindo e apontando o prisioneiro como se anunciasse a chegada de um convidado especial a alguma festa.

O doutor Pablo não disse nada; apenas fez um ligeiro esgar com a boca, à semelhança de sorriso sem vontade, e jogou o objeto metálico de uma mão à outra, apenas para que Raul pudesse constatar, subitamente apavorado, que aquilo era uma soqueira.

“Tudo bem, Raul?” — o chefe perguntou, com ironia.

“Sim, senhor.” — respondeu Raul, aterrorizado — se respondesse que não estava tudo bem, tudo seria certamente pior.

“O nome do filho da puta é Raul?” — foram as primeiras palavras do homem e, mesmo em seu novo pavor, o prisioneiro não deixou de perceber o sotaque carioca com que foram ditas.

“É o que está nos documentos dele. Estamos chamando ele assim. É um nome fácil, até meio bobo...”

“Ele tem mesmo cara de bobo...” — riu o recém chegado, baixando rapidamente os óculos e mostrando um par de olhos duros, malignos, parecidos aos do chefe. Raul também teve medo daqueles olhos.

“Pois é, Raul” — comentou o chefe, sorriso no qual brilhava o dente de ouro. — “O doutor Pablo é uma sumidade em alguns assuntos que muito nos interessam. Assim, nós estamos aproveitando a visita do mestre para que ele, solícito e gentil como sempre, nos dê umas demonstrações de sua técnica tão apurada. E, para isso, vamos precisar da tua colaboração. Chega mais.”

Raul não entendeu o que aquilo tudo podia significar e permaneceu imóvel em seu colchonete, olhando aqueles homens como se fossem extraterrestres.

“Chega mais, porra! Não escutou a ordem, filho da puta?” — gritou o recém chegado.

Raul levantou-se e, naquele instante, soube completamente que sua vida estava nas mãos daqueles monstros, que poderiam matá-lo como bem quisessem — e esta certeza momentânea pareceu dar-lhe uma espécie de tranquilidade surreal. Estou fodido, pensou, que façam o que quiserem.

O chefe chamou o carcereiro e ordenou-lhe que abrisse a cela. O homem cumpriu a ordem, enquanto olhava para o prisioneiro com certa dó disfarçada, que Raul sequer percebeu.

“Vamos lá, seu Raul. Vamos dar uma voltinha, até outra sala” — mandou o chefe, a voz mergulhada em ironia. — “O senhor nos acompanhe, por gentileza.”

Raul acompanhou os homens sabendo que na outra sala estavam os instrumentos e aparelhos de tortura, mas já não tinha maiores forças para pensar. Estava solto, nenhuma algema ou corrente o prendia. Poderia tentar escapar, mas sequer imaginou fazê-lo: escutava sempre tantas vozes, eram tantas pessoas por ali e ele estava tão desamparadamente perdido, que Raul não conseguiria dar cinco passos inteiros, sem que algum perverso lhe caísse por cima a chutes. Andaram em silêncio pelos corredores estreitos e escuros, dobrando aqui e ali, enquanto Raul percebia que aquilo parecia o porão ou a masmorra de algum casarão assombrado no qual ele mesmo era um dos fantasmas, até que chegaram a uma porta fechada. O chefe abriu aquela porta e surgiu uma sala úmida e suja como as demais, também sem janelas, mas bem iluminada, em cujo centro estava instalado um conjunto de barras de ferro ao redor do qual seis ou sete homens sentados davam a impressão de aguardar. Todos pareciam muito jovens.

Todos mais novos do que eu, pensou Raul, enquanto olhava ao redor tentando não entender nada.

O doutor Pablo cumprimentou os presentes com certa solenidade, saudação que os outros devolveram com admiração reverente. Permaneceram todos em silêncio por uns instantes, sem darem importância ao prisioneiro, até que o chefe entendeu que esperavam por uma palavra sua.

