Prateleira

Extensão do Domínio da Luta (1994)

Aos 32 anos de idade e divorciado, o protagonista do romance de estreia de Michel Houellebecq se sente profundamente entediado com sua rotina de programador de sistemas de computador. O anti-herói Michel, que se vê refém da mesmice corporativa e de seus pares indiferentes à modorra do cotidiano, é conduzido por uma tortuosa jornada de autodescoberta. São bebedeiras homéricas e a tentativa de abrir mão dos dias enfadonhos que o levam a um caminho de iluminação. Longe de ser algo positivo, porém, o que se evidencia é a conclusão de que tudo é mesmo uma causa perdida e só resta ao narrador alimentar o profundo desgosto que sente pela sociedade. O primeiro romance do escritor francês ainda explora os elementos e temas que lhe renderiam fama a partir de Partículas Elementares, publicado quatro anos depois: forma e conteúdo em harmonia, banalidades da vida, invectivas contra o Islã, perversões sexuais e os dilemas humanos na sociedade pós-industrial.

Partículas Elementares (1998)

A partir da saga dos irmãos Michel e Bruno, iniciada no final da década de 1960 e com desdobramentos para além de 2070, a existência humana ganha — literalmente — novos contornos. Michel, um biólogo solitário, dedica-se aos estudos e encara a vida de maneira estritamente determinista, sendo basicamente incapaz de amar. Bruno é um hedonista desesperado e busca algum tipo de redenção através do sexo casual. Ao discutir a aversão aos sentimentos e o impulso sexual descontrolado, que no livro marcam uma espécie de declínio do homem moderno, Houellebecq explora as consequências dos excessos de uma sociedade libertária. A superação desses males, na obra, vem por meio de caminhos que conduzem à extinção dessa “espécie dolorosa e vil, pouco diferente do macaco” que é o homem como o conhecemos atualmente.

Plataforma (2001)

Se o romance anterior flertou com a ficção científica e propôs um futuro alternativo à espécie humana, em Plataforma Houellebecq se atém ao que há de mais rasteiro. Em um livro bem agressivo, o autor ataca o islamismo e as consequências da globalização, banaliza a prostituição e rechaça tudo o que vem a reboque da sociedade de consumo. O tom é mordaz e sarcástico, como nas obras anteriores, e pouca coisa escapa do radar do escritor francês. Quem encabeça esse libelo contra a contemporaneidade é mais um personagem chamado Michel, desta vez um burocrata francês que vai fazer turismo sexual na Tailândia. A partir desse fio condutor, a narrativa caminha para um desfecho catastrófico envolvendo radicais islâmicos. No ano seguinte à publicação da obra, fora do plano ficcional, um ataque terrorista de fato aconteceu na zona turística de Kuta, na Indonésia, deixando mais de 200 mortos.

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A Possibilidade de uma Ilha (2005)

Em seu quarto e mais extenso romance (478 páginas), Michel Houellebecq revisita a distopia com novo fôlego, sem deixar de lado as mordazes análises do comportamento humano e o humor doentio. A primeira das três vozes que formam a narrativa é a de Daniel1, um humorista que tem predileção por piadas racistas e pedófilas. Ele encontra a derrocada quando se cansa do riso da plateia e busca redenção no amor de uma mulher mais jovem. Não funciona. Plenamente desiludido, encontra conforto nos elohimitas — seita que acredita piamente na procedência extraterrestre dos seres humanos, filhos de Elohim, e que prometem a juventude eterna através da reprodução do DNA. O protagonista se entrega ao experimento e, 2 mil anos depois, os clones Daniel24 e 25 dão continuidade à história. Habitantes de um mundo devastado por catástrofes nucleares, eles não possuem sentimentos humanos e, portanto, como é praxe na obra do autor francês, são “pintados” como versões melhoradas do homo sapiens convencional.

O Mapa e o Território (2010)

Após um hiato de cinco anos, o mais longo de sua carreira, Michel Houellebecq voltou à ativa com este romance que lhe rendeu o Prêmio Goncourt. Sem deixar de lado o cinismo típico de seus livros anteriores, o autor se lançou numa empreitada um pouco diferente, mas não menos amarga. A obra traz a história do artista plástico e pintor Jed Martin, um homem ressentido pela falta de amor na infância e filho de um bem-sucedido arquiteto. Ao ganhar fama mundial com uma série de quadros sobre personalidades, Martin se embrenha no business pesado e a situação se torna propícia para o escritor francês, mais uma vez, acionar sua metralhadora de críticas contra todo o suposto glamour da sociedade capitalista. Um dos personagens da obra, aliás, é o próprio Michel Houellebecq — retratado como um bêbado repugnante. Na trajetória de vida do protagonista, que envolve ajudar o comissário Jasselin na resolução de um assassinato, o objetivo final parece ser se despedir de “uma existência à qual nunca aderira totalmente”.

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Submissão (2015)

François é um entediado professor de literatura na Universidade Paris III-Sorbonne. Para compensar a chatice da rotina acadêmica, o protagonista preenche seus dias com relações sexuais vazias com prostitutas, refeições de microondas, álcool e pornografia. No plano político, após eleições acirradas no ano de 2022, o candidato da Fraternidade Muçulmana Mohammed Ben Abbes chega à presidência da França. A nova ordem parece atrativa ao personagem, que enxerga no momento uma possibilidade de renovação — como, por exemplo, poder se aproveitar da submissão feminina sem peso na consciência. Em seu sexto romance, Michel Houellebecq volta a imaginar um futuro pouco promissor para a humanidade, apoiando-se nas preocupações que ocupavam o imaginário francês à época de seu lançamento e dando voz a mais um protagonista desiludido.

Serotonina (2019)

Em sua última incursão pelo romance, Michel Houellebecq mostra novamente estar atento às questões que assolam a sociedade contemporânea. A “paulada”, desta vez, vem através do quarentão e fútil Florent-Claude Labrouste. O protagonista, que odeia como seu primeiro nome soa feminino, é uma enciclopédia de conhecimentos inúteis e seus problemas giram em torno de coisas como ter de aguentar a esposa oriental por mais de uma semana em um balneário espanhol. O personagem segue suportando essa vida vazia com a ajuda do antidepressivo Captorix, “um comprimido pequeno, branco, oval, divisível”, até que a descoberta de um documentário sobre pessoas voluntariamente desaparecidas o faz despertar para novas possibilidades. O que Labrouste parecia não esperar, no entanto, é que a necessidade de um sentido para a vida assombra mesmo os que tentam rejeitá-lo.

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