Poemas | Niels Hav

Poesia & dinheiro

E isso dá dinheiro? Meus tios perguntam sorridentes.
Estamos em pé admirando seus carros novos
cada um deles custou cerca de cem mil
— e por pura convenção social eles perguntam
a respeito da situação geral da poesia.

Não, raramente tem dinheiro de verdade na poesia —
admito. A maioria dos que praticam essa paixão
têm péssimos meios de transporte. Alguns de nós
até possuem bicicletas, ou aprendemos a confiar
nos ônibus e trens.

É triste. Mas talvez, afinal de contas,
exista algum equilíbrio na balança da vida; e só
para manter a civilidade evito atirar essa pergunta
de volta por cima dos preciosos carros dos tios
sorridentes:
E há poesia no dinheiro?


Mentalidade humana

A mentalidade humana é um hotel místico
com muitos andares, corredores, salas de reunião
e instalações para conferências.
Na recepção incontestáveis regras do senso comum imperam
durante o dia. À noite tudo é administrado
por um Neanderthal.

Todas as percepções da vida estão representadas nesse hotel.
Em alguns quartos, importantes contratos são negociados, reformas
drásticas são planejadas. Atos criminosos e assassinatos são contemplados.
Se o recepcionista bater nesta porta para fazer perguntas pessoais
ele será expulso com um rugido de escárnio.
Em outros quartos vivem filósofos, malabaristas de palavras, xamãs e
crentes zelosos. O porão é assombrado
pelo grande baterista do nada, que cria
répteis como animais de estimação. Em todo lugar há atividade febril.

Em situações cruciais, todos são chamados
para uma reunião, dia ou noite, para falar sobre grandes problemas
ou puras trivialidades.
Não há pauta do dia nem cadeiras;
questões surgem e desaparecem em rápidos tumultos.
Um argumento por cima de outro
cada um em seu próprio tom. Alguns usam a lógica
ou o senso comum, outros declamam com uivos,
choradeira, canções, maldições, súplicas e gritos de terror.
Espíritos antigos cantam resmas de palavras incompreensíveis
em línguas mortas. Raramente
chega-se a uma conclusão definitiva.
De repente, todos retornam aos seus quartos
cada um imerso em sua própria confusão inabalável.

Na recepção, anda uma pessoa limpa e bem vestida.
Ele chama a si mesmo de Eu
e sustenta que ele é o gerente; ele afirma
que todas as decisões são tomadas por ele; e alega
que o hotel é gerido racionalmente
em acordo com princípios contemporâneos.

Ouça-o com um pouco de ceticismo.
Os demais habitantes do hotel não dão a mínima
para a autoridade dele.


Amor

É uma palavra tão grande.
Ou me engasguei com ela?
Amor, o que é isso
afinal?
Ao longo do tempo muitos trocam
um grande amor por uns trocados.
Eu te amo. E você arranca o plugue.
Eu te amo. E você atira meu livro
na parte de trás da minha cabeça.
Eu te amo. E o mundo explode.

Temos sede um do outro na ignorância,
como elefantes.

Sem crianças não há felicidade,
disse Schumann. Clara deu a ele
oito filhos como antídoto contra a melancolia.
Não foi o bastante.
Ele ficou louco, tentou suicídio
e morreu em um sanatório.
Ela tocava piano. Isso é o que
eles chamam de amor.


A alma dança em seu berço

Se é verdade que a alma
nasce velha
e rejuvenesce ao longo da vida,
então você e eu somos ambos mais velhos
e mais jovens se comparados um ao outro.
Esse tipo de combinação é perigosa.

Sejamos honestos: todos os dias
vivemos ao acaso
exatamente como pessoas que vivem em um delta
açoitado por marés.
Elas são íntimas da lua;
nós vivemos isso.

O coração bate livremente, a alma
dança em seu berço.


Niels Hav nasceu em 1949, na cidade de Lemvig, área rural no oeste da Dinamarca. Premiada em seu país, sua obra foi traduzida para o inglês, árabe, espanhol, italiano, turco, alemão, holandês, chinês, sérvio e albanês. No segundo semestre de 2018, a Editora Penalux publicará pela primeira vez o poeta dinamarquês no Brasil. O livro A alma dança em seu berço, que traz uma compilação de poemas do autor, é traduzido por Edivaldo Ferreira e Matheus Peleteiro.