“Rapazes,” — começou ele — “conforme prometido, hoje está aqui conosco o doutor Pablo, que com toda a sua experiência e talento vai nos ensinar algumas técnicas aperfeiçoadas para obter a confissão de prisioneiros nesta guerra em que estamos. Nada que nós já não saibamos de um jeito mais ou menos regular, mas o doutor Pablo tem a minúcia e a perícia que, às vezes, nos faltam — e é aos detalhes que eu peço que vocês prestem maior atenção. Para a aula de hoje, contamos com a colaboração do nosso hóspede Raul, que foi convidado e gentilmente se dispôs a ser pendurado no pau de arara” — e, rindo, apontou a geringonça no meio da sala — “para ajudar na exposição.”

Raul não sabia o que era um pau de arara e, por isso, não esboçou reação maior. Mas apavorou-se, o medo voltando repentinamente à vida que prezava tanto, quando o doutor Pablo ordenou que o deixassem só de cuecas.

“Não, por favor! O que é que vocês vão fazer comigo?” — gritou, enquanto dois homens já começavam a despi-lo.

“Calma, Raul! Ninguém aqui vai te machucar muito. Só um desconfortozinho, uma incomodação, mas nada que um cara forte como tu não aguente brincando” — doutor Pablo apertou o braço do prisioneiro, como se lhe examinasse o bíceps, enquanto os homens todos riam da cena. — “Hoje é só uma demonstração, uma aula para essa turma aqui. Aliás, é por isso que estou te chamando de Raul, que é como te chamam. Se esta sessão de hoje fosse a sério, o teu nome seria a última coisa de que eu iria te chamar...” — e gargalhou da própria piada, secundado pelos demais. Depois, mudando o tom e mirando Raul fixamente. — “Mas não pensa que a vida por aqui vai ser sempre essa moleza. Eu posso ser muito ruim quando quero...”

O doutor Pablo esfregou as mãos e estalou os dedos, como a preparar-se para uma tarefa difícil, e depois pediu a dois voluntários que pendurassem a cobaia no aparelho. Só o básico, ordenou ele, enquanto Raul, atônito, não esboçava qualquer reação. Aliás, sequer havia a chance de reação.

Os homens suspenderam o prisioneiro pelos joelhos na barra de ferro, depois atravessaram suas mãos por baixo da mesma e cruzaram-nas por cima das pernas. Amarraram as mãos com um barbante grosso, à altura do punho, e ergueram aquele peso desesperado e que já começava a gemer de dor, deixando-o suspenso entre duas mesas e a uns vinte centímetros do chão. Depois, voltaram aos seus lugares, feito alunos comportados a aguardarem a lição.

O professor não pareceu incomodado com os gemidos de Raul, mas deu-lhe um pequeno sopapo na cabeça a título de aviso: que guardasse o choro para mais tarde, a aula nem mesmo havia começado.

“Pois bem” — disse ele — “isso tudo vocês já sabem. Pendurar o pedaço de carne é moleza. Mas o segredo é amarrar o pulso bem forte, a fim de ir trancando pouco a pouco a circulação. A outra dica é, às vezes, mover apenas um lado da haste de sustentação para cima ou para baixo, desnivelando o corpo. A cabeça num nível mais baixo que os pés, por exemplo. Isso mina a resistência do vivente” — e, olhando a interessada plateia — “Vivente. É como vocês dizem por aqui, não é? E tem que saber usar bem todas as técnicas para que se consiga um bom resultado e o vivente não se transforme num morrente” — e ele riu alto da própria piada, enquanto todos o secundavam.

Feito o comentário, ergueu o lado da haste em que se encontravam os pés de Raul e, por baixo dela, colocou um tijolo alto. O corpo do prisioneiro escorregou em direção à cabeça, imprensando-a contra a mesa, e este soltou novo grito, ao qual ninguém prestou atenção.

“Vejam que em pouco tempo a cabeça dele começa a avermelhar, por causa do sangue. Isso atrapalha ainda mais as ideias e a resistência do bandido e acaba fazendo com que ele fale. É quase melhor que o soro da verdade” — riu ele. Depois, novamente sério — “Particularmente, eu não gosto do soro da verdade. Ele não é muito confiável e pode matar muito facilmente, já vi muito caso em que o pessoal se descuidou e isso aconteceu. Mas não é o que a gente quer aqui. Entendeu, Raul? Você pode ficar tranquilo...” — e os homens riram outra vez.

