Poemas | Nicolas Behr
Antimusa
escreva
não me mostre
nunca publique
*
queremos mais que palavras
sem palavras estamos desarmados
sem palavras não existimos
sem palavras estamos mudos, extintos
quer mais que palavras?
então te cala
Amor líquido
sem beijo
as salivas se revoltam
boca desértica
língua de areia
lambendo tamanduás
quando nos beijamos
lagoas de desejos nos inundam,
peixes se dissolvem
águas se liquefazem
eu quero é me afogar
nesse pântano de cuspe
tuiuiús tuiuiuam
sobre nossos lábios,
barrancos a desmoronar
jacarés mordem
nossas línguas
capivaras pastam
entres os dentes
irritantes garças bicam os céus
de nossas bocas
*
no teu túmulo
o meu tumulto
queria um assim pra mim
serás enterrado em cova rasa
e tua carne devorada pelos cães
devolvi o livro e praguejei
isso de nada adianta
pois os cães devorarão também
teu livro raso
*
o que dizer
da forma mais simples
que pareça complexo?
por que a poesia
se esconde indelével
entre as nuvens?
por que a poesia
desaparece nessas horas
com seu ar diáfano?
são as novas idiossincrasias
dos velhos paradigmas, meu caro
Autobiográfico
alcina cuida da casa
o poeta pensa no acaso
ela faz contas
eu faço de conta
ela entre notas fiscais
oh, efusões verbais!
pagar o boleto
ou protestar o soneto?
alcina no supermercado
escolhe o poeta
do superego fatiado
alcina resolve o problema
o poeta reescreve o poema
poesia primeiro
dinheiro depois
eu e alcina
catando letrinhas
(ou seriam moedinhas?)
no feijão com arroz
*
depois que você morreu
fiz novamente aquela viagem
pelas estradas de terra do cafuringa,
o mesmo roteiro
mas esperei chegar
a estação seca
quando a passagem dos carros
levanta muita poeira
para eu me lembrar
no que você se tornou
*
finalmente te perdi
e a reconquista
se inicia
o território é o seu corpo
o inimigo a brutalidade
(alcina um dia me disse:
eu não sou só buracos)
minhas armas
sempre falham
nos campos de batalha
da alma
avanço mas abraço o vazio
*
o que estraga
o poema
é o sentimento
sinto muito
NICOLAS BEHR nasceu em Cuiabá, em 1958, e vive desde 1974 em Brasília. Associado à geração mimeógrafo e à poesia marginal brasileira, publicou mais de 20 livros desde 1977, quando estreou com Iogurte com Farinha. Foi finalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura em 2008 com Laranja Seleta: Poesia Escolhida (1977-2007). Trabalhou como redator publicitário, fundou várias ONGs ambientalistas no Distrito Federal e hoje se dedica profissionalmente a um viveiro de plantas. Os poemas publicados pelo Cândido fazem parte dos livros inéditos Alcina, e O Itinerário do Curativo.