Poemas | Italo Moriconijr

Viagem à Itália

Ao ar puro de maio
(à moda de Sandro
Penna)

Ragazzo calabrese
no batente da manhã.
Meio-dia, sol é pino,
tatuagem sob a manga,
a primavera, um desvestir-se.
Vai com pressa à outra loja
consertar o celular.
Quem sabe o espreitam,
tamanha sua confiança
no mero pisar,
no olhar para os lados,
para lá e para cá,
para a frente e por detrás.

Ragazzo sim, mas...
calabrese?



Roma, dois mil e
dezesseis

A bunda-falo
do fauno
de Bernini.
Homem Cavalo Pedra
Giroscópio da visão,
mausoléu de obelisco,
pedra sobre
pedra, polida, rotunda
lançada para o alto
sursum, corda, mais
e mais, para o alto,
perfura, percrusta, incrusta
no azul
memória de dentes
rasgando carnes.

Meia noite

Procuro um coliseu
entre muros de Fellini
e uma lua de festim.

Ruína fresca de uma vida,
a liça, o riste, o risco,
a cena incompleta do filme,

as faces efêmeras, aparições
ruidosas, que confraternizam.
Ezra Pound, Pier Paolo, vago entre livros.

Pelas ruas adjacentes, pelos cantos
marginais, junto ao parque
já fechado, o ragazzo calabrês

ostenta o ser que nunca foi,
nem será. Suspende o tempo
com seu braço de academia,

seu orgulho, pequeno e vultoso,
numa língua sabor de sul,
para inglês ver, fotografar, postar.

Sem retorno

A sombra da terra de origem
esvaneceu-se, é como fiapos de nuvem
entre montanhas amenas, oliveiras,
percursos de trem
e um oceano inteiro, um salto
interplanetário, entre estrelas
apenas entrevistas.
O sortilégio do Amazonas, a foz,
as fontes inexauríveis do fluxo vital,
os cipós entrelaçados desde um tempo
de mais esfumada lembrança: enredos transgressivos
possivelmente ancestrais, é como um de-ene-ah!
Tudo se tornou longínquo, lendário,
material para um romance,
para um devaneio solitário.

Italo Moriconi (aqui assinando italo moriconijr) nasceu no Rio de Janeiro em 1953, onde mora há 40 anos, depois de ter passado a infância e a juventude em Brasília. Filho de pai designer italiano e mãe professora paraense, publicou os livros de poemas Léu (1988), A cidade e as ruas (1992), Quase sertão (1996) e História do peixe (2001). Após passar oito anos como diretor e publisher da Editora da UERJ, retoma agora as lides docentes e literárias. É professor associado de Literatura Brasileira da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Entre outros, é autor de uma biografia de Ana Cristina Cesar (O sangue de uma poeta, reeditado agora em 2016 pela Egalaxia), organizou as Cartas de Caio Fernando Abreu (2002, também a ser proximamente reeditada pela Egalaxia). Como curador literário, organizou antologias de prosa e de poesia, supervisiona atualmente a reedição das obras completas de Manoel de Barros para a editora Alfaguara e prepara um volume de textos selecionados de Torquato Neto para a editora Autêntica.