Perfil do leitor: Sérgio Albach

Mais para Beethoven do que para Mozart

sergio

O músico Sérgio Albach, fã de Dalton Trevisan e Balzac, revela suas preferências literárias e diz onde música e literatura se encontram

Yasmin Taketani


No dia 10 de setembro de 2010, O homem que queria ser rei e outras histórias, do escritor indiano Rudyard Kipling, chegava às bancas de todo o país em um volume de capa dura, em tecido verde. O número 17 da coleção de clássicos da literatura mundial também chegava às mãos de Sérgio Albach, 44, músico que decidiu encarar os 30 títulos da coleção.

Semanalmente, Albach ia até a banca de jornal buscar seu clássico da vez. Os livros que por algum motivo ficaram faltando, eram comprados pela internet. Apesar da facilidade das compras online, o ritual de ir até a banca agrada mais Albach, que também é um habitué livrarias. “Gosto de olhar as estantes de livro sem compromisso, tentar encontrar algo que me agrade, sem indicações. Ainda gosto de ter o livro à mão. Tenho alguns no computador, mas não consigo gostar de ler na tela”, explica o músico.

Albach é coordenador artístico da Orquestra à Base de Sopro, integrante – junto a Glauco Sölter e Vina Lacerda – do Mano a Mano Trio, e acaba de sair em turnê pelo interior do Paraná para lançar seu CD solo, no qual interpreta composições de Waltel Branco, Osiel Fonseca e outros gigantes da nossa música.

Entre oboé, clarinete, shows, rodas de choro e tantos outros projetos que coordena e instrumentos que carrega, Albach mantém sempre um livro ao alcance, principalmente nos dois últimos anos, quando começou a ler mais intensamente.

Depois de selos, xadrez e cultura guarani, a leitura é a mais nova compulsão do curitibano. “A mais saudável que já tive”. Nessa nova fase, romances do século XIX têm sua preferência – e aí entra o volume 17 da coleção de clássicos, o livro de Kipling. Flaubert, Eça de Queiroz e Balzac são outros escritores que integram a lista de favoritos do período. “Me encantei com a genialidade dos caras. Ele [Balzac] descreve de forma muito profunda os personagens”.

Em sua lista de “essenciais”, também figuram Machado de Assis, Guimarães Rosa, Cortázar, Borges, Camus, Goethe e Clarice Lispector. Entre os contemporâneos, vai de Chico Buarque (“adorei Budapeste”) e Dalton Trevisan (“sempre”).

Literatura e música

Albach é um leitor atento. Credita à tradução grande importância, pois já se arriscou na área. “Tentei fazer algumas coisas. Você tem que entrar muito no universo da pessoa – algo que a tradução literal vai destruir. O tradutor é um segundo escritor – e tem que ser mesmo”, afirma Albach, que é leitor assíduo do português José Saramago.

O músico observa um processo similar ao da tradução quando se toca música popular de outra parte do mundo: nunca será a mesma coisa, sempre irá se perder algo. Por isso a escolha pela MPB, em especial o choro, do qual se considera um “mantenedor”, ou seja, um tipo de intérprete que pesquisa gravações antigas para tocar as músicas tais como foram criadas.

Outra semelhança entre as duas atividades, reside na composição, já que ambas trabalham com estruturas e contam uma história. Mas, há, segundo Albach, pelo menos uma grande diferença: um livro pode ser aberto e fechado, lido em uma outra oportunidade, enquanto a música “é o que acontece em um determinado momento”, ao vivo.

Há mais de trinta anos, Sérgio iniciava seus estudos em violão clássico, passando ao clarinete dois anos depois. A carreira começou com uma linha musical mais alternativa, para então encontrar o choro, sua coluna dorsal.

Em seguida, vieram regência e composição: a primeira, Sérgio considera um trabalho totalmente intuitivo, aprendido na prática, sem estudo formal; já a composição, é um trabalho lento, que Albach faz por meio de anotações esporádicas, até elaboração final.

“Estou mais para Beethoven do que para Bach”, lembra, justificando que o primeiro reescrevia infinitamente suas composições. Como artista, não sabe o tipo de "leitor" que gostaria de ter. “Quero que o espectador goste, mas não toco para agradar. Faço porque acho que tenho que fazer”.

Para muitas pessoas, o período de leitura mais intenso se passa na adolescência, quando é chegada a fase dos beatniks, ou Aldous Huxley e Gabriel García Marquez , como foi o caso de Albach – um momento de descoberta, enfim. Depois disso, muitos perdem o encantamento ou o hábito.

Seguindo caminho contrário, atualmente Albach lê mais do que nunca e fala com paixão sobre suas leituras, além de mostrar-se extremamente receptivo, tal qual um adolescente descobrindo o mundo. “Sinto-me alegre com a generosidade dos escritores por terem compartilhado suas histórias conosco, porque com certeza perderam muito tempo com aquilo, tem muita pesquisa”

A palavra escrita, por Albach se dedicar à música instrumental, tem pouca influência no seu trabalho. Dessa forma, a leitura desperta sua atenção para um outro mundo, um outro tipo de sensibilidade e um novo repertório de assuntos – enquanto estava lendo Moby Dick, ficou espantado com a quantidade de informação relacionada a baleias com que se deparava, algo que possivelmente passaria batido, não fosse por Herman Melville.

“É cultura geral, são referências. Se não tem cultura, você perde metade das piadas. Conhecimento faz com que usufrua cada vez mais das sutilezas desses grandes artistas”, é como procura resumir a importância da literatura Albach. Juntam-se a ela, nas prateleiras, as histórias em quadrinhos, em especial a obra de Neil Gaiman, autor da série Sandman.

Anos atrás, apenas por brincadeira, Albach encarnou um personagem e escreveu uma série de cartas para algumas amigas. Nunca chegou a enviá-las de fato e queimou a maioria, guardando apenas aquelas de que mais gostava.

Hoje, escreve um pouco todo dia, numa espécie de diário, como um tipo de terapia, e lê, de preferência em casa, na companhia de seu cachimbo. São seus minutos de relaxamento, os momentos de silêncio na vida de um músico.