Poemas | João Manuel Simões

Perfil, em preto e branco, de um capitalista sem nome

Apesar de capitalista
           ortodoxo, convicto,
era radicalmente
                 marxista.
(E, dos três irmãos,
             preferia o Groucho).
Mais: adorava
            Das Kapital,
       investindo sempre
                 em ouro, dólar
            ou euro,
num banco helvético.
Costumava gozar
                  os rendimentos
                 sentado num banco
da praça Santos Andrade.
(Geralmente,
                   à sombra).


Vida & bebida

Não: beber, não bebi.
Contudo, sinto-me ébrio
da vida que vivi.

 

Macbeth ato v, cena v

Curiosamente, foi nessa peça amarga,
talvez a mais amarga de todas as
peças,
que Shakespeare consignou
o seu verso mais doce:
the milk of human kindness
Só esse leite da ternura humana
evita que a nossa vida seja aquela
tale told by an idiot, full of sound
and fury, and signifying nothing
.
E o resto é silêncio, e ouvido, e pó.


James Joyce & Stephen Dedalus

São dois os corpos sepultados
em Zurique. Um é o de Stephen
Dedalus, “as a young man”,
labirinto cruzando labirintos
(em Dublin e alhures). O outro,
de James Joyce, no caso,
certamente, “as an old man”
.
Dois corpos, dois túmulos, dois féretros.
E há gente que jura que era um apenas.

Meninice

Estranha ambiguidade
da idade ambígua:
a criança, pai do homem
vai ruminando, em silêncio,
a clássica dúvida de Hamlet:
ser ou não ser grande?
(Ah, como demora sê-lo!)

Por quem dobram os sinos, John Donne?

Não dobram certamente pelos mortos,
mas pelos vivos.
Sobretudo pelos nascituros
que dormem ainda o seu sono incauto
no seio das placentas
                      funéreas,
tão lembrando esquifes prematuros.

Conficção

Confesso: nunca fiz poesia
                                hermética,
e muito menos versos
                        enigmáticos.
Quero que sejam filhos
                  de uma estética
que os faça faça puros, simples,
claros,
áticos.

Pirotécnico

Porventura haverá
                   melhor ofício
do que ser produtor,
a vida inteira,
de torrentes de fogos
                    de artifício?
Não há, nem pode haver.
                     Porém, se houver,
feliz, feliz de quem
o exercer.

Outra

Bem sei que modernistas
                           ortodoxos
abominam a métrica
                          e a rima.
Porém eu, que venero paradoxos,
embora modernista radical,
tenho que por elas uma funda estima,
que eu diria que é quase
                              visceral.
(E este poeminha símplice
o confirma).

João Manuel Simões nasceu em Mortágua, Portugal, e vive em Curitiba (PR) desde 1954. É autor de mais de 50 livros, entre crítica, contos e ensaios. Em 2015 foi editado o primeiro dos quatro volumes que vão reunir toda sua obra poética produzida entre o período de 1960 e 2010. Os poemas publicados neste edição fazem parte da nova seleta de poesia do autor, que a Editora do Chain publica ainda este ano.