Poema | André Dahmer

MONUMENTO AO JOVEM MONOLITO


I
enquanto eu brincava de índio na praia
bianca franco

você se transformou em
uma maravilha tecnológica

máquina de bolinar máquinas

II
enquanto o homem de terno
dançava sobre o homem de crachá
que dançava sobre o homem de farda
que dançava sobre o homem de macacão
que cantava músicas para jesus cristo
eu estava na praia
brincando de índio

quando a polícia chegou

III
seu corpo relinchava
enquanto a internet forjava
o novo formato da sua coluna

meu amor

você se parece cada vez mais
com uma cadeira de escritório
talvez com rodinhas
você rodopie

você queria ser bailarina ou veterinária
eu queria ser índio ou astronauta

que bolsa bonita
comprei na zara
adorei seu cabelo
estou fazendo terapia com cristais

enquanto eu brincava de índio na praia
você inventava a pólvora

IV
eu brincava de índio na praia
rezava para os elefantes
comungava com os pássaros
minha igreja era um chá de gosto ruim
ver um elefante
era coisa comum
como avistar um automóvel

minha vida era uma selva

até que a alegria foi considerada
uma forma de selvageria
análoga à barbárie
tipificada como terrorismo

eu brincava de terrorista na praia
quando os americanos chegaram

V
meu amor
seus seios se parecem cada vez mais
com uma tela sensível ao toque
enquanto eu bebia sangue na praia
você fazia exercícios aeróbicos
para salvar sua bunda
da morte certa
às vezes

tenho vontade de largar tudo
comprar um carrinho de coco
virar índio ou astronauta
você ainda está viva
e também pode largar tudo
para ser bailarina ou veterinária

precisamos guardar algum dinheiro
para pagar a faculdade das meninas
precisamos largar tudo
ontem nossa caçula viu elefantes
nas celas do zoológico

André Dahmer é artista plástico, desenhista e poeta. Nasceu e vive no Rio de Janeiro. Publica diariamente seus quadrinhos nos jornais Folha de S.Paulo e O Globo. É autor dos livros Malvados (2005), O livro negro de André Dahmer (2007), e Vida e obra de Terêncio Horto (2014). Acaba de lançar, pela editora Lote 42, o livro de poemas A coragem do primeiro pássaro.

Ilustração Bianca Franco