Poesia | Adriane Garcia

OS ARTISTAS

Os artistas são aqueles que veem
Chifre em cabeça de cavalo:
São deles os unicórnios.

O LOBO MAU

Tinha orelhas grandes
Mas não eram para me ouvir
Melhor
Tinha nariz grande
Mas não era para me cheirar
Melhor
Tinha mãos grandes
Mas não eram para me acariciar
Melhor
Tinha boca grande
Mas não era para me comer
Melhor
Sentei-me na soleira da porta
E devorei a cesta.

PENÉLOPE NO ÚLTIMO DIA

Esperar Ulisses
Sem fios
Esperar Ulisses quando sem mais não alcanço senão
Minha agulha
Prefiro bordar, Ulisses
Enfiar na borda o vermelho púrpura
Onde talvez se banhe, oh, não!
Achem para mim meus cabelos, escravas
Preciso tecer de loucura o furor que entre
As pernas soluça: Ulisses
Preciso aplacar o calor que mesmo agora no frio
Nua
Desfiei minhas vestes...
É muito o tempo
Todo o tecido apodreceu...
Levem-me ao mar.

BRANCA ENVELHECE NA NEVE

Morta, aguardando sopro
Beijo alheio de vida
No féretro
Somente os chilreios dos pássaros
No péssimo humor, desapercebidos
Há tanto tempo passam homens
E bolinam, mesmo copulam
Muitos
Com a morta
O corpo duro não repõe
Fluidos
Não há o rosto angélico do que foi
Outrora:
Cada vez mais é mulher
No espelho.

A PRINCESA E O MENTIROSO

Enganou-me dizendo que tinha
Fazendas
Lavouras que administrava ele mesmo
Mas
Tudo que tinha
Era
Um gato
Em que calçava botas para não dar a entender que
Sua consciência era escrava
E cá estou eu
Dormindo com o
Nunca havido
Marquês de Carabás.


Adriane Garcia nasceu em 1973 em Belo Horizonte (MG), onde vive e trabalha como funcionária pública. Cursou História na Universidade Federal de Minas Gerais e se especializou em Arte-Educação pela UEMG. É  teatroeducadora e atriz. Escreve poesia, contos e dramaturgia, além de infantojuvenis. Fábulas para adulto perder o sono é o seu primeiro livro publicado.