Retrato de um artista: Nelson Rodrigues

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Nelson Rodrigues nasceu no dia 23 de agosto de 1912, em Recife, Pernambuco, mas viveu a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro – em 2012, portanto, comemora-se cem anos de seu nascimento. Iniciou sua carreira jornalística aos 13 anos, no jornal A Manhã, dirigido por seu pai, Mário Rodrigues. Passou a vida toda trabalhando em redações de jornais, seja como repórter, colunista ou cronista.

E foi dentro da redação do jornal Crítica, também comandado por seu pai, que Nelson viveu um episódio que marcaria de forma definitiva sua vida e literatura: o escritor viu seu irmão Roberto ser baleado na barriga porque ilustrou uma notícia de um divórcio nas páginas do jornal. O irmão morreria dias depois. Nelson tinha dezessete anos e é atribuído a esse episódio a obsessão do autor pela morte e morbidez.

Nelson retratou com precisão inigualável a alma do subúrbio carioca, os dramas, as aventuras e desventuras da classe média baixa no Rio de Janeiro da primeira metade do século XX. Com peças como Vestido de noiva, Álbum de família e Toda nudez será castiga tornou-se o maior dramaturgo brasileiro. Sua literatura e sua atuação na imprensa lhe rederam rótulos como “reacionário” e “pornógrafo”, a depender do interlocutor que o criticava. Ao que o escritor respondia com sarcasmo e ironia: “O buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico.” Nelson foi também um cronista igualmente genial e escreveu alguns dos textos mais célebres sobre futebol até hoje publicados em nossa imprensa.



“Gritou-lhe no rosto três vezes a palavra cínica! Mentiu que a fizera seguir por um detetive particular; que todos os seus passos eram espionados religiosamente. Até então não nomeara o amante, como se soubesse tudo, menos a identidade do canalha. Só no fim, apanhando o revólver, completou:

– Vou matar esse cachorro do Assunção! Acabar com a raça dele!

A mulher, até então passiva e apenas espantada, atracou-se com o marido, gritando:

– Não, ele não!

Agarrado pela mulher, quis se desprender, num repelão selvagem. Mas ela o imobilizou, com o grito:

– Ele não foi o único! Há outros!”

Trecho do conto A dama da lotação, do livro A vida como ela é... (Agir, 2006).

Ilustração: Fabiano Vianna