Doutor Pablo permaneceu uns instantes parado, enquanto, sob a escuridão de seus óculos, parecia admirar a cena e deixar com que todos a analisassem — o corpo inerme, a impotência do preso, o sangue enchendo as faces, o abandono pendurado naquela barra. Depois lembrou, orgulhoso:

“O pau de arara é uma invenção brasileira! Foi criado aqui. É uma contribuição genuinamente nossa na luta contra o comunismo e a bandidagem!”

Um dos homens aplaudiu e gritou “viva o Brasil!”, sem que houvesse naquela exclamação qualquer laivo de humor ou ironia; o aluno parecia mesmo ufano deste descobrimento pátrio. O professor prosseguiu, balançando o corpo de Raul de um lado ao outro, feito cavalinho de bebê.

“O pau de arara é uma espécie de base para o interrogatório. A partir dele, no momento em que o prisioneiro está pendurado, se abrem muitas possibilidades. São, basicamente, três caminhos: o choque, o afogamento e a porrada pura e simples. Cada técnica possui seus segredos, seus detalhes.”

Então buscou no canto da sala uma pequena máquina, espécie de magneto cheia de fios, e começou a desenrolá-los sem pressa, com uma manivela, sob a atenção dos alunos e o pavor silencioso de Raul. Sou só um bancário inocente e que nem entende nada de nada, pensava ele, o que é que eu estou fazendo neste inferno? Após, o professor fixou a maquineta num dos cantos da mesa e, com uns ganchinhos de metal dourado, prendeu dois dos fios nos mamilos do prisioneiro, que gritou novamente sem saber o que iria lhe acontecer — mas já sabendo que iria doer, doer. O homem ordenou-lhe que calasse, enquanto terminava de fixar a maquineta:

“Colabora, filho da puta! Não vê que você tem sorte? Isso aqui não é um interrogatório; é só uma aula. Uma demonstração — você é a peça de demonstração, entendeu? Se fosse interrogatório mesmo, eu não estaria falando tão calmamente...” — e, dirigindo-se aos alunos — “Vocês viram que eu até já poderia ter dado uma porrada no nosso hóspede, que não me parece muito disposto a colaborar. Mas não fiz isso, e sabem por quê? Porque é preciso ser muito profissional. Não esqueçam: profissionalismo, sempre.

Depois, apontou a manivela à audiência: 

“Esta manivelinha é uma espécie de dínamo. Quanto mais é girada, mais energia vai gerar. Ela é progressiva. E quanto mais energia ela gerar, mais forte será o choque. É por isso que digo que a manivela é o coração desta geringonça toda, que nós chamamos de maricota” — os homens riram; nome engraçado, aquele. 

Então girou rapidamente a manivela. Raul deu um salto e outro grito, involuntário e descontrolado, enquanto sentia a dor nova que, entrando subitamente por seus mamilos, parecia se espalhar por todo o corpo. Enquanto o prisioneiro se contorcia, pendurado na barra de ferro, o professor se comprazia ao alternar a velocidade da manivela, modificando a intensidade do choque e mostrando aos alunos o resultado. Quando o doutor Pablo parou, Raul permaneceu a contrair-se ainda por algum tempo; depois que a sessão terminou, seu corpo era cada vez mais um pedaço de carne pendurado, gemendo apenas para si e rezando baixinho um pedido impossível à Nossa Senhora Aparecida.

“Viram que a alternância na velocidade é um dos segredos para o bom resultado. Às vezes é interessante dar uma enfraquecida, porque o corpo do prisioneiro vai relaxar involuntariamente e vai sentir mais quando a velocidade aumentar de novo” — explicou, enquanto girava a manivela mais um pouquinho, apenas para ilustrar o que dizia...

