Poema | Rodrigo Tadeu Gonçalves
Fala
I
se cada poema pede começar com
se se cada poema espera uma resposta ele
é uma entidade
dê-se-lhe voz e que se espere o que se espera
como se cada poema num livro não soubesse
não ser outra coisa que não um novo se
um novo ser que
se propõe como voz que ecoa e aguarda
a resposta
de outro poema que não
— necessariamente —
lhe responde ou ecoa
se o livro fosse dois
e a cada jorro de voz soubesse
que outra voz lhe encontraria
com olhos e uma voz que, contraposta
,
soubesse tudo
em espelhos de
histórias
em aguardos
em pequenos apertos
ou agulhas que
furam sem furar
o que se
quer deixar
furar
II
então,
aponha-se uma mesa entre os poemas
velha, maciça
como borda, limite
porta
que não fecha mas não abre
porta
no meio de um quarto em que nunca se viu porta
com escada por trás
e os poemas só conversam
estabelecem regras
:
concordam não saber como findar
esperam destruir suas medidas
esquecem que não podem se tocar
pois são não mais que vozes, devaneios
a rima, abandonada, jaz, aguarda
pois já não se quer rimas:
favor queimar meu livro, não tá bom
“me deixa em paz, me deixa, eu vou morrer”
.
mas
não deixe queimar
queimar é só querer
a voz perdura
ensina a esperar
deixa a voz
é uma bela voz
esquece a urgência do
queimar —
não é pra já
III
vem cá, me ajuda a abrir
a caixa
se de lá
o que nunca é só o presente
observa
os belos cantos fundos essa caixa
de fato
se de tanto se
olha,
a caixa é só mais parte
do universo
não fura o que está fora
ocupa
espaço
um dia ela reverte ao
nada
de onde veio
é caixa
de dentro saem amarrações
confortos nos dizeres
responde
IV
mas ah
o mundo sempre acaba
não cessa de não acabar
visando o fim
afasta o elevado
o desgastado
que antes te prendia
se tudo é sempre só reunião
de coisas que jamais se tocam
por que devemos nos tocar?
como podemos nos tocar?
V
e é assim mesmo que é
responde a cada um
dos que te vêm no jorro
do arrebatamento
deixa sempre aberta a fresta
do raio de sol
que
invade
porque invade
porque não há sequer um jeito
de evitar que o sol
que sempre esteve lá
pereça só depois
de tudo
de todos nós
e saberemos, insignificantes,
que fomos só palavras
VI
e como é que poderemos saber
quando saberemos
se
um canto em muitas vozes não ressoa
um único dizer
mas deixa-se explodir na forja do sentido
escuta atenta
é só mais que a homonímia,
não saem todos do mesmo:
mas todos diferentes soam
simultâneos
perplexos, ouvimos
habitamos o indizível
queremos mais do que é dizível
e o que ele diz lá
pra além do quando finalmente se pode entender
é monólogo silencioso
expandindo
a calma
VII
não quero te chamar de nome algum
se você pode ser qualquer das coisas
que habitam o universo das palavras
esconde do terraço, da janela
o longo contemplar
e uma breve silhueta
parada, afeita à suspensão de
todo julgamento
para o tempo e olha
pra fora da janela
quando ninguém mais vê
RODRIGO TADEU GONÇALVES nasceu em Jaú (SP), em 1981. É professor e diretor da Editora Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em 2018 fez sua estreia na poesia com Quando o verão (2018). Também publicou, em parceria com Guilherme Gontijo Flores, o livro Algo infiel: corpo performance tradução. Nos dois livros, Rafael Dabul fotografa. Com Flores também fundou, em 2015, o coletivo Pecora Loca, que mistura poesia, tradução e música. Tem poemas publicados nas revistas Germina, Philos, Literatura & Fechadura, entre outras.