Depois, esperou que Raul parasse de se contorcer e seguiu a lição:

“Eu não costumo fazer perguntas para arrancar informação enquanto dou o choque. Isso é uma técnica minha, acho que a gente precisa estar bem focado no que está fazendo. Faço as perguntas no intervalo entre um choque e outro, sempre na ameaça do próximo. Funciona bem” — depois, como se precisasse se justificar — “Mas hoje nós não estamos fazendo pergunta nenhuma, para não atrapalhar o andamento da demonstração. Hoje é só aula” — e os homens riram outra vez, enquanto ele continuava — “O ideal é ir variando a intensidade do golpe e os lugares do corpo. Tem alguns que são mais indicados, porque são mais sensíveis. A língua, os dedos dos pés e das mãos, a planta dos pés, o ouvido, os testículos, o pênis, o ânus...”

“Bota um fio no rabo dele, doutor, pra gente ver!” — pediu um dos alunos, e os outros todos riram.

“Não, não...” — o doutor Pablo sacudiu a cabeça negativamente — “Vou viajar depois, não quero ficar com cheiro de merda nos dedos. Aliás, preciso me apressar e daqui a pouco alguém vai ter que me levar até o aeroporto.” — Depois, seguindo a aula — “E vocês precisam se acostumar logo: seguidamente vai ter comunista gritando, chorando, vomitando, cagando ou mijando no chão. São uns frouxos, uns fracos. Este aqui, por exemplo, nem foi mexido, ninguém fez nada nele. E vejam só o estado em que ele está...” — e apontou para a figura derrotada de Raul.

Raul, peso morto na barra de ferro, chorava baixinho, agudo. No meio daquele terror, conseguira pensar em não fazer barulho; quanto menos chamasse a atenção dessas bestas, quanto menos lhe vissem nesta sessão macabra que chamavam de aula, menos ódio seu corpo despertaria e mais cedo a tormenta toda poderia terminar. Tentava pensar que não estava ali, como se fosse possível.

“Outro método é o espancamento puro e simples. Pode ser feito com as mãos limpas ou com apetrechos. Cada um escolhe o que melhor lhe sirva — barras de madeira, borracha ou ferro, soqueiras, lâminas, nada que vocês já não saibam. Eu gosto das mãos limpas, é uma sensação boa. Mas com os apetrechos cansa menos e algumas vezes funciona melhor. Uma dica importante é variar o tipo e a intensidade da batida: soco, tapa, chute, caratê. É a mesma regra do choque, lembram do que falei há pouco? Assim, o corpo do presunto não se acostuma. Outra dica: nem sempre vale ir só nos lugares mais frágeis, tipo boca, olho, joelho, saco... Não, o segredo é descobrir onde fica o ponto fraco do bandido” — e desferiu um soco rápido e seco na altura do pâncreas de Raul, que gemeu alto. — “Ouviram? É assim que funciona. Tem que ter sensibilidade” — e riu.

O chefe, que assistia calado à exibição, olhou o relógio e achou por bem avisar o professor que já estavam começando a correr um pouquinho contra a hora, daí a pouco precisariam partir. Doutor Pablo fez um sinal positivo e pegou a soqueira, que havia deixado próxima à maricota. Colocou-a na mão direita e exibiu-a à plateia, feito um tesouro, depois golpeou o rosto de Raul, um pouco de lado, rascante, mais para assustar do que por qualquer outro motivo. Raul deu novo grito de dor, enquanto um fio de sangue brotava com certa suavidade de sua têmpora esquerda.

“Esta soqueirinha é de estimação, levo sempre comigo. Funciona que é uma maravilha.”

Então pediu que alguém lhe alcançasse um balde grande e cheio de água, que estava a um canto da sala. O homem que havia pedido um fio no ânus de Raul foi o primeiro a levantar-se, e trouxe correndo o balde ao professor, a quem olhou com certa admiração indisfarçada. O doutor Pablo levantou o recipiente e informou que só faria uma pequena demonstração. Depois, infelizmente, precisaria partir.

“A água serve muito bem como instrumento. O afogamento, claro, é o mais comum. Forçar a cabeça do preso dentro do balde durante um tempo é muito eficaz, mas é o básico. No pau de arara, há uma forma muito intrincada de colocar a parte traseira da cabeça do bandido dentro do balde e fazer com que ele precise ficar puxando a si mesmo para cima, o tempo inteiro, a fim de não se afogar. O preso vai cansando, cansando, mas sabe que se afoga se deixar a cabeça cair. É divertido. Não vou mostrar agora porque a instalação é meio complicada.”

Olhou a plateia e percebeu que todos permaneciam numa atenção bárbara. Bons alunos, pensou. Depois continuou:

“E tem uma técnica que eu, particularmente, gosto muito: o gotejamento. Pendura uma garrafa, um recipiente, até um vidrinho de remédio, algo assim, sobre a cara do comuna e ela fica gotejando, bem aos pouquinhos, sobre o olho, o nariz, a boca. Leva mais tempo e não é tão divertido, mas é um suplício. As madames não aguentam, o gotejamento vai minando a resistência. Mas vejam bem, é preciso prestar atenção: quando o preso está com sede, tem que cuidar para que ele não consiga tomar esta água do afogamento, entenderam? Tem que prestar atenção a esses detalhes, não pode dar moleza. Isso é que faz a arte do negócio. Também se pode misturar alguma coisa na água — detergente, desinfetante, álcool, o que se quiser. E, por fim, não se pode esquecer que a água é um ótimo transmissor de eletricidade, ela potencializa resultados, amplia o efeito do choque.” 

Enquanto falava, o professor despejou o líquido sobre o corpo de Raul, que estremeceu no meio do frio tão grande que aquele junho (ainda seria julho?) lhe trazia. — “Não vou demonstrar para vocês a diferença entre um choque sem água e um choque molhado, porque não vai dar tempo. Mas ela certamente é bem evidente para jovens inteligentes e interessados como vocês.”

O doutor Pablo largou no chão o balde vazio e secou as mãos com uma toalhinha branca que o chefe, solícito, lhe alcançou. Depois, sem prestar qualquer atenção àquele corpo à sua mercê, permaneceu por uns instantes em novo silêncio solene e um pouco teatral, feito o professor que aguarda a atenção dos alunos para fazer a chamada. E então comentou, à guisa de explicação final:

“Esta foi apenas uma primeira demonstração do que pode ser feito com este instrumento genuinamente brasileiro.” — E apontou o pau de arara — “Mas isso é o básico do básico, há muito mais para fazer para se conseguir bons resultados. Não vou conseguir demonstrar mais porque agora preciso viajar. Mas fica a lição mais importante: usem sempre a criatividade.”

Respirou fundo, com certa solenidade teatral, e então repetiu, a enfatizar a importância do que havia dito:

“Criatividade, não se esqueçam. Esta é a palavra-chave para conseguir bons resultados. Muito obrigado pela atenção de vocês.”

A audiência aplaudiu, e o doutor Pablo fez um pequeno gesto profissional de assentimento. Depois, como se repentinamente lembrasse que aquele momento teórico de ainda há pouco certamente teria desdobramentos práticos nos próximos dias, puxou a cabeça de Raul pelos cabelos molhados e mirou o prisioneiro com toda a escuridão de seus olhos maus:

“Não te esquece que isso aqui foi só uma aulinha. Quando for de verdade, vai ser muito pior.”


Henrique Schneider nasceu em 1963, na cidade de Novo Hamburgo (RS), onde vive atualmente. É autor de vários livros, entre os quais O grito dos mudos (vencedor do Prêmio Maurício Rosemblatt de Romance), Contramão (finalista do Prêmio Jabuti), Respeitável público e a coletânea A vida é breve e passa ao lado. Por 15 anos, escreveu a coluna semanal de contos “Vida breve” no jornal ABC Domingo (RS). Entre 2007 e 2016, com apoio da Universidade Feevale, realizou o Projeto de Leituras Feevale — Contos da Vida Breve, fazendo leituras públicas e gratuitas de seus contos.